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Aumento da circulação de carros elétricos gera corrida por capacitação de oficinas mecânicas de Brusque

Atentas ao mercado, instituições como o Sebrae reforçam a oferta de consultorias focadas no setor

A crescente demanda por serviços especializados, o avanço dos veículos eletrificados e a alta competitividade entre micro e pequenas empresas têm levado profissionais e empresários do setor automotivo de Brusque a repensar suas estratégias.

Em um cenário cada vez mais exigente, não basta apenas ter uma oficina equipada e com bom atendimento: é preciso se atualizar constantemente, buscar capacitação e investir em melhorias no espaço físico e na gestão.

Segundo o Mapa de Empresas, do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, Brusque registrou a abertura de 4.519 micro e pequenas empresas em 2024. No mesmo período, 2.299 encerraram as atividades — quase metade do total de novas aberturas.

Desde 2020, os números de abertura seguem em alta, mas os fechamentos também crescem, especialmente a partir de 2022.

Levantamento atualizado em 2024 pelo Sebrae mostra que 99% dos empreendimentos em Brusque são micro e pequenas empresas, somando mais de 23 mil e respondendo por cerca de 60% dos empregos gerados no município.

O dado reforça o papel central desses negócios na economia local — e a necessidade de adaptação contínua para garantir sua sustentabilidade.

Oficinas atentas

O setor de reparo e manutenção de veículos, embora esteja entre os que mais crescem no mercado, enfrenta desafios significativos. Responsáveis por consertos e ajustes automotivos, as oficinas precisam acompanhar a rápida transformação do setor — especialmente diante do avanço da frota de veículos eletrificados.

Brusque ocupa a 12ª posição entre os municípios catarinenses com maior número de veículos eletrificados vendidos: 372 unidades desde 2022, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (Abve).

Florianópolis lidera com 4.001 veículos, seguida por Balneário Camboriú (2.045) e Joinville (1.525). Já o Detran aponta 306 veículos registrados na cidade. Apesar da diferença, ambos representam recordes históricos no município.

O crescimento da frota acompanha o aumento do número de oficinas: segundo o Sebrae, Brusque tem atualmente 552 oficinas mecânicas – eram 498 em 2022 e 420 em 2021.

Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) mostram um crescimento estável no número de trabalhadores do setor: 370 em 2022, 396 em 2023 e 397 em 2024. O perfil desses profissionais permanece quase inalterado: 99% são homens, a maioria entre 30 e 39 anos, com ensino médio completo.

Embora o número de empregos varie pouco, a remuneração média subiu de R$ 3.570 para R$ 3.971 no período – sinal de valorização dos profissionais que seguem investindo em capacitação.

Em um cenário competitivo, a modernização das oficinas, qualificação das equipes, acesso a consultorias e fidelização de clientes exigentes já fazem parte da rotina de muitos empresários do setor.

Diferenças entre os modelos

Com menor custo por quilômetro rodado, os veículos eletrificados — elétricos e híbridos — despertam cada vez mais interesse dos consumidores. Isso impacta diretamente o trabalho nas oficinas, independentemente do tipo de veículo.

O tradicional conserto “sob o capô” perde espaço: nos eletrificados, as baterias ficam na parte inferior do veículo, muitas vezes invisíveis e inacessíveis sem equipamentos específicos.

Para entender a presença desses veículos em Brusque e em Santa Catarina, é importante conhecer as categorias consideradas eletrificadas pela Abve: HEV, PHEV e BEV.

  • BEVs (Veículos Elétricos a Bateria): 100% elétricos, funcionam com motores alimentados por baterias. Não possuem motor a combustão e não emitem gases;
  • PHEVs (Híbridos Plug-in): combinam motor a combustão e elétrico, com baterias recarregáveis na rede elétrica e regeneração durante a condução;
  • HEVs (Híbridos Convencionais): também combinam os dois motores, mas recarregam apenas durante a condução, sem conexão à rede elétrica.

