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Bicentenário da Imigração Alemã: relembre a trajetória dos imigrantes até a chegada a Brusque e região

Há 200 anos chegava o primeiro grande grupo de imigrantes alemães em São Leopoldo (RS)

O Brasil celebra nesta quinta-feira, 25, um marco significativo em sua história multicultural: os 200 anos da imigração alemã. Há 200 anos, o primeiro grande grupo de imigrantes desembarcou em São Leopoldo (RS), trazendo consigo características culturais e que contribuíram para a formação da identidade de parte da região Sul do Brasil.

Segundo historiadores  brasileiros, a imigração alemã foi incentivada pelo governo imperial brasileiro como parte de um esforço para povoar e desenvolver regiões do Sul do país. A história passa pelo Vale do Itajaí, envolvendo de forma especial os municípios de Brusque, Itajaí e Blumenau.

A ideia de imigração e colonização alemã no Brasil surgiu bem antes da intensificação da decisão política após 1822, com a proclamação da Independência do Brasil. Segundo a escritora, pesquisadora e reitora da Unifebe, Rosemari Glatz, incialmente o foco da imigração era recrutar soldados e marinheiros mercenários para formar o exército e a marinha brasileiros.

A longo prazo, a imigração e colonização também visavam criar uma nova classe média, de pequenos proprietários, que desenvolvesse a policultura agrícola e o artesanato, povoasse as áreas de fronteira e abastecesse as principais cidades.

“O governo tratou de direcionar os imigrantes para o Sul do Brasil, onde havia extenso vazio demográfico, o número de escravos era pequeno, e o clima era mais favorável aos europeus. No princípio o modelo adotado foi a fundação de colônias agrícolas em regiões não ocupadas por grandes proprietários, onde agricultores livres poderiam ser instalados em pequenas propriedades”, diz a pesquisadora.

Nesse contexto, houve um grande fluxo de imigrantes de língua alemã para os estados do Sul do Brasil, especialmente para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O Paraná, por sua vez, recebeu apenas um pequeno contingente de imigrantes de língua alemã.

Ao abordar a imigração alemã, é preciso destacar que a Alemanha, como a conhecemos hoje, com suas fronteiras bem definidas, só se formou em 1871.

Foi nesse ano que o Chanceler de Ferro, Otto von Bismarck, unificou sob a Coroa de Guilherme I da Prússia os muitos estados de língua alemã, com exceção da Áustria, que permaneceu independente.

“Os imigrantes de língua alemã que vieram para o Brasil eram originários de diversas regiões, incluindo o Grão-Ducado de Baden (sudoeste da Alemanha), o Grão-Ducado de Hessen (região central da Alemanha), Holstein (norte da Alemanha), Hessen Darmstadt (região central da Alemanha), Prússia e Tirol (atual território da Áustria)”, explica Rosemari.

Já os imigrantes da Pomerânia se estabeleceram principalmente no Espírito Santo e em Santa Catarina, especificamente Pomerode, Brusque e Guabiruba, falando o dialeto “Plattdeutsch”. Os da Renânia-Palatinado, região do Rio Reno, que falavam o dialeto “Hunsrückisch”, emigraram principalmente para o Rio Grande do Sul.

“Historicamente, os povos de língua alemã falavam mais de 40 dialetos, que apresentavam algumas semelhanças entre si. Em 1517, Martinho Lutero criou uma grafia que lhe permitiu traduzir a Bíblia apenas uma vez, resultando em uma “mixagem” que padronizou o idioma alemão, conhecido hoje como “alto alemão”, complementa a pesquisadora.

No Brasil, a primeira tentativa de colonização com imigrantes de língua alemã ocorreu na Bahia (Colônia Leopoldina) e depois no Rio de Janeiro (Nova Friburgo).

A pesquisadora cita que as primeiras iniciativas de assentamento de colonos alemães no Brasil começaram já em 1816, ainda sem a estrutura que São Leopoldo ganharia posteriormente.

“A ideia original de José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido pelo seu papel decisivo na Independência do Brasil, era criar uma colônia rural-militar nos moldes dos cossacos da Rússia, um sistema que já havia sido usado pela Áustria ao longo de suas fronteiras húngaras para a expulsão dos turcos”.

A segunda tentativa de colonização, em 1818, antes da Independência do Brasil, foi a colônia Nova Friburgo, fundada na Região Serrana do Rio de Janeiro e inicialmente colonizada por suíços (de língua alemã). Mais tarde, foi chamada de “Colonie Allemande et Suisse”, caráter que manteve durante toda a sua existência.

