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Bombeiros e morador se reencontram após 35 anos da grande enchente

Em 1984, cabo Caetano e cabo Jesus fixaram-se na residência de Célio Fischer, no Guarani

Os bombeiros aposentados Luiz de Jesus, 66 anos, e Nilton Caetano, 63, recordam do lindo dia que foi 4 de agosto de 1984, antes de uma das piores enchentes que Brusque registrou. O ambiente ensolarado e com ar frio de inverno foi propício para o desfile em comemoração do aniversário de 124 anos de Brusque, do qual os bombeiros participaram. 

A chuva, que começou na madrugada de domingo, colocou a cidade em alerta durante o dia. À noite, Jesus e Caetano foram designados para o bairro Guarani, para auxiliar a população local.

“Quando começou a complicar, nos mandaram para cá, aí não tinha mais como voltar para baixo”, relembra Caetano. “Domingo à noite, a água já estava subindo na ponte”, conta Jesus, referindo-se à construção sobre o ribeirão Guarani.

Foto:Luiz Antonello

Segundo eles, antes da água subir, os moradores foram avisados para evacuarem a área. No entanto, muitas pessoas não quiseram deixar as residências.

“De madrugada íamos com a canoa atrás dos gritos”, conta Jesus. “Tinha um casal de velhinhos que não queriam sair. Eles ficaram dentro da casa e depois passaram para o telhado. Nós tivemos que tirar as telhas e ir por cima do telhado, a água já estava cobrindo tudo”, recorda.

“Isso ainda acontece hoje em dia, normalmente constroem casas de dois andares para evitar a enchente, mas quando não tem como sair, o socorro fica mais difícil”, explica Caetano.

O caso foi um dos incontáveis resgates que a dupla realizou, enquanto estavam fixados na antiga casa do aposentado Célio Fischer, 76, na rua General Osório.

“Eles estavam ajudando a comunidade. Tinha que ter um ponto de parada, e pedi para que fosse na minha casa”, diz Fischer.

As memórias voltam, em um reencontro no mesmo local, 35 anos depois. Ali, Fischer morava com a esposa Maria Salete e as três filhas pequenas. Hoje, o local deu espaço para um prédio de apartamentos.

Foto: Luiz Antonello

Na praça Guarani, em frente de onde ficava a residência, os três se reuniram a convite do jornal O Município. “Pra mim é uma alegria”, conta Jesus.

“Nem reconhecia mais, eu nunca mais vi eles. Fazem tantos anos que isso aconteceu e agora estamos aqui, eles velhos que nem eu”, relata Fischer, em meio a uma risada.

O quartel

Segundo Fischer, os vizinhos que moravam em locais mais baixos, foram até a casa dele em busca de um local seguro. “Aí a minha esposa Maria Salete fez um carreteiro. Então, a água começou a subir atrás do galinheiro e tive que avisar a todos que deveriam sair dali também”, relembra.

De acordo com ele, às 14h30 do dia 6 a água começou a entrar na casa e, às 16h, já batia no peito do homem. “Tive que subir o morro também”, conta.

O que pôde ser levado ao sótão, foi salvo. De resto, tudo foi perdido. Fischer explica que a situação complicou no bairro, porque a água do ribeirão Guarani ficou represada no rio Itajaí-Mirim, com a força da correnteza.

“Só sabe o que é, quem já passou por isso. As enchentes no Guarani não eram iguais as outras. As águas, ao invés de ir para o rio Itajaí-Mirim, voltavam. A lama cheirava a fossa, e entrava tudo dentro de casa”, explica.

Segundo ele, as águas subiram cerca de 3 metros do ribeirão. Aquele espaço foi o ponto central da dupla Jesus e Caetano, que fizeram os resgates.

Foto: Luiz Antonello

“As pessoas saiam de casa, e iam subindo o morro, como se tivessem abandonadas. No fim, nós tivemos que correr daqui”, completa Jesus.

