Bebida feita à mão
Cerveja artesanal é hobby que pode se tornar fonte de renda ao produtor
Em Brusque, a cervejaria Zehn Bier é a responsável pela maior quantidade de produção de cerveja artesanal em escala comercial. Fundada em 2003, a empresa começou com a fabricação para consumo familiar, utilizando apenas três tanques; hoje, são 18.
O mestre cervejeiro responsável pela produção é o mesmo desde a fundação da empresa. A primeira tentativa de produzir cerveja pelo criador da empresa, Hilário Zen, não deu certo. Porém, continuou tentando e aprimorando o produto, buscando sempre aumentar a qualidade da bebida.
A empresa produz hoje oito tipos de cerveja, variantes pertencentes às famílias Lager – cerveja de baixa fermentação – e Ale – de alta fermentação. Cada uma delas tem suas características próprias em relação ao sabor, amargor, formação de espuma e aroma: algumas são mais amargas, outras têm notas de chocolate ou caramelo.
Seguindo a escola alemã da arte cervejeira, a Zehn utiliza em suas bebidas apenas os quatro ingredientes básicos: água – que compõe cerca de 90 a 95% do produto -, malte de cevada, lúpulo e o malte de trigo (que foi incluído na lista de ingredientes pela União Europeia em 1988). Além da escola alemã, existem outras três: a belga, inglesa e americana, esta última ainda em desenvolvimento.
De acordo com o coordenador-presidente do Núcleo de Cervejeiros Artesanais de Brusque e Região da AmpeBr (Nucevarte), Cicero Klaf, o que define uma cerveja como artesanal é sua forma de produção.
“Nós procuramos uma cerveja de qualidade. A bebida feita artesanalmente utiliza apenas os quatro ingredientes básicos, não tem conservantes nem adição de cereais além do malte. Ela é pura, e é o processo artesanal que garante essa qualidade, o que leva a maioria das pessoas que gostam de cerveja a investir no segmento.”
Porém, o processo é demorado: a fabricação da cerveja leva em torno de 30 dias. “Não se faz cerveja hoje para beber amanhã. É isso que deixa a pessoa mais ansiosa, o produtor fica louco para tomar a própria cerveja”, ri.
Victor Zim, especialista em produção artesanal de cerveja, é consultor técnico de cervejarias e brewpubs (bares que produzem a própria bebida no local). Para ele, a produção de cerveja – tanto caseira quanto profissional – depende de técnicas bem apuradas para garantir a qualidade ao produto final.
“Pesquisar sobre novas opções, cursos, livros e tudo o que trouxer informação extra é essencial. O mercado de cervejas especiais hoje esbarra na questão da padronização, devido à cerveja ser um produto com processo de fabricação extremamente sensível e complexo. Os detalhes de concentração, temperatura, ingredientes e tempo fazem toda a diferença”, explica.
Para ele, o mercado está em seu melhor momento para o negócio: “O público consumidor de cervejas especiais tem crescido com muita força e a procura por produtos locais feitos artesanalmente é cada vez maior. Brusque e região não fogem desta linha de tendência e apresentam um mercado potencial muito interessante também”.
Porém, Zim ressalta que a comercialização de cervejas caseiras é proibida. “Você pode fazer em casa, criar seu rótulo e tudo o que tem direito, mas para vender são necessários registros e autorizações específicas.”
Paixão ao primeiro gole
Francisco Striolli produziu sua primeira cerveja há cerca de três anos, e o produto foi resultado de um desafio proposto por um amigo. “Ele disse que, se eu fizesse cerveja, ele me daria de presente o livro ‘Cerveja feita em casa’. Topei o desafio”, conta.
Para começar, ele precisou estudar e pesquisar sobre cervejaria e produção de chopp caseiro. Foi numa conversa com outro amigo que ele encontrou a parceria que precisava para iniciar a produção. Afinal, como ele diz, “fazer cerveja sozinho é chato”.
“O desejo de fazer cerveja sempre existiu. Sempre gostei de cervejas mais fortes, comecei a experimentar estilos diferentes e foi paixão ao primeiro gole.”
Junto ao colega, matriculou-se num curso sobre produção de cerveja e começou a buscar equipamentos. A primeira produção foi feita com um jogo de duas panelas de 30 litros, uma geladeira velha que compraram por R$ 80 e um fermentador cônico que compraram especificamente para a fabricação de cerveja.
“Nosso equipamento era bem precário, não tínhamos bomba, nenhuma facilidade”, relembra Francisco. No início, ele conta que a dupla não tinha certeza sobre continuar fazendo cerveja depois da primeira produção. Porém, quando puderam ver e experimentar a bebida pronta, ficou claro que ambos iam querer prosseguir.
Hoje, já mais bem equipados e preparados para a fabricação da bebida, os dois utilizam sistema pré-automático para o controle da temperatura, uma bomba de circulação, sistema de resfriamento e fermentadores cônicos, que haviam comprado já para a primeira produção. “Temos um equipamento muito bom, a maioria faz coisas mais caseiras. Dá para fazer uma leva maior. E, em relação ao equipamento, sempre tem algo para comprar, melhorar.”