A maioria dos suíços abandonou seus lotes, dispersando-se por todo o estado do Rio de Janeiro. Em decadência, Nova Friburgo se tornou o destino dos imigrantes de língua alemã que chegaram ao Brasil no início de 1824.

“Assim como as colônias alemãs de Leopoldina e Frankental, no sul da Bahia, a experiência da colônia Nova Friburgo com imigrantes suíços não obteve os resultados esperados, mas foi fundamental para o sucesso das colônias posteriores. As colônias do Primeiro Reinado sofreram com a má organização do governo, e muitos problemas foram solucionados depois. De modo geral, os projetos coloniais do Segundo Reinado foram mais bem-sucedidos”, conta Rosemari.

O grupo pioneiro que chegou ao Rio Grande do Sul era composto por 39 homens e mulheres, falando uma língua que soava estranha aos habitantes locais. Nenhum deles havia viajado menos de cinco meses, enfrentando jornadas por mar, terra, lagunas e rios.

Eles desembarcaram no Rio de Janeiro a bordo do veleiro transatlântico Caroline, em abril de 1824. Essa foi a leva pioneira de imigrantes de língua alemã enviada pelo governo de D. Pedro I para criar a primeira colônia não lusa no Sul do Brasil.

“Esse grupo composto por homens, mulheres, jovens e crianças, católicos e luteranos, artesãos e agricultores, representava uma pequena amostra do que os países europeus de língua alemã enviariam ao Brasil nas décadas seguintes. Na esperança de uma vida melhor, cada pioneiro seguiu seu caminho. Mesmo diante da adversidade, a colônia São Leopoldo prosperou, e muitas outras colônias foram criadas ao longo dos anos, consolidando a presença alemã no Brasil”, cita a pesquisadora.

Chegada dos imigrantes alemães a São Leopoldo – Tela de de Ernst Zeuner | Foto: Acervo do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo

Em Santa Catarina, os primeiros imigrantes de língua alemã chegaram no final de 1828, mas o maior volume de imigração ocorreu entre as décadas de 1840 e 1870. O estado também recebeu imigrantes de língua alemã após a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, que se estabeleceram principalmente em centros urbanos já desenvolvidos.

A chegada oficial de imigrantes europeus não portugueses em Santa Catarina começou com as primeiras levas de imigrantes de língua alemã em 1828. Nos dias 7 e 12 de novembro daquele ano, os veleiros Luiza e Marquês de Viana aportaram em Desterro (atual Florianópolis), e em 1829 foi fundada a Colônia de São Pedro de Alcântara.

Naquela época, a Província de Santa Catarina consistia em Desterro e mais três vilas: Laguna, Lages e São Francisco, com uma população predominantemente de origem lusitana.

“Os primeiros alemães trouxeram uma nova contribuição populacional para a Província de Santa Catarina, mas a ocupação do território catarinense com imigrantes de língua alemã permaneceu pouco expressiva por décadas, só se intensificando a partir de 1850, mantendo-se até o final da primeira metade do século XIX”.

Imigrantes alemães em Santa Catarina | Foto: Reprodução

Além da Colônia de São Pedro de Alcântara, outras colônias alemãs foram fundadas ao longo do século XIX em Santa Catarina, embora nem todas tenham sido bem-sucedidas.

“Por exemplo, a Colônia Piedade fracassou rapidamente devido à inadequação das terras para a agricultura. Algumas colônias, como Luiz Alves, fundada por colonos alemães em 1877, logo tiveram sua população mesclada com imigrantes austríacos e italianos”.

Após a proclamação da República em 15 de novembro de 1889, o governo brasileiro passou a organizar melhor a colonização oficial, criando a Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento, que fundou núcleos coloniais com o objetivo de vender lotes a colonos em diversos estados.

Em Santa Catarina, essa política resultou na fundação dos núcleos coloniais Barão do Rio Branco, no então município de Joinville, e Senador Esteves Junior, que pertencia ao município de Nova Trento.

“As colônias alemãs que realmente se desenvolveram economicamente e socialmente em Santa Catarina foram aquelas fundadas entre os anos de 1850 e 1860, que hoje figuram entre as maiores cidades do estado: Blumenau (1850), Joinville (1851) e Brusque (1860). A partir dessas cidades, muitas outras foram fundadas”, complementa Rosemari.

Imigrantes trabalhando na abertura de estrada nos tempos coloniais | Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva – Blumenau

Brusque foi oficialmente fundada em 4 de agosto de 1860 como uma colônia pública, mas o território começou a ser explorado ainda no final do século XVIII. Em 1799, foram concedidas sesmarias — terrenos pertencentes à Coroa Portuguesa — ao comandante da fortaleza dos Ratones em áreas que hoje fazem parte do município.

