1988: o rock nacional na visão da Bizz
Talvez a gente possa definir o ano como o do amadurecimento do rock BR oitentista. Mas o mais curioso é perceber que a proximidade histórica dá outra visão das coisas. Afinal, como perceber, já no lançamento, que um disco (como Ideologia, do Cazuza) viraria um clássico?
Curiosidade: semana passada, as citações das críticas foram todas de Fernando Naporano, o rei dos rótulos compostos. Mas neste território nacional, ele simplesmente desaparece. Apesar de ser ele próprio integrante de banda, não era, nota-se, a pessoa mais interessada na cena nacional.
Por outro lado, temos muitos textos (e muitas citações pinçadas para esta conversa) assinados pelo mineiro Arthur G Couto Duarte, uma das melhores vozes críticas daquele período. Sempre fui fã. Relendo, continuo sendo.
Vamos aos destaques?
Psicoacústica – Ira!
Luiz Antonio Giron foi o responsável pela análise do disco – que, mais tarde, entrou na lista de 100 melhores discos da música brasileira elaborada por outra revista, a Rolling Stone brasileira.
“Em seu terceiro LP, o Ira! Conseguiu superar a si mesmo e arquitetar equilíbrios sonoros, razoáveis canções e inesquecíveis solos de guitarra. As oito faixas contêm de rocks regressivos (“Manhãs de Domingo”, bem ao sabor anos 60) ao mais novo gênero criado pelo pop brasileiro – o rap samba (“Advogado do Diabo”)“.
Como não colocar em sequência o álbum de Cazuza e o da sua antiga banda?
Ideologia – Cazuza
Quem analisa o trabalho solo, talvez o mais profundo de Cazuza, é Jean-Yves de Neufville.
“Você já se perguntou que cara pode ter a morte? Cazuza afirma que a viu, “e ela estava viva”, acrescenta em “Boas Novas”; uma visão que interrompeu por três meses a gravação deste LP. Pelo resultado, parece que o susto foi grande. Armado de sua caneta – cada vez mais ferina e lúcida – e de sua voz quente, ele endereça um manifesto de desencanto à nação, ‘grande pátria desimportante’.”
Carnaval – Barão Vermelho
Nas palavras do expert em som pesado, Leopoldo Rey:
“Olho no lance, pois com esse vigoroso trabalho o trio deverá estar entre os poucos melhores discos do ano do famigerado rock nacional.”
Go Back – Titãs
Arthur G Couto Duarte explica, em detalhes, uma mania da época…
“O que artistas de formações e estilos tão díspares quanto A Cor do Som, Toquinho, Beth Carvalho, Alceu Valença, Paralamas do Sucesso, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Pepeu Gomes e Baby Consuelo, Moraes Moreira e Ivinho poderiam ter em comum? Simples: o fato de todos eles – assim como os Titãs – terem um disco gravado ao vivo em Montreux. Será esta compulsão à repetição um tique de marketing? O sinal de uma epidemia circunscrita aos nossos executivos do vinil? Ou o quê? Seja qual for a respostas a essas indagações, ao menos uma coisa é certa – o título deste LP não poderia ser mais sintomático.”
Bora Bora – Paralamas do Sucesso
O quarto álbum de estúdio da banda tinha uma divisão entre lado A e lado B (conceito que caiu por terra com o advento do CD), que foi visto assim por Hagamenon Brito.
“O disco possui várias faces, num jogo de espelhos que reflete influências tranquilamente assumidas e aponta caminhos para a música pop nacional, além de confirmá-los como a melhor banda de ska/reggae do país.”
Cuidado – Lobão
AGCD não podia prever o futuro de João Luiz Woerdenbag Filho… mas chegou perto.
“Cuidado, ele voltou! Batendo o dedo na ferida, checando a breguice, peitando os poseurs e a voz que fala ao pé do rádio, Lobão comete seu quinto LP, fiel ao som e aos princípios que sempre nortearam sua tortuosa carreira.”
Depois de mostrar os lançamentos do ano de algumas das principais bandas brasileiras daquele período, que tal partir para algumas estreias?
Ed Mota & Conexão Japeri
O primeiro disco de Ed Mota, aquele que tem Manuel e Vamos Dançar, ganhou análise de Marcel Plasse.
“Impossível não pensar em Tim Maia, o tio genético de Ed, ou James Brown, o tio bastardo. E viva ‘A Rua’, a síntese disco/funk de tudo o que rolou e ainda rola nas festas do planeta. Pena que ao vivo seja muito melhor.”
Luni
A deliciosa banda de Marisa Orth e Theo Werneck, entre muitos outros, foi comemorada por AGCD.
“O verão chegou mais cedo com a estreia do Luni. “Do you want to get down?”. Então tome delírio, descontração, ecletismo, informação musical. No repique dos tambores, funk, räi, blues, reggae e o diabo a quatro. Sereias. Sirenes e saxes. Passagens secretas. Coisas da vida. Sacudindo sua espinha dorsal. Uma música absurdamente Luni. Simplesmente the best!”
Fairy Tales – Harry
O excelente primeiro disco da banda santista foi analisado por Marcos Smirkoff.
“É um disco de selo independente – isso, no caso, quer dizer muito. O registro em vinil é de uma decência episódica no rock nacional. A produção, engenharia de som, mixagem; numa escala de dez não ganham menos de nove e emio. Sem contar que já são sérios candidatos ao prêmio na categoria melhor capa do ano.”
Contra Ataque
Nas palavras do lendário Celso Pucci:
“Esta é a segunda investida da gravadora independente Ataque Frontal no território das coletâneas, reunindo bandas nacionais que trilham as sendas do punk e/ou seus derivados (a primeira foi Ataque Sonoro, de 85, reunindo dez grupos). Desta feita são sete, cada um presente com duas faixas. De São Paulo e adjacências (Santo André e Osasco) – com a única exceção dos Pupilas Dilatadas, de Porto Alegre – são lançadas faíscas punk impregnadas de mensagens pacifistas e ecológicas, com a produção técnica de Clemente, dos Inocentes. O resultado, se não prima pela originalidade, no geral consegue convencer, especialmente nas faixas com o Republika e o Não Religião, ambos em promissora estreia no vinil, além do noise ultra-hardcore do Olho Seco, um dos pioneiros da cena punk paulista“.
Preguiça de ouvir tudo? Tem uma playlist made in BR com um resumão destes destaques…