Apesar de proibido, consumo de animais silvestres ainda acontece na região
Biólogo Rodrigo de Souza explica que o consumo de gambás, capivaras, tatus e de aves é algo que pode ser remontado à colonização da região
Biólogo Rodrigo de Souza explica que o consumo de gambás, capivaras, tatus e de aves é algo que pode ser remontado à colonização da região
A apreensão de gambás temperados no restaurante Chalé do Camarão, em Florianópolis, na semana passada, chamou a atenção de todo o país. O fato pode ser novo para alguns estados e regiões, mas em Santa Catarina o consumo de carne de animais silvestres é algo cultural e tradicional que ainda sobrevive, dizem órgãos ambientais e biólogos, apesar de ser proibido. O desafio é conseguir mudar isto.
O biólogo Rodrigo de Souza explica que o consumo de gambás, capivaras, tatus e de aves como a jacu é algo que pode ser remontado à colonização da região. “Existem registros fotográficos dos colonizadores caçando quantidades gigantes destes animais [aves]”, afirma. Algo tão antigo e tradicional é difícil de morrer, por isso não é surpresa para o biólogo que ainda haja casos de pessoas comendo este tipo de carne.
Segundo Souza, há muitos problemas em áreas de preservação pelo estado, onde muitas destas espécies vivem. Os caçadores invadem estes espaços para caçar e com isso colocam o ecossistema em risco. O Parque Nacional da Serra do Itajaí, que engloba vários municípios, entre eles Guabiruba, é destes locais onde a caça ainda é praticada ilegalmente.
Souza esteve há pouco tempo fazendo observações em uma área de mata na região. Ele afirma que o proprietário deste terreno já flagrou várias vezes pessoas caçando ilegalmente. Apesar destes registros, o biólogo acredita que este costume tem diminuído. “Acredito que vem diminuindo porque as pessoas vão se conscientizando e o costume não passa de geração para geração”, afirma.
O também biólogo André Silva Barreto também afirma que a caça e consumo de animais silvestres nos rincões da região ainda acontece, mas, para ele, concentra-se mais nas áreas rurais. “Infelizmente, o pessoal ainda come, porque não adianta ter lei sem fiscalização”, diz Barreto, que também é professor da Univali.
Embora seja algo que se ouve falar em círculos de conversas familiares, a caça e consumo de carne de jacu, tatu, capivara e afins não foi registrada pela Fundação Municipal do Meio Ambiente (Fundema) de Brusque nos últimos anos, segundo o fiscal Faues Vinícius Medeiros. “Isso [caça] já foi comum antigamente, hoje não é tanto”, diz.
Fiscalização é precária
Como quase tudo no Brasil, a caça acontece, em parte, por causa da falta de fiscalização. O biólogo Barreto diz que há dois meios de conseguir acabar com a predação dos animais selvagens: a fiscalização e a conscientização. “A fiscalização ambiental no Brasil como um todo é precária, nós sabemos”, avalia o especialista.
Barreto diz que a conscientização é um processo lento, porém, tem acontecido, tanto que todos os ouvidos para a reportagem admitem que a quantidade de pessoas que ainda caçam caiu vertiginosamente. No entanto, esta mudança pode ser relacionada à facilidade de acesso à alimentação.
No passado, áreas mais afastadas não tinham supermercado, portanto era mais difícil conseguir a comida para o dia a dia. “Sempre houve caça no ambiente rural, afinal, muito antes da carne fácil, conseguia-se caçando”, diz Barreto.
Medeiros explica que a Fundema também fiscaliza este tipo de ocorrências. Se uma pessoa tiver conhecimento deste tipo de crime, pode entrar em contato pelo telefone 3355-6193. Segundo o fiscal, foram feitos regates de gambás em residências nos últimos meses, mas em nenhum caso foi constatada a captura do animal.
Consequências para a saúde e meio ambiente
Rodrigo de Souza chama atenção para o risco ao se consumir a carne de animais silvestres. Este alimento não foi processado, tampouco higienizado, por isso oferece perigo de transmissão de doença para a pessoa. Segundo o biólogo, o contato humano com o sangue e vísceras dos animais pode causar contaminação.
Souza dá um exemplo radical: uma das teorias da Aids envolve justamente a caça de animais selvagens. A tese é que caçadores na África mataram macacos, os quais também têm o vírus da Aids, e acabaram consumindo a carne infectada. Assim, nasceu a doença, conforme este teoria. A situação é extrema, mas representa o risco ao qual o caçador e consumidor está exposto, explica o biólogo.
Outra consequência da caça é o desequilíbrio ambiental, diz o biólogo Barreto. Os mamíferos são animais de reprodução lenta, com isso o ritmo de “reposição” dos espécimes caçados pode não ser suficiente, causando a redução da população do bicho e a consequente extinção.
Souza acrescenta, também, que a caça traz prejuízo ao funcionamento da mata. Quando o caçador passa por uma trilha, ele causa um desequilíbrio ao matar insetos e pequenos animais. A grosso modo, afirma, o local fica inutilizável para os bichos da floresta.