O governo imperial desejava povoar mais terras catarinenses, reconhecendo o potencial das grandes planícies e abundância de água da região. Diversas tentativas de colonização foram feitas, com variados graus de sucesso. Nas margens do curso inferior do rio Itajaí-Mirim, havia extensas áreas ideais para a agricultura e criação de gado.

No final da década de 1810, Antônio Menezes Vasconcelos de Drummond, que estava em Santa Catarina como contratador dos reais cortes de madeira, solicitou apoio governamental para fundar uma colônia nas terras de Itajaí.

Em 5 de janeiro de 1820, o Rei D. João VI autorizou Drummond a estabelecer uma colônia em duas sesmarias reais junto ao rio Itajaí-Mirim, na região que agora é Itaipava (em Itajaí). No entanto, a colônia não se concretizou devido à volta do rei a Portugal e ao fim do apoio governamental.

“A cidade de Itajaí nasceu pouco tempo depois, com seu principal marco fundacional em 1824, quando foi criado o Curato do Santíssimo Sacramento. A posição geográfica favorável e o porto atraíram moradores de outras partes de Santa Catarina e do Brasil, bem como estrangeiros”, diz a pesquisadora.

Embora Drummond não tenha conseguido fundar a colônia, outras iniciativas surgiram, como a tentativa de 1836. No entanto, foi somente no governo de Francisco Carlos de Araújo Brusque que se concretizou o projeto de fundar um núcleo populacional no Vale do Itajaí-Mirim.

“Assim, a Colônia Itajahy (Brusque) foi fundada, sendo a primeira do Vale do Itajaí-Mirim. Anos depois, em 1866, um novo decreto imperial criou a Colônia Príncipe Dom Pedro, que durou menos de quatro anos, sendo posteriormente anexada à Colônia Itajahy”, explica Rosemari.

O Aviso Imperial de 18 de junho de 1860 determinou a fundação da Colônia Itajahy, demarcando uma área de quatro léguas, desmembradas da Freguesia do SS. Sacramento do Itajaí.

Lista dos primeiros imigrantes desembarcados em Brusque | Foto: Acervo Museu Casa de Brusque

O Barão Maximilian von Schneeburg foi o primeiro diretor da Colônia e, com um grupo de 54 colonos, partiu da Vila de Itajaí em 31 de julho de 1860 rumo à sede da Colônia Itajahy.

Os imigrantes chegaram de Desterro a bordo da canhoneira “Belmonte” e seguiram de canoa até o local da nova colônia. Schneeburg administrou a Colônia Itajahy de sua fundação até abril de 1867, quando se afastou por motivos de saúde.

Família de Franz Morsch (sentado ao centro, de chapéu) que chegou a Brusque com 6 anos, em 1860 | Foto: Acervo Museu Casa de Brusque

Seu primeiro relatório à presidência da Província descreve a chegada: “Em 4 de agosto corrente, quinto dia de viagem pelo rio Itajaí-Mirim acima, cheguei com a primeira turma de colonos ao lugar Vicente Só”.

Pedro José Werner, um imigrante de língua alemã, é outra figura importante na história de Brusque e de Santa Catarina. Ele fazia parte das famílias fundadoras de São Pedro de Alcântara, a primeira colônia alemã em Santa Catarina.

“Werner se instalou em Brusque nos anos 1850 com sua esposa Catharina Palm e outros membros da família, sendo um dos pioneiros da Colônia Itajahy antes mesmo de sua fundação formal”, explica Rosemari.

Pedro José Werner, conhecido como Pedro Miúdo, foi um dos primeiros colonizadores da região | Foto: Acervo Museu Casa de Brusque

A filha primogênita de Pedro e Catharina, Maria Werner, nascida em 17 de outubro de 1855, é considerada por alguns como a primeira pessoa nascida em território brusquense.

Werner foi um visionário empreendedor, construindo engenhos de farinha, serrarias, olarias, além de trabalhar como balseiro e garimpeiro. Ele possuía grandes áreas de terras dos dois lados do rio Itajaí-Mirim.

“Anos depois, os descendentes de Pedro José Werner ajudaram a desbravar o planalto catarinense, estabelecendo laços entre os Vales do Itajaí e a Região Serrana, cumprindo o objetivo do governo imperial de fortalecer os vínculos entre o litoral e o planalto”, conclui Rosemari.


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