Alemães x ingleses: chegada de novos imigrantes gera conflitos na Brusque colonial
Além do idioma, estilos de vida diferentes tornam a vida difícil nos primeiros anos da colônia
Os novos colonos, de língua inglesa, povoam as terras na confluência com o ribeirão Águas Claras, na região onde hoje está a Escola de Ensino Fundamental Padre Luiz Gonzaga Steiner, na Travessa Lagoa Dourada.
Eram ingleses que, na crise econômica no país, fugiram para os Estados Unidos. A Guerra de Secessão Americana, de 1861 a 1865, entretanto, fez com que estes trabalhadores da Inglaterra, sem vocação agrícola, tivessem que fugir mais uma vez. Nesse tempo, o Império Brasileiro procurava saídas políticas para a iminente abolição dos escravos africanos, principal força de trabalho da agricultura de grande extensão no país.
O Gabinete Imperial, comandado pela Ala Liberal, desejava colonos progressistas, tal como ocorria nas 13 colônias americanas. Foi aí que o Império viu a chance de trazê-los para povoar as colônias no Sul do Brasil, e desenvolver a atividade agrícola de pequena propriedade rural e garantir a integridade territorial, frente à Guerra do Paraguai que perdurou de 1864 a 1870.
Os primeiros ingleses chegam a Brusque e se estabelecem na nova Colônia Príncipe Dom Pedro. Em pouco tempo, o número de habitantes da colônia supera o da Colônia Itajahy. Assim, os conflitos logo começam a surgir.
A primeira estrada só foi projetada em 1864 pelo barão de Schneeburg, ou seja, quatro anos depois da chegada das primeiras famílias, e concluída em 1874.
Dessa forma, os colonos alemães de origem da Prússia, Baden, Oldenburg e de Holstein conseguiram manter os laços com suas pátrias de origem muito fortes, mesmo em uma nova terra.
“A colonização de alemães em Brusque era um núcleo isolado e isso permitiu que eles se estabelecessem e tivessem laços culturais semelhantes aos que tinham vivido na Alemanha. Isso é chamado de ‘consciência nacional germânica’, que é o orgulho que se tem da pátria e ainda hoje está presente na cultura de Brusque”, observa o historiador Aloisius Lauth.
Uma prova dessa consciência nacional germânica foi a criação, já em 1866, do Schützenverein, o Clube de Caça e Tiro Araújo Brusque. O Schützenverein foi o centro da vida social da colônia; igualmente, o ‘Sanger Gesellschaft’ – a Sociedade de Cantores -, cujas atividades contribuíram na formação da identidade alemã no território brusquense.
A primeira crise é uma crise étnica entre os dois grupos de imigrantes, o germânico e o inglês, que está ocupando a margem direita do rio
Os moradores da Colônia Itajahy viviam à maneira germânica, tinham seus hábitos e uma identidade cultural forte. Porém, tudo mudaria com a presença dos colonos ingleses da Colônia Águas Claras.
As sedes eram muito próximas – ficavam a apenas seis quilômetros entre si -, mas tinham idiomas diferentes e estilos de vida bem distintos. Mais organizados, os alemães passaram a administrar a colônia inglesa, o que gerou ainda mais conflitos. E por último, o segundo diretor da colônia inglesa só falava alemão. O agrimensor também. A administração da colônia e os moradores não se entendiam e as brigas entre os habitantes eram cada vez mais comuns.
“A primeira crise é uma crise étnica entre os dois grupos de imigrantes, o germânico e o inglês, que está ocupando a margem direita do rio. A Colônia Príncipe Dom Pedro praticamente faliu, primeiro pelo conflito étnico, depois pela pobreza que se instalou na região de colonização agrícola. As terras não eram boas para agricultura”, destaca o historiador.
A passagem dos ingleses pela região não dura muito. Com a miséria e o conflito étnico cada vez mais frequente, eles decidem ir embora em busca de outros lugares.
Uma parte vai para os arredores de Santa Fé, na Argentina. Outro para Joanesburgo, na África do Sul, onde tinha sido encontrado a maior mina de ouro e pedras preciosas.