Há também os FCEVs (Fuel Cell Electric Vehicles), que utilizam hidrogênio para gerar eletricidade e emitem apenas vapor d’água. No Brasil, esses modelos ainda estão em fase de testes, mas os investimentos na tecnologia devem crescer nos próximos anos, impulsionados especialmente pela COP30 — a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

O evento pode acelerar a adoção de veículos eletrificados no mundo e no Brasil, por meio de políticas públicas que incentivem a eletrificação da frota. A expectativa é que, até 2030, os veículos eletrificados (híbridos e elétricos) superem os a combustão em vendas no país. Para 2040, a projeção é que mais de 90% dos veículos vendidos no Brasil sejam eletrificados.

Crescimento comprovado

Segundo a Abve, 177,4 mil veículos eletrificados leves foram vendidos no Brasil em 2024 — alta de 88,83% em relação a 2023 (93,9 mil). A estatística exclui ônibus, caminhões e veículos eletrificados leves como scooters e patinetes.

A alta é contínua desde 2019. Em Santa Catarina, 11,5 mil veículos foram vendidos em 2024 — 6,4% do total nacional. Desde 2012, o Brasil acumula quase 397,8 mil veículos eletrificados leves, sendo 5,2% em SC (20.953 unidades vendidas desde 2022). Em Brusque, os números também sobem ano a ano.

Outro indicador da expansão é o número de eletropostos (estações de recarga). Santa Catarina contava com 800 em 2021, saltando para 2,8 mil em 2022, 4,3 mil em 2023 e 12,1 mil em novembro de 2024.

Em Brusque, são 11 estações: seis de recarga lenta e cinco de recarga rápida — mais que o dobro das cinco de 2023. A recarga lenta é comum em residências; a rápida, em comércios e eletropostos.

Veículo eletrificado durante carregamento | Foto: Otávio Timm/O Município

Nova realidade

Essa nova realidade exige uma transformação completa: novos equipamentos, peças específicas, capacitação constante e investimentos se tornaram parte da rotina de quem quer se manter competitivo. Diante dessas mudanças, oficinas e profissionais independentes de Brusque já sentem os impactos.

Marcos Hodecker Filho, da Kiko Auto Center, e Thiago Gomes Nazario, da Tecnauto Centro Automotivo, afirmam que a transição é também estrutural.

Para Marcos, a evolução já é visível: “Ainda não é algo frequente, mas o crescimento é visível. Acredito que essa realidade está cada vez mais próxima”.

Thiago complementa: “O mecânico vai precisar entender muito mais de elétrica do que precisa hoje”. Ele acredita que a especialização trará ganhos reais: “Quem se especializar vai subir a régua no faturamento com toda certeza. É uma grande oportunidade de crescimento para as oficinas”.

Ambas as oficinas já investem em capacitação e modernização. A Kiko Auto Center implementou uma usina solar, prevê instalar pontos de recarga e adquiriu ferramentas e EPIs específicos. “Estamos nos preparando aos poucos”, diz Marcos.

A Tecnauto, por sua vez, firmou parcerias com portais técnicos e investe em diagnósticos eletrônicos. Há três anos, passou a realizar reparos em placas e circuitos elétricos, antecipando uma demanda crescente.

“A profissão do mecânico passará por uma mudança de paradigma”, afirma Thiago, que também destaca a necessidade de adaptação estrutural das oficinas, com espaços e ferramentas específicos para lidar com veículos eletrificados.

“A bateria de um carro elétrico pode ter até 400 volts. O risco é muito maior. Por isso, segurança, treinamento e adequações físicas são indispensáveis”, complementa.

Para os dois empresários, os investimentos feitos até agora são apenas o começo. Eles destacam que o crescimento do setor demanda visão de longo prazo e comprometimento com a profissionalização.

“Hoje, já existe curso técnico voltado exclusivamente à manutenção de veículos eletrificados. É um caminho sem volta”, diz Marcos.

A experiência vivida por ambos reforça a percepção de que não se trata apenas de acompanhar uma tendência, mas de se preparar para uma mudança estrutural profunda.

