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ARTIGO – Conheça a trajetória de Ascânio Sedrez, que dedicou sua vida à Educação

Professor completaria 100 anos de idade em 8 de junho de 2022

Ascânio Sedrez: cem anos em favor da Educação

Por Ascânio João (Chico) Sedrez*

Para não restar dúvida, nosso pai Ascânio faleceu em 2019, no dia 5 de janeiro. Perguntaria alguém, por isso, qual o significado do título? Gostaria de, rapidamente, justificar essa ideia com alguns recortes biográficos deste homem que edificou sua vida, sua família e sua profissão em vista da Educação.

Nascido em 8 de junho de 1922, na cidade de Tijucas, Santa Catarina, viveu sua primeira infância entre Tijucas e Canelinha, cidade de sua mãe e avós maternos. Perdeu seu pai quando contava com 2 meses e 5 dias de vida. Sua mãe, Rosalina, mulher forte, casou-se com João Tavares de Oliveira Junior quando o menino Ascânio tinha 4 anos.

Primeiras lições escolares foram aprendidas com sua Tia Mariquinha, irmã de seu padrasto, que era uma mestra de poucos alunos em uma escola improvisada pelo avô Santana. Não chegou a ser uma alfabetização formal, inclusive por não se ter mantido o esquema dessa escolinha informal por muito tempo.

Sua vida escolar se consolida após a migração do casal e do filho em 1932 para o alto vale do Itajaí, em Rio do Sul. A cidade contava com melhor escola, mantida pelas Irmãs Salesianas, o Externato Sagrado Coração de Jesus. O menino inteligente encontrou, nos bancos da escola católica, tempo e condições de uma educação básica bem qualificada, coisa bastante rara naquele tempo em nosso país. Poucos estudavam e raros davam prosseguimento além dos 4 primeiros anos de escolarização. Ao final de 1938, recebia o título de “professor Complementarista”. Vale dizer, a precariedade da educação no país era tão grande que alguém que completasse três anos de escolarização, depois dos quatro anos da escola primária, poderia lecionar para os estudantes desses 4 anos iniciais da escolarização!!!

O jovem Ascânio, mesmo com essa titulação, permaneceu em Rio do Sul durante alguns anos, mas não iniciou nesse momento sua atuação docente. Atuou em trabalhos que implicaram outras habilidades práticas, notáveis ao longo de toda a sua vida, na família e na comunidade.

Um importante aspecto que marcou sua vida: perdeu praticamente toda sua audição aos 15 anos. Esse aspecto só foi relativizado após uma cirurgia que ocorreria na década de 1960.

Sua mãe e seu padrasto já moravam no interior do município de Brusque, num distrito que então se chamava de Itaquá, hoje parte do município de Presidente Nereu, não muito distante da cidade de Rio do Sul. Depois de permanecer algum tempo naquela cidade, na casa de parentes, Ascânio também vai para o Itaquá, e continua trabalhando em atividades variadas: carpintaria, transporte de madeiras, entre outras.

Ao final de 1946, o líder daquela localidade pergunta ao jovem Ascânio se ele desejaria atuar como professor. Por alguma razão, sua formação nessa área era conhecida. Todavia, conforme nos relatou nosso pai, o chefe do distrito afirmou não ser possível assumir a vaga na escola local, já prometida para uma outra pessoa. Mas sua intercessão foi crucial para a primeira experiência como professor, no atual município de Botuverá, na localidade do Ribeirão do Ouro, no ano da graça de 1947: Escola Reunida Professora Maria Luiza da Silva Dias.

A verdadeira epopeia para sua chegada e permanência nessa comunidade era narrada com detalhes muito pitorescos pelo nosso pai. Chamava nossa atenção a quantidade de dificuldades e, na mesma proporção, a superação sempre alcançada com a ajuda de muitas pessoas.

