Só para situar quem não está prestando atenção: a gente está, aos poucos, mapeando, aqui na nossa conversa semanal, tudo o que foi importante na música, cinema e TV em anos que chegam, neste 2017, em aniversários redondos: 50, 40, 30, 25 anos. Ainda estamos no glorioso de 1967, tão relevante que poderíamos ficar nele até o réveillon. Falamos um pouco de música – e, pensando bem, nem teria como esgotar o tema… nem falamos no Festival Internacional da Canção, iniciativa da Globo que se tornou importante nos anos seguintes mas, que em 67, já mostrava sua força: foi dele que saiu o sucesso de Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brandt.
Mas hoje a gente muda de foco e chega ao cinema. Para essa primeira análise do que aconteceu na tela grande em 1967, é impossível não começar destacando Sidney Poitier. É impossível não dar o ano cinematográfico todo para ele. Vejamos.
O ator, que completou extensos 90 anos no último fevereiro, estrelou três filmes em 67. Um deles, o policial No Calor da Noite, ganhou o Oscar de Melhor Filme em 68. Em uma época em que o cinema parecia respeitar mais a inteligência do público, In Yhe Heat of the Night (que tem a música tema cantada por “apenasmente” Ray Charles) discute o racismo, ponto super sensível na sociedade norte-americana na época, sem um pingo de didatismo ou indulgência.
Seus personagens, que poderiam ser apenas clichês em outro tipo de filme (o xerife truculento, os policiais irresponsáveis e simplórios, o policial negro da cidade grande que despreza a ignorância branca), ganham uma dimensão que coloca qualquer filme 3D em seu devido lugar.
O filme é dirigido por Norman Jewison, também diretor de Jesus Cristo Superstar (73), Rollerball (75), Agnes de Deus (85) e Feitiço da Lua (87). E, veja só, o editor do filme é um Hal Ashby que ainda não tinha estreado como diretor… mas que depois nos deu os fundamentais Ensina-me a Viver (71), Amargo Regresso (78) e Muito Além do Jardim (79).
Mas, apesar de No Calor da Noite ser o filme mais premiado da trinca estrelada por Poitier em 67, os outros dois filmes seriam os meus escolhidos para qualquer lista de melhores de todos os tempos. Obrigatórios.
Um deles é Ao Mestre com Carinho, figurinha carimbada da Sessão da Tarde dos velhos bons tempos. Aqui, também, a história do professor que precisa “domar” uma classe de alunos pobres e problemáticos na Londres das minissaias poderia ser apenas um clichê. Mas passa longe disso, por causa do foco nos detalhes das vidas dos alunos e pela performance poderosa de Poitier. Tudo isso e mais a inesquecível música tema To Sir With Love, cantada por Lulu, que vive uma das alunas do “mestre”.
O outro, Adivinhe Quem Vem Para Jantar, é outro filme que coloca o racismo em questão, mas de uma maneira nada maniqueísta. O casal liberal vivido por Katharine Kepburn e Spencer Tracy vê suas convicções chacoalhadas com a chegada do noivo negro de sua filha branca, criada para viver sem preconceitos. O racismo da empregada negra e a lucidez do padre amigo da família ajudam a compor uma série de diálogos extremamente afiados, que colocam o dedo na ferida e diretamente em nossos narizes sujinhos.
Poitier não recebeu um Oscar em 67, mas já havia ganhado um em 1964, por Uma Voz nas Sombras (Lillies of the Field). Foi o primeiro ator negro a ganhar o prêmio de melhor ator. E é o rei de um ano com muitos outros filmes questionadores, dentro do espírito da época. Quais os seus preferidos?
P.S. Se você viu Seis Graus de Separação, uma peça que virou filme em 1993, estrelado por Will Smith, Stockard Channing e Donald Sutherland, deve ter reparado no espelho invertido do filme, em relação a Adivinhe Quem Vem Para Jantar. Só que aqui o casal descolado e liberal é enganado por um rapaz que usa a visão de mundo deles para que acreditem, sem questionar, que ele, o rapaz, é filho de… Sidney Poitier. Simétrico?