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A babá do domingo…

 

Por uma babá de verde e amarelo

Enfrentamos um momento político complexo no Brasil. Em 2013 manifestantes lotaram as ruas demandando mudanças para o país. Não havia pauta específica, o país inteiro estava junto, pedido que começássemos a olhar para os nossos problemas.  Saúde, educação, corrupção, o aumento do valor dos transportes, os desvios absurdos de dinheiro cometidos na copa do mundo, etc.

Confesso ter me arrepiado naquele momento, até o tempo revelar que as pessoas pouco haviam entendido sobre o que estavam pedindo. Numa análise sem contexto histórico, parecia que o Brasil havia começado a ter aqueles problemas há menos de duas décadas e vamos combinar, para quem já estudou história econômica do Brasil (e eu estudei isso vastamente nas minhas aulas de economia) esses desafios existem há muito tempo. O Brasil não era a Suíça que de repente virou um país subdesenvolvido. Apesar da grande desigualdade social criar ilhas de riqueza, que algumas pessoas acreditam ser o Brasil, nosso país é pobre e a maioria das pessoas enfrentam uma vida de grandes desafios e privações. O Brasil sempre foi o país do futuro, nunca o país da vez. O que aconteceu nessas últimas décadas é que todos esperavam que o nosso momento enfim chegasse e não chegou. Nossos problemas continuaram gritando mais alto do que nossas glórias.

Essa história foi ganhando mais capítulos ao longo desses 3 anos. Um duelo raso de ideias entre a “esquerda” e a “direita” se deflagrou. Uma direita que foi taxada de analfabeta política por causa de defesa de inúmeros argumentos fracos e falhos, sem análise histórica, sem análise econômica, fundamentada em achismos e em experiências pessoais, sendo que a elite vive numa ilha com experiências muito distintas do resto do país. Uma esquerda sem projeto, sem saber que partido apoiar e que foi comumente associada ao partido em exercício, que parecia tentar dar algum embasamento às suas análises, até ontem.

De repente esquerda foi confundida com PT, direita foi confundida com PSDB. A esquerda quis dizer que os manifestantes do dia 13 eram contra a corrupção, mas que apoiavam Aécio, também delatado na lavo jato. No fim ele também foi vaiado. A esquerda usou a foto da babá em plena manifestação para dizer que aquele era o público presente e sinceramente, não acredito que existam 1,4 milhões de cidadãos em São Paulo vivendo neste nível social.

Argumentos rasos, sem análise, sem profundidade, um duelo infantil. O tema da babá merece uma análise séria e fundamentada. Por que no Brasil, em pleno domingo, um casal tem que levar a sua babá para a manifestação? Uma mulher, negra, numa país em que mulheres e negros, ainda tem desafios tão grandes a superar. Essa não deveria ser a luta de todos ali presentes? Melhorar a situação do país, incluindo o país dessas pessoas? Um Brasil por vezes esquecido nos gritos de impeachment e contrários a corrupção.

No fim, tudo que eu gostaria que ocorresse é a volta, versão melhorada, das primeiras manifestações de 2013. Um país unido, que pudesse olhar profundamente para os problemas de todos os grupos. Manifestações em que a babá tivesse ali, de verde e amarelo, por si, lutando por um país melhor para ela também. Um país que enfim caminhasse livre de grandiosos esquemas de corrupção, em que cada um pudesse encontrar o seu lugar ao sol. Não basta se livrar da corrupção, sem resolver o problema da babá, continuaremos sendo o eterno país do futuro, nunca o país do presente.

Mariana Imhof – economista

 

 

A babá simbólica

Acho que tudo começou com o sucesso do filme Que Horas Ela Volta. Impossível terminar de ver a obra e, tendo vivido a infância em casa que tinha empregada doméstica, não começar a questionar o que sempre pareceu ser normal. A comida separada, a divisão de espaços, o uniforme…

Ah, o uniforme, esse mistério não resolvido da nossa cultura. Uniformes deveriam servir para… uniformizar. Eles fazem sentido, embora seja um sentido antipático, em escolas e em alguns ambientes de trabalho. Homogeneíza (que palavra estranha!) as pessoas, “economiza” roupas, diminui as diferenças. Adolescentes odeiam uniformes, justamente porque estão vivendo uma fase da vida em que marcar a diferença é fundamental – mesmo que seja uma diferença ditada pela moda.

Já em casa, qual a razão que leva patrões a determinarem uniformes para seus funcionários? Estética? Ordem? Impaciência para com o vestuário “popular”? Talvez este seja o aspecto menos pesado de toda essa questão. Mas, se cutucarmos bem, veremos que é bem simbólico. O uniforme estabelece papeis. Eles ficam claros, visíveis ao primeiro olhar. Determina quem pode usar a entrada e o elevador sociais. E quem não pode.

A babá uniformizada, levando para a manifestação do último domingo o carrinho dos gêmeos do casal manifestante – ironicamente, eles também uniformizados. Bem, o conjunto da imagem tem uma carga simbólica que superou, em segundos, argumentos prós e contras. Tinha que viralizar. E que receber ataques e defesas igualmente apaixonados, porque este é um momento de paixões. Cegas.

Não adianta o patrão, também ironicamente uma pessoa ligada a banco e time de futebol (é da diretoria do Flamengo), vir a público afirmar que a babá estava tendo respeitados todos seus direitos trabalhistas. A questão ultrapassa o cumprimento da lei. Ultrapassa, talvez, até o recorte de comentários que falam em racismo e comparam a cena a gravuras do tempo da escravatura. A coisa é mais simples e mais atual.

O símbolo falou mais alto. O casal que carrega seu cachorrinho na guia, enquanto terceiriza seus bebês para uma empregada, levada a reboque dos patrões para um evento político, sem que alguém perguntasse para ela se queria fazer parte das estatísticas… tem imagem mais forte de tudo o que é criticado nos manifestantes antigoverno? Símbolo das elites, mais ou menos mancomunadas com a corrupção que criticam. Símbolo do “ativista de domingo”, que dilui a força da indignação no que parece ser um passeio familiar em verde e amarelo, sem medo de que o embate das ruas possa atingir seus bebês. Ou seu cachorro.

Não ajudou muito que a foto fosse extremamente parecida com um cartum que circulou nas vésperas das manifestações pelas redes sociais. A comprovação do clichê “elites reproduzem desigualdades sociais históricas” só coloca mais lenha na fogueira das atuais discussões surdas. Precisamos do contrário disso. Precisamos de um símbolo de diálogo desapaixonado e de real vontade de participar de mudanças. Sociais, econômicas, políticas. Será que isso existe?

Claudia Bia – jornalista