Neste sábado, 26, o jornal O Município completa 67 anos. Ao longo de quase sete décadas, foram incontáveis os desafios enfrentados pelas equipes para levar informação de qualidade aos leitores, seja no impresso ou no digital.
No entanto, poucas vezes nesta longa trajetória houve momentos tão difíceis quanto a pandemia de Covid-19, iniciada em março de 2020. Assim como toda a população, os cerca de 50 profissionais, entre jornalistas e demais colaboradores, foram afetados em cheio pela tristeza e angústia que o período causou.
Ao noticiar os fatos, a equipe precisou passar por cima de seus medos e frustrações para poder cumprir com seu papel. Para quem trabalha na Redação, o desafio é produzir diariamente conteúdos relacionados à doença, incluindo muitas mortes e casos de sofrimento extremo.
“Desde o início da pandemia precisamos desenvolver estratégias para tentar, ao máximo, preservar o bem-estar da equipe. São pessoas extremamente comprometidas em cumprir seu papel de informar com qualidade, que estão imersas no tema. Entre as medidas, modificamos horários, aumentamos o número de folgas e distribuímos uma circular pedindo que os jornalistas que não tivessem em serviço ‘se desligassem’ do assunto. Os efeitos do cansaço estavam evidentes”, explica o diretor de Jornalismo e Operações, Andrei Paloschi.
Além do sofrimento causado pela própria doença, a agressividade de parte dos leitores também afeta diretamente a vida dos profissionais. Cansado de vivenciar a pandemia, parte do público entende que o jornal deveria não noticiar o assunto e entra em conflito.
“O jornal se orgulha de sua missão de informar com responsabilidade, levantar bandeiras da região e contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Nesse momento tão importante, por mais que nos custe nossa saúde mental, não podemos deixar de noticiar os casos da Covid-19 e os reflexos para a população. Entendemos o esgotamento dos leitores em relação ao tema, já que vivemos há mais de um ano nessa realidade, mas não podemos abandonar nossa missão de informar a realidade”, avalia o editor-chefe do jornal, Marcelo Reis.
A seguir, conheça algumas histórias de quem se mantém firme para garantir que os brusquenses tenham informação de qualidade todos os dias, apesar dos percalços e da situação complicada causada pela pandemia.
Estagiário teve de publicar nome de amigo no obituário
Estudante do terceiro período de Jornalismo, Thiago Facchini, 19 anos, é um dos estagiários da Redação do jornal O Município e, recentemente, teve que lidar com a perda de um amigo próximo, vítima da Covid-19.
Ao acordar no domingo, 13 de junho, recebeu a notícia de que seu ex-professor de Geografia do Instituto Federal Catarinense (IFC), Nildo Aparecido de Melo, 50 anos, perdeu a batalha para a doença.
A relação de Thiago com Nildo ia muito além da de aluno-professor. Os dois desenvolveram um relacionamento bastante próximo: conversavam bastante sobre diversos assuntos e, inclusive, assistiam juntos aos jogos do Brusque Futebol Clube no estádio Augusto Bauer. “Eu aprendi muito com ele”, diz o estudante de jornalismo.
Thiago conta que ficou sabendo que o amigo estava com Covid-19 um dia antes dele ser internado devido a complicações da doença.
“A última mensagem que troquei com ele, ele só respondeu a palavra ‘internado’. Eu continuei mandando mensagem, mas ele não respondia mais. A família passou a me dar notícias após ele ir para a UTI e ser intubado”.
Entre as funções de Thiago na Redação do jornal O Município, está a atualização do portal, incluindo as mortes em decorrência da Covid-19 que são informadas pela Prefeitura de Brusque.
A partir do momento que o estado de saúde de Nildo se agravou, a cada boletim da prefeitura informando morte por Covid-19 na cidade, Thiago sentia muito medo, mas precisava se manter firme e profissional.
Eu tinha muito medo quando éramos informados de novas mortes por Covid. A primeira coisa que eu fazia era ver se a idade batia com a dele
“Eu tinha muito medo quando éramos informados de novas mortes por Covid. A primeira coisa que eu fazia era ver se a idade batia com a dele. Eu tinha muito medo de que ele morresse, eu descobrisse pelo boletim e tivesse que publicar”.
No domingo, dia em que Nildo faleceu, Thiago não trabalhava, mas auxiliou a repórter de plantão a fazer a reportagem comunicando a morte do professor do IFC.