Em 1949, conseguiu transferir-se para a Escola Municipal da Limeira, em Brusque. Nesse ano, conseguiu fazer também a 4ª série do Curso Normal Regional Luiz Augusto Crespo, no Grupo Escolar Feliciano Pires, escola em que viria a atuar em várias funções ao longo de muitos anos, depois de sua temporada em Botuverá. Importante lembrar que o título de “Professor Complementarista” (dezembro de 1938) agora seria transformado em Regente de escola primária rural (escolas isoladas) podendo, com isso, também se matricular em Curso Normal (curso de nível médio para a formação ao Magistério), o que aconteceria em 1956.

Os primeiros olhares para a Catharina Zucco aconteceram, segundo narrativas familiares, em momentos de formação dos professores nesse ano de 1949. Em junho, numa festa da Igreja no bairro de Poço Fundo, domicílio da Família de Henriqueta e Ângelo Zucco, oficialmente começaram o namoro. Noivaram em 19 de dezembro de 1949, na iminência de uma mudança importante em suas trajetórias pessoais e profissionais: tinham que casar – ficou clara a exigência – e poderiam se mudar para a então Vila de Botuverá, assumindo a escola na sede da vila. Catharina já era professora antes de Ascânio, mas esse foi mais um dos valores que uniu o novo casal. Casaram-se em 11 de fevereiro de 1950 e, no dia 13, já assumiram a nova missão na Escola Reunida Carlos Maffezzolli.

Em 13 de novembro daquele mesmo ano, nascia a primogênita do casal… E, com intervalos não regulares, até 1967, vieram outros oito filhos (mais 4 mulheres e 4 homens). Talvez os “alunos e alunas” dessa “classe” mais homogênea e, simultaneamente, diversa, que Catharina e Ascânio tiveram sob os seus cuidados, sejam as testemunhas mais completas e agradecidas de quanto nosso pai e mãe foram exímios educadores pelo exemplo e constância. Mas voltemos ao pai que é o personagem principal desse centenário.

Atuou em Botuverá, junto com a Catharina, até 1955, ano totalmente atípico e complicado. Vítimas de perseguição, ambos foram nomeados para atuar no extremo oeste de Santa Catarina (pelas bandas de Chapecó, em cidades distantes mais de 100km). A ideia dessa transferência criminosa era prejudicar o casal que não admitiu o uso eleitoreiro da escola pública onde atuavam. Não se deslocaram para aquelas lonjuras, naquele tempo ainda com estradas muito precárias. Catharina, inclusive, estava grávida do quarto filho. Com pequenos trabalhos, com o cultivo de alimentos em casa e algumas poucas reservas, passaram um ano bem difícil. No início de 1956, conseguiram recolocação para o trabalho, depois de um ano sem remuneração, para atuarem em Brusque, dando continuidade ao serviço sempre exercido com tanta maestria.

Conforme o próprio testemunho de nosso pai, essa crise de 1955 acabou provocando uma salutar mudança para toda a família. Tanto profissional quanto educacionalmente, a volta para a sede do município foi benéfica para o casal e para seus filhos, os já nascidos e os que viriam… A resiliência daquele período gerou ainda mais afinco no trabalho educativo e na própria oportunidade de continuidade de estudos pedagógicos.

De 21/03/1956 a 05/12/1959, Ascânio trabalhou no SESI, em Brusque, como Auxiliar de Serviço. Já com 6 filhos, nunca houve trabalho recusado. Em 1959, volta ao magistério, numa carreira que só terminaria na década de 1990.

Há um lance interessante que reitera a tenacidade e a seriedade do Seu Ascânio. A formação original para o exercício do magistério, como já apresentada, era bastante básica e insuficiente. Havia a chamada Escola Normal – em nível do atual Ensino Médio, para formar professores – tanto na escola católica da cidade quanto no colégio mantido pela comunidade luterana. A questão era o turno em que se oferecia o curso. Chamado para dar explicações pelo Pároco da cidade (omitimos o nome para preservar a memória do clérigo), teve Ascânio questionada sua opção pelo Colégio Cônsul Carlos Renaux, da comunidade evangélica. A resposta, típica de uma pessoa com grande tino e sabedoria prática, foi irrefutável: “Padre, quem sustentará minha família?”. O curso oferecido no Colégio das Irmãs da Divina Providência era matutino, mais acessível às moças que faziam esse curso chamado então de “espera marido”. A retidão e a lógica sempre nortearam sua conduta com todas as pessoas, inclusive com as autoridades constituídas. É, também nesse cenário, um testemunho exemplar! Ascânio cursou a Escola Normal, no Colégio Cônsul Carlos Renaux em 1956, 1957 e 1958, recebendo com méritos, o título de Professor Primário.

