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Trabalhador ganha tudo que pede em apenas 4% dos casos na Justiça do Trabalho de Brusque

Mais da metade das sentenças julgadas no município, entretanto, terminam em acordo entre as partes

Dados obtidos por O Município revelam que em apenas 125 dos 3.089 processos julgados pela Justiça de Trabalho de Brusque em 2016 a sentença acatou a todos os pedidos dos trabalhadores – 4,04% dos casos.

Os dados fazem parte de relatório obtido junto ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT-SC).

A média de vezes que o trabalhador ganha tudo que pede na Justiça em Brusque é, porém, maior do que a do estado, em que as sentenças concedem os pedidos do autor em apenas 2,6% dos casos.

Já os casos em que os trabalhadores ganharam pelo menos um dos direitos reclamados na ação trabalhista são mais comuns.

Dos processos julgados pela 1ª e 2ª Varas do Trabalho de Brusque no ano passado, 795 tiveram algum tipo de êxito, o que representa 25,73% do total.

Em sentido oposto, em 551 casos (17,83%) a parte que ingressou com a ação trabalhista não obteve êxito algum, seja porque todos os pedidos foram rejeitados ou nem chegaram a ser analisados pelo magistrado.

Desses 551 processos, cerca de metade (204) foi julgada improcedente, ou seja, o juiz entendeu que o trabalhador não tinha razão no seu pedido.

Em outros 63 processos houve desistência da parte. O restante foi arquivado ou extinto pelo poder Judiciário sem análise do mérito.

Os números de Brusque são bastante parecidos com o do estado. Para o presidente do tribunal, desembargador Gracio Petrone, eles mostram que, além de incentivar a resolução alternativa dos conflitos a Justiça do Trabalho de Santa Catarina, preza pelo equilíbrio na tomada de decisões.

“Ao contrário do senso comum, os dados mostram que o número de processos julgados totalmente improcedentes é o triplo em relação aos totalmente procedentes. Ou seja, a Justiça do Trabalho tem um lado: o da lei”, afirma.

Números da Justiça do Trabalho de Brusque

*são processos extintos, arquivados antes da sentença, que o reclamante desistiu e decisões sem análise de mérito


Muitos pedidos em uma só ação

Para o advogado trabalhista Eduardo Koerich Decker, vice-presidente da subseção de Brusque da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a questão dos trabalhadores ganharem todos os pedidos em apenas 4% das ações está ligado ao fato de que as ações trabalhistas, em regra, possuem muitos requerimentos.

“Em uma mesma ação se discute vários pedidos, muitas vezes relacionadas a matérias jurídicas e fatos distintos, onde existem várias possibilidades de aplicação do direito”, explica.

Eduardo Decker, vice-presidente da OAB, avalia que não é certo afirmar que trabalhador sempre terá vantagem em demandas trabalhistas | Foto: Divulgação

“É evidente que o advogado que patrocina a petição inicial se apega às teses que melhor atendem seu cliente, mas nem todas essas teses são absorvidas pelo magistrado que profere a sentença de primeiro grau, de modo que nesses casos a sentença não será totalmente procedente”, detalha.

O exemplo citado pelo advogado diz respeito a uma ação trabalhista para cobrar um cheque sem fundo utilizado para pagamento de verbas rescisórias. Em teoria, trata-se de uma ação em que o juiz concederia integralmente o direito pretendido.

No entanto, Decker explica que, se o advogado cobrar na ação honorários advocatícios, provavelmente o juiz não atenderá esse pedido, e a ação irá compor o grupo das parcialmente procedentes, ou seja, as que tiveram parte dos pedidos atendidos.

O advogado analisa como “delicada” a análise que envolve o senso comum de que o trabalhador ganha tudo na Justiça do Trabalho.

“Não creio que o indicativo de 4% de sucesso integral das demandas trabalhistas seja o ponto que indique contrariedade a esta máxima popular”, avalia Decker.

“Visto que a obtenção desse percentual é decorrente da complexidade e multiplicidade de pedidos típicos das demandas trabalhistas, onde o indeferimento de apenas um item já retira do processo o status de procedência integral”.

Ainda segundo ele, as estatísticas do TRT-SC demonstram vários processos cujo pleito do empregado foi indeferido integralmente, que “de tal modo que não é certo afirmar que o trabalhador sempre terá vantagem nas demandas judiciais”.