“O momento que vi a matéria com a foto dele lá foi muito difícil. Eu sempre escrevi muita matéria sobre o IFC com informações que ele me passava e foi muito forte pra mim ver a matéria com o rosto dele. Foi quando caiu a ficha”.
Durante a semana, Thiago também é o responsável por fazer e publicar o obituário do jornal O Município. Mais um momento bastante difícil para o estudante, que teve que escrever o nome do amigo no obituário, no dia seguinte à morte.
“Quando comecei a fazer o obituário, cheguei a imaginar se um dia escreveria o nome de alguém que gosto. Eu tinha muita esperança dele se recuperar. Foi uma sensação indescritível, é até difícil falar o que senti naquela hora”.
Mesmo tentando ser forte, Thiago não conseguiu segurar as lágrimas no momento de fazer o obituário naquele 14 de junho. “Eu nunca tive ninguém que morreu de Covid-19 tão próximo. Hoje são mais de 500 mil famílias que passam pelo que eu passei. Eu não sei explicar a tristeza que senti ao escrever o nome dele. Foi bem difícil. A semana inteira foi difícil”.
O estudante recorda do amigo sempre com muita vontade de viver e se entristece ao saber que por pouco ele não conseguiu tomar a vacina.
“Ele gostava muito de viver. Sempre falava que não aguentava mais a pandemia, que queria voltar à vida normal, queria ver os jogos do Brusque. O que mais me deixa triste é que ele estava tão perto de ser vacinado, tanto por ser professor quanto pela idade, e dias antes pegou a doença. Foi questão de uma semana. Se a vacina tivesse chegado antes, ele poderia ter sido salvo”.
Funcionária foi agredida verbalmente dentro do jornal
Nestes 67 anos em circulação, o jornal O Município sempre buscou dar espaço às mais variadas posições e opiniões, cumprindo seu papel de informar com imparcialidade. Algo absolutamente natural, já que a diversidade de opiniões é que torna o mundo plural.
O problema, é que nem todas as pessoas sabem – ou querem – respeitar opiniões e pensamentos diferentes e acabam se excedendo. No caso do jornal, os ânimos ficam ainda mais aflorados e, muitas vezes, acabam atingindo os colaboradores.
Um caso recente de desrespeito aos colaboradores do jornal aconteceu no início deste ano. Funcionária do jornal O Município há sete anos, Larissa Rocha foi hostilizada por uma mulher quando fazia seu trabalho na recepção do jornal, substituindo a colega que estava afastada com Covid-19.
Tentei argumentar e ela ficou mais agressiva, então não falei mais nada. Ela continuou falando palavrão e depois foi embora mostrando o dedo do meio
“A mulher abriu a porta e começou a xingar, gritando que o jornal era contra o Bolsonaro, que tudo que saía era para prejudicar ele. Eu tentei perguntar o nome dela, mas ela apenas xingava. Tentei argumentar e ela ficou mais agressiva, então não falei mais nada. Ela continuou falando palavrão e depois foi embora mostrando o dedo do meio”.
Larissa afirma que há pessoas intolerantes que telefonam ou mandam mensagens agressivas e ameaçadoras.
“Por telefone escutamos muita coisa, mandam pelo WhatsApp também. A gente se sente mal porque estamos fazendo apenas o nosso trabalho e sabemos que não é verdade o que as pessoas falam. Sabemos da imparcialidade, da qualidade do jornal, mas não adianta argumentar”, destaca.
A época de eleição, para ela, é um dos piores períodos porque sempre há pessoas insatisfeitas que ligam apenas para xingar. “Nessa época dá até medo de sair na rua com o uniforme do jornal”.
Nas redes sociais, o desrespeito também é grande, e nos primeiros meses de 2020, no início da pandemia, se intensificou.
Wendel Rudolfo é analista de estratégias digitais do jornal O Município e uma de suas funções é, justamente, acompanhar os comentários dos leitores nas publicações do jornal, que nem sempre são respeitosos.
“É muito ruim, faz bastante mal para a saúde mental de qualquer pessoa. Nosso dever é retratar os fatos, mostrar o que está acontecendo, e principalmente no início da pandemia recebemos muitos comentários altamente agressivos e ofensivos”.
É muito ruim, faz bastante mal para a saúde mental de qualquer pessoa. Nosso dever é retratar os fatos, mostrar o que está acontecendo, e principalmente no início da pandemia recebemos muitos comentários altamente agressivos e ofensivos
Wendel lembra que no começo da pandemia, o jornal era bastante atacado quando publicava qualquer notícia relacionada à Covid-19.