As poucas famílias que restaram ainda enfrentaram uma grande enchente, em novembro de 1868, que atingiu as linhas coloniais. Em oito horas, o rio chegou a 29 palmos, equivalente a 7,60 metros. Uma mulher e dois filhos, da família Hopkins, morreram afogados na madrugada. Outras famílias decidem ir embora.
O Império não aceita o fracasso da colônia agrícola e permanece com o desejo de ocupar as terras da margem direita do rio Itajaí-Mirim. Assim, em agosto de 1869, chegam as primeiras famílias polonesas para ocupar os lotes abandonados da Colônia Águas Claras. Estes poloneses ocuparam a região do ribeirão Cedro Grande, na confluência com o ribeirão Cedro Pequeno.
Não demorou para que os mesmos problemas da colonização inglesa acontecessem com os poloneses. A terra não era boa para agricultura, as promessas feitas pelo Império não foram cumpridas e os conflitos com os alemães se repetiam.
Pouco tempo depois, em 6 de dezembro de 1869, o governo provincial decide unificar a administração das duas colônias.
A Colônia Itajahy tinha em torno de 800 habitantes e a colônia inglesa, menos de 200. Por isso, não fazia sentido ter duas colônias, administradas por pessoas diferentes e com dois orçamentos. Nasce, então, a “Colônia Itajahy e Príncipe Dom Pedro”.
A união das colônias torna a vida dos poloneses e das poucas famílias inglesas ainda mais difícil. Por este motivo, em 1871, os poloneses são orientados por Edmund Wos Saporski a reemigrar, desta vez para arredores de Curitiba, no Paraná.
Paes Leme se dá bem com o padre Alberto Gattone e inicia a construção da igreja matriz, em 1874. Antes disso, em 1873, a colônia foi elevada à categoria de freguesia. O padroeiro, inclusive, é escolhido em homenagem ao diretor da colônia: São Luís Gonzaga.
Paes Leme atende os anseios da população. Constrói uma casa de diretoria, próximo ao Schützenverein, e realiza uma série de obras públicas e melhorias.
Dr. Luís Betim Paes Leme conseguiu lidar com as diferenças de língua da colônia
Contudo, o Império continua com a ideia de povoar as colônias com imigrantes católicos. Desta forma, sem consultar a colônia, o governo passa a enviar imigrantes vindos do Norte da Itália, em 1875.
Os italianos entram pelo porto de Itajaí e começam a ocupar as terras abandonadas da antiga Colônia Príncipe Dom Pedro. De acordo com o historiador Aloisius Lauth, a trilha da colonização italiana segue para o lado das nascentes do rio Itajaí-Mirim, sentido Águas Negras e Ribeirão do Ouro, em Botuverá, atingindo Vidal Ramos e Presidente Nereu.
A segunda corrente de italianos se estabelece na região de Nova Trento e o terceiro, em menor quantidade, nas linhas coloniais dos bairros Poço Fundo, Santa Luzia, Moura até alcançar São João Batista.
“Dr. Luís Betim Paes Leme conseguiu lidar com as diferenças de língua da colônia. Os italianos se estabeleceram mais distantes da sede alemã, o que também contribuiu na pacificação. Além disso, a consciência nacionalista do italiano foi menor que a do alemão, sem ponto de apoio institucional senão pela própria religião católica, o que facilita a convivência”, destaca o historiador.
Destaca-se a atuação de Paes Leme à frente das colônias. Ele realizou sucessivas Exposições de Produtos Agrícolas. Todo ano, os melhores produtos recebiam certificados e o colono premiado era levado para a expor seus produtos em Desterro, atual Florianópolis.
“A notícia começou a se espalhar entre os colonos e foi motivo de incentivo à agricultura familiar. Eram colônias que viviam da agricultura, comiam o que se plantava na época: o feijão, a cana de açúcar, o milho, a mandioca; e essa exposição incentivou a prática dos colonos”.
Superadas todas as dificuldades étnicas, que culminaram com a partida dos colonos ingleses e poloneses, a Colônia Itajahy e Príncipe Dom Pedro, finalmente, dá os primeiros passos rumo à evolução social sob a liderança de Paes Leme. Sua administração vai até 1876, quando ele assume a direção dos Correios no Rio de Janeiro. Brusque começa a sedimentar uma sociedade com diferentes povos colonizadores, mais receptiva, aberta e plural, tal como se vê hoje.
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