Perigo

Os bombeiros contam que antigamente a profissão era mais perigosa, pois não tinham tantos recursos como hoje.

Durante a inundação, por questão de segurança, existia um limite para a dupla ir de canoa. Não chegavam muito próximo ao rio Itajaí Mirim, pela correnteza forte.

Nos resgates, os bombeiros relembram de terem passado de canoa por cima das casas, totalmente submersas.

“Dava medo, porque a gente passava por debaixo dos fios dos postes, sem saber se realmente estava desligado, mesmo que sem energia”, conta Caetano. “Na dúvida não encostávamos. Tinha lugar que passávamos por cima dos fios, que já estavam submersos”, complementa Jesus.

Segundo Caetano, outra questão que assustava era não saber se quem eles estavam resgatando sabia nadar ou não. “Na escuridão, na canoa, dava um frio na barriga, sem ver o que estava pela frente”, explica.

Os bombeiros resgatavam as pessoas, traziam na casa de Fischer, e depois transportavam para onde era necessário, caso precisavam ir na farmácia, mercado, ou outros lugares. “Uber de canoa”, diz Caetano

A rua ao lado da antiga casa sobe um morro, então outras casas ficavam em lugares mais altos, onde a água não chegou. Muitos moradores dali recebiam os resgatados.

“O cara pode sentir medo, mas eu estava consciente do que estava fazendo, com fé em Deus, eu sabia que ia dar tudo certo”, explica Jesus.

O estrondo

Na madrugada de segunda-feira, pelas 2h, o som do desabamento do muro do Brusque Futebol Clube chegou até o bairro Guarani.

“Deu um barulhão, aí que a água começou a abaixar. A cidade, detonou”, lembra.

Foto: Brusque Memória/Acervo

Segundo Jesus, em questão de algumas horas a água abaixou quase dois metros.

Na terça-feira, vieram mais bombeiros, trazendo alimento e água. Caetano e Jesus saíram do bairro na quarta-feira, 8, quando a água já tinha abaixado.

Ajudar o outro

Segundo Caetano, os riscos fazem parte da vida do bombeiro, mas, quem tem amor pela profissão encara a situação com outros olhos. “Está arriscando a sua vida em benefício dos outros, para um bombeiro de coração isso é muito gratificante”, destaca.

“O mais emocionante que tem é fazer o seu serviço por amor, não tem como explicar, é alegria, que vem de dentro do coração da gente”, explica Caetano.

Para Jesus, a sensação é de alegria quando ajuda as pessoas em situação de perigo. “A tristeza é ver a pessoa, às vezes, trabalha a vida toda, e em questão de dois dias fica sem nada, perder tudo”, complementa.

Fischer, que atualmente mora com a família no bairro São Luiz, é grato pela ajuda dos bombeiros, que auxiliaram ele a subir as coisas para o sótão.

Após a água abaixar, Fischer recorda da postura da cidade, que se demonstrou batalhadora. “Depois daquela enchente a cidade mudou, as pessoas se conscientizarem, não demorou um ano, as casas estavam limpas e pintadas. O povo de Brusque é de batalha”, conta.

Início

Tanto Jesus quanto Caetano começaram no Tiro de Guerra, na década de 1970. Em maio de 1975, Caetano tinha 19 anos quando foi para Itajaí, trabalhar a paisana, e aguardou até setembro pelo curso de bombeiro em Florianópolis. Já Jesus, com 22 anos, ficou este tempo em Blumenau.

Segundo eles, a intenção na época era instalar oficialmente o Corpo de Bombeiros Militar na cidade. No entanto, ele somente abriria em 1982, quando os dois voltaram para a cidade.

De acordo com a dupla, quando abriu, o grupo contava com 50 bombeiros, apenas 15 da cidade. No total, eram três guarnições.

“Eu amava o que fazia. Malandro comigo, até hoje não tem vez, aqueles que faziam biquinho para trabalhar”, conta Caetano.