“A gente publicava e as pessoas faziam pouco caso, dizendo que só publicamos notícias ruins, que só se falava de Covid-19, mas era e ainda é algo muito necessário e sério. Muitos comentários desacreditam as informações e diminuem nosso trabalho”.
O chamado “hate” nas redes sociais, porém, não é exclusivo às reportagens relacionadas à pandemia. Qualquer tema mais polêmico, principalmente sobre política, é um prato cheio para os comentários maldosos, que ofendem o trabalho de toda uma equipe, que apenas noticia os fatos.
Mas, felizmente, nem tudo são agressões. O analista de estratégias digitais lembra que a maioria entende o papel da equipe e alguns até buscam defender o jornal de comentários maldosos.
Distância dos familiares se intensifica
Boa parte dos jornalistas que atuam no jornal O Município não são de Brusque. Chegaram na cidade em busca de oportunidades e aqui constroem a carreira e a vida. Assim como todo o mundo, vivenciam a pandemia distante dos familiares, que moram em outras cidades e até outros estados.
A distância da família e amigos já fazia parte da rotina desses profissionais. Antes da pandemia, no entanto, era mais fácil matar a saudade.
Com a necessidade do distanciamento social, viajar para ver a família se tornou um problema, principalmente para aqueles que moram mais distantes. Foi preciso adiar o abraço e manter o contato apenas virtualmente. Se adaptar, como o mundo se adaptou.
Esta que vos escreve tem os pais e toda a família morando em União da Vitória, no Paraná. Em 2020, consegui ver meus pais pessoalmente apenas duas vezes. Ambas cercadas pelo medo de contágio, e um misto de alívio por ter a chance de matar a saudade.
O editor-chefe, Marcelo Reis, teve o nascimento da sobrinha e afilhada em junho do ano passado. Recentemente, ela completou seu primeiro aninho, mas ele não conseguiu visitá-la.
Mais de 900 quilômetros separam Brusque de São Borja, no Rio Grande do Sul. Vontade certamente não faltou, mas as dificuldades para chegar até lá, em um momento que ainda inspira muitos cuidados, fez com que adiasse os planos. Resta acompanhar o crescimento da pequena pelas fotos e vídeos enviados diariamente.
O repórter Luiz Antonello é de Blumenau e começou a trabalhar no jornal O Município aqui em Brusque em junho de 2019. Ele sempre morou com os pais e teve uma mudança radical no estilo de vida quando decidiu aceitar o desafio de viver em Brusque.
Luiz conta que nos primeiros meses, focou muito em estruturar sua nova vida e havia planejado que 2020 seria o ano para conhecer novas pessoas e fazer novas amizades em Brusque. Mas veio a pandemia, e Luiz se viu sozinho.
Começamos a trabalhar de casa, as semanas começaram a passar, e não voltava ao normal, parei de ver os amigos, a família. Não via mais o pessoal do trabalho. Foram cinco meses assim
O trabalho virou home office e ele teve que se acostumar com a mudança drástica. “Começamos a trabalhar de casa, as semanas começaram a passar, e não voltava ao normal, parei de ver os amigos, a família. Não via mais o pessoal do trabalho. Foram cinco meses assim”.
O contato com a família e amigos eram todos pelo celular, assim como boa parte do trabalho. “O meu celular se tornou tudo. Mas chegou um ponto que fazer videochamada ficou cansativo, ligações ficaram cansativas, as mensagens se perdiam no WhatsApp, era difícil manter a comunicação”.
Só no fim de agosto Luiz tomou coragem para ver os pais pessoalmente, depois de vários meses à distância.
“Foi um encontro tenso, com muito medo de contágio. Ainda não tinha a vacina, então tivemos que nos cuidar muitos nos 15 dias anteriores ao encontro para não ter nenhum problema. Sou uma pessoa muito afetuosa, que gosta de abraçar, de conversar e essa distância deixou tudo desequilibrado”.
Porém, em meio a tantos sentimentos confusos, Luiz encontrou um motivo para sorrir. Em julho do ano passado, ele adotou a cachorrinha Gaia, que passou a lhe fazer companhia.
“Não fui eu que encontrei ela, ela acabou me encontrando. Peguei ela filhote e estou acompanhando todo o crescimento. Ela acabou me distraindo muito e se tornou minha grande companheira. Acredito que ela chegou no momento certo”.