Proposta de nova reforma ortográfica gera polêmica
Comissão de Educação do Senado quer abolir "ç", "ss", "ch", entre outras regras a partir de 2016
Já pensou se deparar com um texto em que a palavra ‘omem’ substitui homem, ‘qeijo’ entra no lugar de queijo e cidade vira ‘sidade’? Um tanto quanto estranho, mas é exatamente essa a proposta que a Comissão de Educação do Senado está estudando.
O projeto, encabeçado pelo senador Cyro Miranda (PSDB-GO), presidente da comissão, pretende fazer uma reforma no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que está em vigor desde 2009, com o objetivo de facilitar o ensino da língua, substituindo, por exemplo, o ‘ch’ pelo ‘x’, o ‘ss’ por apenas um ‘s’, e abolindo o ‘ç’ e também o ‘h’ no início das palavras, entre outras mudanças.
“Tínhamos um acordo que não era acordo. A reforma foi feita sem ouvir ninguém. A comissão resolveu botar ordem na casa e tomamos a medida de convocar o debate”, justifica o senador.
Ele afirma que não haverão mudanças profundas nos termos do acordo, mas que é preciso promover algumas alterações. “Não pretendemos fazer uma reforma geral da ortografia. Queremos o mínimo possível de mudanças, mas chegar a um consenso entre os países. Ainda estamos longe disso. As autoridades competentes têm que se envolver mais. Só a comissão se movimenta”, diz.
A ideia, segundo o projeto, é ter um sistema com menor número de regras e exceções, o que facilitaria o ensino da língua nas escolas. “Quase ninguém sabe a ortografia em nosso país. Encontrar quem saiba usar hífen, j, g, x, ch, s, z, é algo raro. Até professores precisam recorrer a dicionários para confirmar como se escreve uma palavra ou outra, de tão complexo que é o nosso sistema”, destaca Ernani Pimentel, um dos professores que coordena o grupo técnico de estudo da Comissão de Educação, que ainda tem o apoio do também professor Pasquale Cipro Neto.
A expectativa é de que até maio do ano que vem aconteçam discussões sobre o tema com professores do Brasil, Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde. Só a partir disso o projeto será concluído e colocado em votação. “Cada país levará para aprovação do seu Legislativo. Caso aprovado, poderá entrar em vigor em 2016”, explica Miranda.
Sem consenso
O assunto, que veio à tona na semana passada, está dividindo opiniões. Nem mesmo os profissionais da Língua Portuguesa chegam a um consenso sobre a necessidade e os possíveis benefícios do projeto.
O professor de Português e Literatura, Luiz Deschamps, acredita que todas as discussões que tenham por objetivo racionalizar o estudo da língua e desenvolver formas de universalizar o seu aprendizado são fundamentais. “Não me parece apropriado condenar, a priori, uma iniciativa cujo principal propósito é o de simplificar a nossa complexa ortografia, tão marcada pelas exceções. A princípio, discutir o uso de letras como o “h”, “ç” e tantas outras que dificultam o aprendizado das normas ortográficas pode ser muito útil”.
Deschamps afirma que o objetivo do projeto que está sendo discutido agora pelos senadores é diferente do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que foi assinado em 1990 e implementado em 2009. “O nosso idioma era o único no Ocidente a ter duas grafias oficiais: uma europeia e outra brasileira. A intenção primeira daquelas mudanças foi uma unificação ortográfica. As mudanças que agora estão sendo sugeridas buscam, sobretudo, a facilitação do aprendizado da ortografia. Esse me parece um tema importante, visto que talvez um quinto de nossa população esteja verdadeiramente apta a elaborar textos mais profundos como os ensaios e as dissertações de cursos acadêmicos. Um dos maiores entraves, certamente, tem sido a ortografia. Quem sabe não é hora de analisarmos esse entrave?”, questiona.
Para ele, a discussão é pertinente, sobretudo no momento em que os estudantes já fazem uso de muitos dos recursos que podem ser aplicados no projeto, com o objetivo de facilitar a sua interação através das redes sociais. “Nada impede que algumas mudanças sejam estudadas e implementadas gradativamente. Até que ponto a ortografia é “intocável”? Discutir tais aspectos sempre vai gerar controvérsia, mas é absolutamente necessário”.
Já para a mestre em Língua, Ana Cristina Bornhausen Cardoso, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), a proposta é “inoportuna”. Para ela, a população ainda não teve tempo de “acompanhar e incorporar as regras do último acordo ortográfico, por isso, este projeto é fora de hora”.
Segundo Ana, ao propor essas alterações, os senadores estão fugindo de um problema central. “O problema não consiste em facilitar como escrever o português, mas sim tentar criar uma política pública que privilegie a formação de bons professores, escolas de qualidade, de tempo integral, em que as crianças possam, realmente, aprender. São várias coisas que precisamos considerar, é muito mais do que simplificar”.
Ela concorda que a Língua Portuguesa tem suas especificidades, mas ressalta que, nem por isso, deve ser alterada. “Não é bagunçando e facilitando a aprendizagem do português que vai ter um impacto positivo nas escolas. A escola tem que se preocupar em fazer o aluno ler mais, se interessar mais, escrever melhor, e não facilitar as regras, não é dessa forma. Até concordo que tem alguns encontros vocálicos nossos e algumas situações que são mesmo difíceis para o aluno, mas, no momento, promover essas mudanças vai causar mais confusão do que solucionar o problema”.
Veja o que pode mudar:
Fim do H no início da palavra:
Homem – Omem
Hotel – Otel
Hoje – Oje
Humor – Umor
G fica som de “gue”:
Guerra – Gerra
Guitarra – Gitarra
CH substituído por X:
Chá – Xá
Flecha – Flexa
S com som de Z vira Z:
Asa – Aza
Brasília – Brazília
Base – Baze
X com som de Z vira Z:
Exame – Ezame
Executar – Ezecutar
C antes de E e I vira S:
Censura – Sensura
Cedo – Sedo
Cidade – Sidade
SS vira S:
Gesso – Geso
Fossa – Fosa
SC antes de E e I vira S:
Nascer – Naser
XC com som de S vira S:
Exceto – Eseto
Excêntrico – Esêntrico