Pelo que se aprende nos manuais mais profundos, o bom estudante pode se tornar um primoroso professor. Este foi o caso.

Entre 1960 e 1968, foi professor (regente de classe) no Curso Normal Regional Luiz Augusto Crespo, em Brusque, no Colégio Feliciano Pires, professor substituto, professor de Matemática, Auxiliar de Direção, Auxiliar de Inspeção dos Municípios de Brusque e Guabiruba, respondeu pela Direção de Grupo Escolar e pelo Curso Normal Regional, Diretor de Grupo Escolar em Brusque (D. João Becker) e em Botuverá (Padre João Stolt). Além disso tudo, trabalhou à noite no Colégio Cenecista Honório Miranda, a partir de 1962, quando este colégio começou a funcionar em Brusque, especialmente com as famosas e esperadas (por alguns, temidas) aulas de Matemática do Seu Ascânio. Foi, inclusive, um aluno do Honório Miranda que indicou o caminho das pedras para sua cirurgia num dos ouvidos, em Curitiba, em 1964, que restituiu a possibilidade do professor não apenas fazer leitura labial de seus estudantes. Tempos exigentes, muito trabalho, muita abnegação.

Em agosto de 1968, assumiu novas funções como Inspetor Escolar, fruto de concurso público: primeiramente em Presidente Getúlio, Dona Emma e Witmarsum, depois em Camboriú, em seguida em Indaial. Em 25 de setembro de 1970, nomeado como Coordenador Local de Educação (mudou a designação do Inspetor/Supervisor de Ensino) em Brusque (parte do município) e Botuverá, função que ocupou até novembro de 1981.

Nomeado em 23 de novembro de 1981, como Chefe de Divisão (DIVAD) da 16ª Unidade de Coordenação Regional de Educação, que fora erigida em Brusque, função na qual deixaria o serviço público em 4 de março de 1983.

Continuou com as aulas de Matemática no Honório Miranda até 1985. Assumiu a gestão administrativa e secretaria escolar do Colégio São Luiz até dezembro de 1992, após o falecimento do Padre Orlando Maria Murphy, o qual tinha acompanhado ao longo de décadas o casal Ascânio e Catharina no Movimento Familiar Cristão.

As lições ensinadas, os exemplos vinculantes, a postura exemplar, a atitude professoral em todos os campos nos quais poderia transmitir sua experiência, conhecimentos e percepções marcaram esse grande pai-mestre de nossa família, de uma plêiade de estudantes agradecidos, de professores e diretores de escola que tiveram nele uma referência, um baluarte, uma diretriz certeira.

Em 4 de agosto de 2005, foi agraciado com o título de Cidadão Honorário de Brusque, especialmente por sua obra educativa que tanto orgulha nossa família. Isso mesmo: a Educação, com o “E” maiúsculo, nos permite pensar e agir como cidadãos!!! Que a vida de Ascânio Sedrez, que se espraia mesmo depois de sua morte, nesse centenário de Bem Viver, seja um grito em favor da Educação de qualidade para todo o nosso povo brasileiro!

Ascânio João (Chico) Sedrez (*)

(*) Filho de Ascânio e Catharina Zucco Sedrez – Irmão de Maria Angélica, Miguel Ângelo, Marli Terezinha, Marco Aurélio, Maria Helena, Maria de Lourdes, Eunice Catarina e José Augusto. Esposo da Adriana de Faria Sedrez, Pai da Ana Carolina e do João Gabriel, Sogro da Patrícia e Avô da Catharina Soares Sedrez.

São Paulo, 8 de junho de 2022