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Alfaiates de Brusque falam sobre amor à profissão

Atualmente há registro de que apenas cinco homens exercem a profissão no município

Conhecida por ser o berço da fiação catarinense, Brusque carrega resquícios da manufatura de artigos do vestuário desde os anos de 1800, com a chegada dos primeiros alfaiates no município. Por meio do talento destes profissionais, as pessoas vestem-se com peças sob medida e produzidas com detalhes exclusivos. Atualmente há registros de apenas cinco alfaiates em atividade na cidade, que há aproximadamente 60 anos trabalham com amor e paciência para entregar roupas com qualidade e requinte à população.

Renato Riffel, professor da disciplina de História da Moda da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) é pesquisador do tema alfaiates há muitos anos. Ele realizou uma especialização em Moda na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) no qual escreveu sobre a reformulação das atividades dos alfaiates em Brusque na década de 1970, a partir da entrada das roupas prontas para vestir.

“De ‘berço da fiação catarinense’, título ostentado com orgulho por abrigar empresas pioneiras do ramo têxtil, a cidade se transformou em ‘capital da pronta-entrega’, evidenciando sua vocação atual como pólo produtor de vestuário. Mas a afinidade dessa região com a manufatura de artigos do vestuário talvez tenha começado antes mesmo da instalação das indústrias têxteis e do boom das confecções. É possível supor que essa propensão tenha se iniciado juntamente com a chegada dos primeiros imigrantes à região, quando ali aportaram os primeiros alfaiates”, diz Riffel.

Conforme sua pesquisa, há uma listagem oficial correspondente às dez famílias que iniciaram a colonização na região do Vale do Itajaí-Mirim em 4 de agosto de 1860, onde constatou-se que o primeiro alfaiate que chegou à região foi João José Scharfenberg, de 32 anos.

Procedente da Prússia ou de Hesse (Darmstadt), o artesão veio tentar a vida no novo mundo acompanhado de sua esposa, de seus quatro filhos e de um agregado. Nesse mesmo ano chegaram à localidade mais 32 famílias e, entre os nomes relacionados, outro alfaiate: José Waeschenfelder, este natural de Baden, também acompanhado da esposa e de duas filhas.

O professor afirma que em um mapa estatístico da população da colônia, elaborado em 1862, estão relacionados ainda os nomes de mais quatro alfaiates: Damiano Dei, João Korman, Nicolau Schmidt e Carlos Sacht.

Em setembro de 1863 chegaram à localidade duas famílias transferidas de Teresópolis. No documento que menciona o ocorrido, o chefe de uma dessas famílias é apontado como alfaiate: Henrique Wenning, de 48 anos, natural da Prússia, casado com Maria e tendo como filhos Henriqueta e Liseta.

Ocasiões festivas

Segundo Riffel, feitas as contas e, considerando os registros oficiais da época, o ano de 1864 havia um contingente de cinco alfaiates estabelecidos na região, atendendo a uma população de pouco mais de mil habitantes. Já em 1875, o número passou para 14. Os profissionais eram requisitados, sobretudo, para fazer trajes para ocasiões especiais.

“As ocasiões festivas exigiam algum sacrifício das economias e a encomenda de um traje mais apurado. Em dias de comemoração, como casamentos, batizados e crismas, ou mesmo aos domingos para ir à missa, as roupas simples do dia-a-dia eram substituídas por trajes especiais. As festas de Natal, Ano Novo e Páscoa também ocasionavam a procura por trajes novos, visto que nestas datas também aconteciam grandes bailes que reuniam toda a comunidade”, afirma.

O professor destaca que foi apenas no fim da década do século XIX, com o início da implantação das indústrias e o incremento urbano da região que o uso de ternos e trajes mais elaborados, feitos sob medida e por mão-de-obra especializada, se constituiu num traço de distinção entre alguns grupos que circulavam na cidade. “A profissão de alfaiate finalmente se firmou na região, anunciando assim um futuro próspero ligado à cadeia produtiva têxtil e de confecção”.

Profissão em extinção?