Legislação possui muitas interpretações

O juiz do Trabalho Hélio Henrique Garcia Romero, titular da 1ª Vara do Trabalho de Brusque, analisou os números de 2016. Para ele, o baixo número de ações em que todos os pedidos feitos pelos trabalhadores foram acatados está ligado, também, ao variado número de pedidos feitos nas ações.

Juiz do Trabalho Hélio Romero diz que legislação trabalhista dá margem para pedidos amplos, que nem sempre são atendidos | Foto: Arquivo O Município

O magistrado, porém, afirma que os advogados apresentam petições com muitos pedidos em função da legislação trabalhista ser muito intrincada, com constantes mudanças e diversas interpretações, citando a própria reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sancionada na semana passada.

“Essa quantidade de modificações que estão havendo a partir de hoje e que já aconteceram no passado formam um cipoal de leis e de disposições em que não existe uma grande clareza sobre determinados assuntos”, avalia o juiz.

“Criam-se correntes para entender que determinado artigo diz A ou diz B. Em cima disso, as petições iniciais acabam postulando um número muito grande de pedidos”, explica.

Para o juiz Romero, é comum se escutar que a Justiça do Trabalho sempre defere algo para o trabalhador, mas que com o passar dos anos isso está sendo desmistificado.

Ele avalia, contudo, que o trabalhador é tido como a parte mais frágil nas relações do trabalho, porque não detém o capital. “Isso imprime na CLT um conjunto mais protecionista, e com essa reforma está tendendo a diminuir bastante essa proteção”.

O caráter protecionista da CLT, para o magistrado, pode fazer com que se tenha um entendimento de que o trabalhador é sempre favorecido.

“Se há um conjunto de leis bastante favorável a uma parte, é natural que mesmo uma empresa que faz tudo certinho possa ficar com alguma pendência aqui e acolá”, diz.


Mais da metade termina em acordo

A maior parte dos processos julgados pela Justiça do Trabalho de Brusque em 2016 resultaram em acordo entre as partes. Foram 1.618, o que representa 52,37% do total de ações trabalhistas julgadas.

Os números são considerados bastante positivos para juízes e advogados. O vice-presidente da OAB, entretanto, avalia que os índices de acordos poderiam ser maiores, se houvesse mais interesse em resolver as questões, em vez de ganhar a ação.

Fazer acordo não é perder parte dos direitos, mas sim alcançar a satisfação do litígio da forma mais harmônica possível”, afirma. “As partes, empregados e empregadores, devem vir ao processo com extrema boa-fé processual, apresentando fatos fiéis à realidade e com espírito aberto à conciliação”.

No ano passado, mais de 52% dos processos terminaram com conciliação entre trabalhador e empregador | Foto: Marcelo Reis/Arquivo O Município

Segundo Decker, “os advogados devem manter o aprimoramento técnico das ações judiciais e aplicar melhor filtro antes do ajuizamento das ações trabalhistas, evitando exageros e pedidos infundados, bem como, apresentar defesas verossímeis sem distorcer a realidade sobre os fatos”.

Para o juiz do Trabalho Hélio Henrique Garcia Romero, os números são motivos de satisfação. Ele, que atualmente atua também no TRT-SC, em Florianópolis, diz que um dos motivos de ter permanecido em Brusque em vez de se transferir para a capital foi a facilidade em homologar acordos.

“Já tenho 23 anos de carreira, e um dos motivos que me fez permanecer em Brusque foi porque aqui tem os advogados que pedem dentro daquilo que é o razoável, isso faz com que Brusque tenha uma situação bastante privilegiada”, afirma.


Ações trabalhistas movimentam R$ 14 milhões

O Município também obteve dados de recursos movimentados pelas sentenças da Justiça do Trabalho, durante o ano passado.

Foram pagos, em 2016, R$ 14,2 milhões aos trabalhadores, oriundos de vitórias e acordos em processos judiciais, os quais compõem a maior fatia: R$ 10,9 milhões.

Outros R$ 3,3 milhões foram pagos por meio de execuções (cobrança forçada da dívida) e mais R$ 34,6 mil em pagamentos espontâneos, ou seja, quando o empregador acata a sentença judicial.