Em Brusque, o movimento é gradual, mas claro: com o aumento das vendas, mais eletropostos e oficinas capacitadas, o cenário aponta para uma transformação já em curso no setor automotivo da cidade.

Otávio Timm/O Município

Manutenção: o que muda e o que permanece

Apesar das novas demandas trazidas pelos veículos elétricos e híbridos, manutenções tradicionais continuam sendo essenciais.

Freios, suspensão e pneus seguem exigindo atenção — muitas vezes com mais frequência, já que modelos eletrificados tendem a ser mais pesados, o que acelera o desgaste desses componentes.

Por outro lado, itens como escapamento, sistema de injeção, bomba de combustível, câmbio e embreagem deixam de existir. Em seu lugar, entram peças como o inversor de corrente, controlador de carga, sistema de gerenciamento da bateria (BMS) e motor elétrico integrado ao eixo.

Segundo Thiago, funções como alternador e motor de arranque desaparecem, mas dão lugar a sistemas eletrônicos mais complexos. “O ar-condicionado, por exemplo, não será mais tocado por correia, mas por um motor elétrico”, explica.

Mário Sérgio Clemer, técnico da concessionária BYD de Brusque, que vende apenas veículos eletrificados, explica que entre os equipamentos específicos citados por Marcos e Thiago estão ferramentas isoladas — como chaves, alicates e soquetes para alta tensão (geralmente de 1000V) —, além de luvas isolantes (classe 0 ou superior), multímetro de alta tensão, sistemas de bloqueio e etiquetagem (Lockout/Tagout) e detectores de tensão sem contato.

“A bateria é o componente mais crítico: exige controle de temperatura, tensão e corrente. O inversor, que converte a energia DC em AC, é sensível a falhas térmicas e elétricas. O sistema de regeneração precisa estar bem calibrado para evitar desgastes e falhas. Já os cabos de alta tensão devem ser manuseados com extremo cuidado para evitar choques”, detalha.

Mário reforça que é obrigatório realizar cursos de capacitação para veículos elétricos e híbridos, como a NR-10 (segurança em instalações elétricas). Também recomenda treinamentos sobre alta tensão automotiva, como os oferecidos pela própria BYD.

“A tensão elevada — que pode chegar a 800V nos modelos mais avançados — representa risco de morte se mal manejada”, alerta.

Ferramentas adequadas para serviços que envolvem alta tensão | Foto: Otávio Timm/O Município

Sobre o cenário local, ele observa que algumas oficinas especializadas, como as que atendem veículos da marca chinesa, já estão se adaptando com treinamento e estrutura. Por outro lado, muitas oficinas tradicionais ainda enfrentam dificuldades por falta de equipamentos e conhecimento técnico.

“Ainda é um desafio, mas está melhorando. A BYD, por exemplo, possui boa estrutura de fornecimento de peças nas concessionárias autorizadas. Já nas oficinas independentes, a disponibilidade e o custo das peças podem ser um entrave”, avalia.

Por fim, Mário destaca que este é um momento ideal para os profissionais se atualizarem. Segundo ele, o mercado de veículos eletrificados está em expansão no Brasil, e a demanda por mão de obra especializada tende a crescer.

“Quem começar agora terá grande vantagem. Os clientes desses carros costumam estar mais atentos à tecnologia, inovação e impacto ambiental. Isso muda o atendimento, já que é importante oferecer um serviço mais consultivo, focado em atualizações tecnológicas, boas práticas de preservação da bateria e preocupação com a sustentabilidade”, conclui.

Presença chinesa

A presença da chinesa BYD — maior fabricante de carros eletrificados do mundo — é marcante em Brusque e em todo o estado. Segundo a ABVE, a montadora liderou as vendas de veículos leves eletrificados em Santa Catarina em 2024.

O destaque foi o modelo BYD Song Plus GS DM, com 1.384 unidades emplacadas no estado. Em Brusque, a tendência se repete: cinco dos dez modelos eletrificados mais vendidos no município são da marca.