Mesmo com tantos anos de “glória”, alfaiates que estão em atividade em Brusque divergem opinião sobre o futuro da profissão. Dois deles avaliam que o mercado está desaquecido e que as pessoas deixaram de consumir peças sob medida e buscam cada vez mais por roupas prontas. Já outro acredita que nos próximos anos ainda haverá peças para produzir. O Município Dia a Dia apresenta ao leitor histórias sobre alfaiates apaixonados pelo que fazem.


Valdemiro Kormann

“A costura não vai desaparecer, mas o alfaiate não terá por muito tempo”

Aos 12 anos o guabirubense Valdemiro Kormann, 69, se interessou em “querer aprender a costurar”. Na alfaiataria do Ivo Fischer (já falecido), em Guabiruba, ele deu os primeiros passos e lá ficou por 14 anos. “A vontade partiu por interesse próprio. Meu pai era carpinteiro e minha mãe costurava, mas era pouco. Eu fiz o primário e sai da escola, então precisava trabalhar”, recorda.

Na época a maioria do trabalho era feito manualmente, tinha apenas uma máquina de costura reta – é uma das mais comuns, há diversos modelos que possuem esse tipo de costura para pregas, fazer artesanato, personalizar roupas -, e um ferro de passar a carvão. “Era feito pontinha a pontinha. Calça, paletó. Não se conseguia tão fácil um molde de camisa como hoje em dia”, diz Kormann.

Depois de trabalhar com Fischer, ele começou em Brusque na alfaiataria Krieger, por onde ficou 22 anos. “Era uma grande confecção de roupa social, fazíamos roupas em série, ternos e gravatas”, conta Kormann, que diz que na empresa aprendeu a trabalhar com a parte “mais industrializada”, já que havia um maquinário maior.

Após esse período, a Krieger fechou e o guabirubense trabalhou quatro anos em casa, até ir para a Sly, de Brusque, onde está até hoje. Ele trabalha com assistência de modelagem e controle de qualidade. “Nos anos 70 e 80 a alfaiataria viveu o seu auge, depois entrou a era do jeans, que tomou conta do espaço. Hoje em dia a roupa pronta é mais fácil e barata de conseguir”.

Kormann avalia também que atualmente é mais difícil encontrar mão de obra qualificada, como se tinha antigamente, já que para exercer a profissão se requer muito conhecimento. “Ser um alfaiate não é fazer uma baita produção, não é uma hora ou duas que uma roupa está pronta. É dois, três dias para fazer um terno. Acredito que a costura não vai desaparecer, mas o alfaiate não terá por muito tempo”.

Em mais de 50 anos de profissão, o alfaiate conta que a maioria dos seus clientes eram de Guabiruba e região. As peças produzidas eram para eventos sociais, sendo que teve uma época que vestimentas para Primeira Comunhão eram as mais procuradas.

Entre as pessoas ilustres para quem ele já costurou está Dom Murilo Krieger – padre dehoniano, arcebispo católico brasileiro e vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – e Emil Assad Rached, que interpretava o “gigante” do grupo Os Trapalhões.

“O que mais me deixa orgulhoso era fazer um smoking, com seda, tudo com agulhinha, com todo o cuidado, para funcionar direitinho. Isso deixa a gente um pouco orgulhoso”, afirma Kormann.


Pedroca

“Profissão que não oferece futuro”

O seu nome de registro é Pedro Severino, 70, mas não há quem não o conheça em Brusque como Pedroca. Alfaiate há 56 anos, o morador do Santa Luzia é de uma família de seis irmãos, no qual cinco chegaram a exercer a profissão, mas apenas ele continuou.

Numa época muito difícil de se conseguir emprego, aos 12 anos ele aprendeu com o seu irmão, Hélio Severino, a fazer uma calça e um paletó. O gosto pela alfaiataria foi se tornando uma paixão e Pedroca, mesmo depois de Hélio abandonar a profissão, decidiu seguir. E foi o que fez. Após isso trabalhou mais 27 anos com Carlito Vechini, que foi seu sócio. Em 2004 abriu a própria empresa, no Centro de Brusque, onde está até hoje.