Francisco avalia que, para quem quer começar a produzir cerveja em casa e decide comprar equipamentos novos, o investimento gira em torno de R$ 2,5 mil a R$ 3 mil para fazer cerca de 20 litros da bebida.
“Mas nossa produção é caseira, não é uma escala industrial, é só o necessário para suprir a mim e ao meu colega, e às vezes algum amigo que pede. Nada com intuito comercial”, afirma.
Do hobby à renda
Um dos cursos disponíveis sobre produção de cerveja artesanal é a pós-graduação em Tecnologia Cervejeira, oferecido pelo Centro Universitário de Brusque (Unifebe).
De acordo com a coordenadora do curso, professora Daniele Vasconcellos de Oliveira, a pós-graduação busca proporcionar o aperfeiçoamento de profissionais da área da cerveja, cervejeiros caseiros com alguma experiência no processo de produção do produto ou até mesmo especialistas do assunto que procuram aprofundar seus conhecimentos.
O curso tem duração de aproximadamente dois anos e é uma parceria da Unifebe com a Zehn Bier, que fornece o espaço da fábrica para as aulas práticas. Dentre os módulos abordados, estão a produção de cerveja, gestão e comercialização, laboratórios industriais e a vivência de mercado.
Para Daniele, a principal vantagem da produção de cerveja artesanal é a garantia de qualidade da bebida: “Cada pessoa pode usar a criatividade para elaborar produtos personalizados de acordo com o seu gosto, variando aromas e sabores que podem ser obtidos dos mais diversos ingredientes e especiarias. Fazer a sua própria cerveja possibilita criar novos amigos neste universo cervejeiro sem fronteiras, experimentando estilos de diversas partes do mundo, onde o estudo da cultura e história acaba inserido neste contexto”.
Porém, a produção de cerveja, como ressalta a professora, não é tão simples e requer cuidados que, se não tomados, podem comprometer a qualidade do produto. Algumas das dificuldades apontadas por ela são a falta de equipamentos apropriados, necessidades de cuidados com a higiene para evitar a contaminação do produto e a observação da qualidade da água utilizada.
Segundo Daniele, quem mais procura a pós-graduação são profissionais já atuantes na área, porém, ela acredita que o mercado de equipamentos e insumos propicia aos cervejeiros tornarem-se os verdadeiros autores de sua produção, passando de consumidores a gestores, e transformando o hobby em fonte de renda.
“Fazer a sua própria cerveja pode se tornar um hobby interessante para fugir do stress do dia a dia, sentindo o aroma agradável da fervura e da matéria-prima durante o seu processo de fabricação”, pontua a professora.
Além do curso da Unifebe, o Núcleo de Cervejeiros Artesanais de Brusque e Região da AmpeBr (Nucevarte) também oferece periodicamente cursos de nível iniciante para quem deseja colocar em prática a vontade de produzir a própria cerveja.
Cicero Klaf, coordenador-presidente do núcleo, conta que o grupo surgiu em março de 2017 com a intenção de localizar os produtores de cerveja da região. Hoje, cerca de 40 cervejeiros compõem o grupo, que compreende os municípios de Brusque, Guabiruba e Botuverá.
“Promovemos o curso a cada 45 dias, e fazemos também visitas a cervejarias, viagens técnicas e encontros entre os cervejeiros. O sistema que ensinamos e praticamos é simples, com poucas adaptações em panelas comuns. Muita coisa dá pra comprar pronta ou ser feita em casa. Hoje, os equipamentos são encontrados com mais facilidade. Precisa apenas de panelas, mangueiras e a vontade de fazer cerveja.”
De acordo com o coordenador, a procura pelos cursos parte de um público bastante variado: são homens, mulheres, jovens e pessoas de mais idade que se interessam pela produção artesanal de cerveja.
“Já tivemos um curso do qual participaram várias pessoas da mesma família, que criaram um núcleo próprio de produção. A maioria inicia a produção como hobby, para apreciação própria, dos amigos e familiares. Vão evoluindo com o tempo, mas normalmente não chegam à produção comercial e fabricação em escala”, afirma.
O núcleo, porém, aprova o empreendedorismo: Klaf diz que, muitas vezes, os iniciantes desejam criar seu próprio rótulo, atitude que é incentivada pelo grupo. “Incentivamos a formalização e profissionalização do setor. De hobby, a produção de cerveja pode virar um negócio.”
O próximo curso será realizado no mês de setembro, e são dois dias intensivos: um com aulas teóricas, e o segundo, focado na parte prática, para que os inscritos acompanhem todos os passos da produção de cerveja.
“Nossa intenção é promover e fomentar a cadeia produtiva da cerveja artesanal para incentivar o crescimento do segmento na região. O núcleo é aberto para todos os interessados em participar e discutir a arte cervejeira”, convida Klaf.
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