Justiça seja feita: a coisa já estava cozinhando desde 1986, quando o Cólera – aquela banda punk paulistana extremamente importante, histórica e acessível – tocou em Brusque pela primeira vez, nas comemorações de aniversário da cidade.
A gente tinha aqui o Contracorrente, um jornal (ou zine) que fazia o papel de manter um canal de comunicação com bandas, outros zineiros, desenhistas, poetas e todos os etcs, de todo o Brasil. Uma parceria imediata com Rogério Moritz, então dono do bar Amarelo Vinte, possibilitou a vinda de mais bandas da cena alternativa paulista para cá.
A primeira, justamente, veio em abril. Devotos de Nossa Senhora Aparecida, a banda de Luiz Thunderbird… antes de virar um VJ famoso na MTV brasileira. Foi bonito de ver. A rua em frente ao Amarelo Vinte (na Rua Rodrigues Alves, onde hoje fica a Mega Motos) ficou tomada de gente, curiosa pelo show.
O Devotos veio parar aqui por indicação de outra banda, bem mais conhecida, os Garotos Podres, que eram nosso objeto de desejo “palquístico”. Mas eles tinham um empresário mais profissional, que não aceitou diminuir a lista de exigências da banda e impediu que, naquele começo de 1988, eles viessem para cá. Se não fosse isso, talvez a história seria outra. Desconfio que tenha sido melhor assim.
E vamos nós, trazer à tona um trecho da matéria do Contracorrente sobre o show, escrita pelo Luís (o de Brusque) e que dá uma boa ideia do quanto os shows das bandas de São Paulo influenciaram e arejaram as bandas locais: “os rockabillies foram de balançar as coxas, como diz o eucarístico Luiz) e o final do show foi marcado pela democrática jam com os vocalistas do Bandeira Federal, Insultos e Tubo de Ensaio (bandas de Brusque). Dois rockabillies do capeta!”
Na falta de vídeo do “nosso” show, a gente vê uma apresentação deles no Boca Livre, no mesmo ano especial de 1988…
Depois, em junho, veio o Billy Mobile, banda secundária do Redson, vocalista do Cólera. Mais rockabilly, mais contato com as bandas daqui, com direito a visita a ensaios e dicas que renderam muitos outros contatos.
A sequência foi alucinante. Em seguida, em agosto, tivemos mais uma vez o Cólera, em show na FIDEB. Kães Vadius em show fenomenal em setembro. Garotos Podres, finalmente, em outubro. E o Beijo AA Força, pela terceira vez em Brusque, em novembro.
Trecho de um “quase editorial” do Contracorrente, escrito a quatro mãos por Luís e por mim: “isso, mais os shows das bandas locais – que se fortaleceram e se uniram demais em 88 – deu uma movimentação fantástica. Com uma repercussão inimaginável.”
A explosão de energia foi intensa, histórica. Claro, não se sustentou. O fôlego de 1988 não conseguiu se manter por mais tempo, ainda mais com o fechamento do Amarelo Vinte, no final do ano. O próprio Contracorrente, ainda em 1988, enfrentou dificuldades e deixou de circular por vários meses. Essas coisas dão trabalho, gente. Custam dinheiro. Não são, nunca foram, fáceis.
Mas são necessárias. Feliz da cidade que tem seus sonhadores abnegados, que, se não tiver outro jeito, não priorizam o lucro, trabalhando pela cena cultural em si. Os que acreditam e que seguram a onda, enquanto é possível. De repente, a História é feita desse tipo de revezamento. O bastão foi passado, outras gerações vieram e escreveram seus capítulos, com suas próprias referências. As coisas funcionam assim.