Pedroca faz ternos, paletó, calça, colete e camisas – tudo sob medida, como ele faz questão de ressaltar. “Eu gosto de ser alfaiate, eu gosto da minha profissão, faço com carinho. Tinha épocas que eu iniciava às 4h da manhã e ia até as 20h da noite para entregar tudo”, conta.

O profissional produz peças para um público bem diversificado, de São Paulo, Curitiba, Chapecó, prefeitos e deputados da região, para casamentos e formaturas. O principal público do momento são jovens. Ele conta que já chegou a fazer roupas para quatro gerações da família Piva, de Brusque, e até para um ministro da Argentina.

Pedroca explica que após o cliente escolher o tecido, é tirado a medida e colocado em prova – geralmente duas vezes. Segundo ele, 80% das peças são feitas à mão, principalmente o paletó, que requer mais cuidados. “Tem que ter muita paciência, o diferencial é ficar bom no corpo, eu já olho no corpo do cliente e consigo fazer. É algo que acho que nasceu comigo”.

Mesmo com uma produção intensa de trabalho, o alfaiate afirma que tem certeza que a profissão vai deixar de existir nos próximos três anos. Ele avalia que o profissional não é valorizado e que hoje a roupa está de graça. “É uma pena que vai acabar. Hoje se consegue comprar tudo pronto e aprender também é difícil. Vejo que é difícil tanto para passar estes conhecimentos como pela questão comercial que envolve o mercado. É uma profissão que não oferece um futuro”, destaca.


Valmir Pruner

“Pode diminuir a quantidade do serviço, mas os alfaiates não vão acabar”

Em 1957, com 13 anos, após ser reprovado duas vezes na escola, Valmir Pruner, 73, iniciava sua trajetória de amor com a alfaiataria. Com seu tio, que era funcionário de João Carlos da Silva, alfaiate na rua Alberto Torres, no Centro de Brusque, ele trabalhou “de graça” por dois anos para aprender a profissão. Depois ficou por mais 11 anos lá, onde desmanchava bainhas, auxiliava na costura à mão e também cortava. Após um período, Pruner comprou a empresa de Silva e continuou no mesmo lugar por mais 13 anos.

Atualmente ele está há nove anos num espaço próprio, na rua João Bauer, no Centro, e faz calças, bermudas, ternos e coletes para homens. Ele explica que a primeira parte do processo, no caso de calças, é tirar a medida do cliente e cortar a calça sob medida.

Com o paletó, é preciso colocar o molde, riscar e depois tirar o molde fora e acabar de riscar. Após vai para a máquina, põe à prova, faz a primeira prova e vê como ficou no corpo da pessoa. Depois volta, faz a metade do trabalho para fazer a segunda prova. Em média, demora-se um dia e meio para fazer um terno; uma calça, de duas a três horas. Um terno custa entre R$ 750 a R$ 900 e uma calça de R$ 160 a R$ 190.

Pruner já costurou para clientes de vários locais, inclusive de Nova York (Estados Unidos). Ele conta que já fez um uniforme de couro para a banda Os Alucinantes, uniforme para o grupo de Canto Alemão de Guabiruba, colete para os atiradores do Caça e Tiro, e blazers para funcionários do deputado Serafim Venzon.

Pruner avalia que os alfaiates terão trabalho por muito tempo ainda. Ele diz que mesmo a profissão tendo decaído nos últimos anos, não se extinguirá, pois sempre haverá pessoas que precisam de peças sob medida. “As pessoas são diferentes e precisam de roupas feitas exclusivamente para o seu corpo. Tem as mais altas, magras, que querem peças mais justas, mais folgadas. Pode diminuir a quantidade do serviço, mas os Alfaiates não vão acabar”, afirma.


Pupilos de Alfaiates

Além dos três alfaiates que exercem a profissão há mais tempo em Brusque, há registro que outros dois também trabalham na cidade. Um deles é o paranaense de Campo Mourão, Antônio da Silva, 63, que há 27 anos trabalha com o Pedroca e Marcelo Pruner, 47, filho de Valmir Pruner.