O crescente interesse dos moradores chamou a atenção da montadora. Em janeiro, a BYD, por meio do Grupo DVA, inaugurou a primeira concessionária de veículos eletrificados da história de Brusque — a oitava da marca em Santa Catarina.

“Brusque é um município muito importante aqui no Vale do Itajaí, tanto em população quanto no mercado de carros. Faltava uma loja aqui para dar uma atenção especial. A DVA e a BYD viram a importância disso, desenvolveram o projeto e abriram a loja”, destacou Emerson Mumbach, gerente da concessionária.

Morador do bairro Limeira Baixa, Ezequiel Comper é um dos clientes da marca. Dono de um Dolphin 100% elétrico, utiliza o carro para fins comerciais há um ano.

Animado com a nova loja, ele conta que antes precisava ir até Itajaí para as revisões. “A inauguração de uma loja focada na venda de carros eletrificados muda todo o cenário. Recentemente, conversei com um dono de oficina que já está se preparando para essa nova demanda, e sei que ele é apenas um entre muitos”, comentou.

Embora o carro ainda esteja na garantia e não tenha precisado de oficina independente, ele já nota um movimento positivo no setor local. “É algo que está chegando, e quem se antecipar vai sair na frente”, afirma.

Para Ezequiel, que usa o carro diariamente, o principal fator na compra foi a economia no consumo. Além disso, destaca a infraestrutura de carregamento no município.

“No começo, era difícil encontrar um carregador disponível em momentos de urgência, mas hoje Brusque já conta com cinco carregadores rápidos, o que praticamente eliminou esse problema. Estamos vivendo uma nova realidade”, explica.

Ezequiel ao lado do seu BYD | Foto: Arquivo pessoal

Orientações que ajudam

Independente do tamanho da oficina, todas em Brusque podem receber consultorias e capacitações oferecidas pelo Sebrae.

A instituição, conhecida por sempre estar atenta ao mercado, disponibiliza diversos cursos de gestão empresarial, muitos voltados ou adaptáveis ao setor automotivo — como oficinas, auto centers e empresas de reparação.

Alguns cursos, inclusive gratuitos, buscam melhorar a gestão, aumentar a competitividade e promover o crescimento sustentável — algo essencial neste momento em que o mercado se torna cada vez mais “energizado”.

“No setor de mecânica, não basta entender de motores à combustão ou elétricos — é essencial também dominar a gestão. Qualificação em finanças, atendimento e marketing transforma uma boa oficina em um negócio lucrativo. Investir em capacitação garante que a empresa funcione com a mesma eficiência de um carro bem cuidado”, afirma Juliana Bernardi Dall’Antonia, gerente da Regional Foz do Sebrae/SC.

Outro diferencial é a consultoria especializada, que conecta empresários a opções de crédito. No setor automotivo, esses recursos podem ser usados para capacitação, ampliação da estrutura ou aquisição de ferramentas — essencial diante da eletrificação.

“Um dos destaques é a consultoria que auxilia na elaboração de projetos para liberação de crédito, o que facilita muito a vida do empresário”, acrescenta Juliana.

Consultorias e programas oferecidos pelo Sebrae

Sebrae na sua empresa – Gratuito. Identifica desafios e propõe soluções com a visita de um agente especializado.

Sebraetec – Tecnologia e Inovação – Oferece soluções com 50% de subsídio. Ideal para oficinas que buscam modernização.

Empretec – Treinamento intensivo e reconhecido internacionalmente. Desenvolve o perfil empreendedor e melhora a tomada de decisões.

Cursos “Como Controlar o Fluxo de Caixa” e “Gestão de Pessoas” – Ensinam organização financeira, liderança e motivação de equipes.

Consultorias sob medida – Personalizadas para oficinas, com foco em precificação, atendimento, marketing digital e outros temas que aumentam a competitividade.

Agência de Brusque do Sebrae | Foto: Prefeitura de Brusque/Divulgação

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