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Colonos de língua inglesa antecederam os poloneses

Conflitos étnicos e falta de apoio da Província contribuíram para o fracasso da experiência

Pouco antes dos primeiros poloneses se instalarem na Colônia Príncipe Dom Pedro, no atual território de Brusque, o Império do Brasil tentou povoar a margem direita do rio Itajaí-Mirim com imigrantes de origem inglesa, vindos do Estados Unidos.

Esta primeira experiência colonial daria mostras do que aguardaria os poloneses, que chegaram em agosto de 1869 para “substituir” os ingleses que abandonaram a colônia pelas péssimas condições de sobrevivência humana.

A criação da Colônia Príncipe Dom Pedro, hoje batizada por historiadores Colônia Águas Claras, foi resultado da política liberal que o gabinete brasileiro adotou no segundo império. Eles queriam trazer imigrantes de pensamento livre para substituir a mão de obra escrava nas lavouras cafeeiras, já que havia risco da escravidão acabar no Brasil, o que aconteceu apenas em 1888.

O decreto imperial que criou a colônia inglesa data de 16 de janeiro de 1866, mas somente foi instalada em março de 1867. O território do núcleo colonial abrangia as terras de ribeirão Águas Claras, Limeira, Limoeiro, Cedro Grande, Cedro Pequeno, Pedras Grandes, Águas Negras, Botuverá, Vidal Ramos, Alferes (em Nova Trento) e a região do ribeirão Creeker, onde, até a presente data, existe uma disputa pela definição dos limites dos municípios de São João Batista e Nova Trento na região hoje chamada de Rio do Braço.

Depois do decreto de criação, o presidente da Província de Santa Catarina informou ao Barão Maximilian von Scheneeburg, diretor da Colônia Itajahy, na margem esquerda do rio, que na outra margem seriam assentados colonos de língua inglesa.

A resposta do barão foi de contrariedade, porque naquele lugar ele já havia assentado 14 famílias alemãs. Apesar do protesto, ele teve de ceder. Acatou as ordens da Província e viu sua colônia perder parte do território.

Era uma amostra de que os alemães não gostavam da presença de estrangeiros em território que consideravam deles.

Chegam os ingleses

No início de 1867, Barzillai Cottle partiu da Casa de Imigração do Rio de Janeiro com um grupo de 98 imigrantes de origem inglesa em direção ao Vale do Itajaí-Mirim, onde fundaria uma colônia agrícola, a Colônia Águas Claras.

Cottle era uma figura discutível. Nem mesmo historiadores como Aloisius Carlos Lauth, especialista que estuda a questão há quase 40 anos, têm informações suficientes sobre ele.

É provável que o ancestral dele tenha emigrado da Irlanda, no Reino Unido da Rainha Vitória, para os Estados Unidos, durante a primeira Crise da Batatinha, em 1846. Possivelmente, emigrou ainda jovem.

É certo, contudo, que trabalhou na enfermaria de campanha da Guerra Civil americana, supostamente em Nantucket, estado de Massachusetts. Mas sua origem é irlandesa, como muitos da primeira leva de imigrantes.

Após o fim da guerra, ele aceitou o convite para vir ao Brasil com sua esposa Rebecca e os três filhos. O perfil de homem militar com habilidades de liderança o destacou entre a primeira leva de imigração. Ele acabou escolhido pelos políticos liberais do Gabinete do Império para comandar uma colônia com pensamento liberal no Vale do Itajaí.

A primeira turma de colonos de língua inglesa chegou em março de 1867 ao Barracão dos Imigrantes, na Colônia Itajahy, também no atual território de Brusque, com ajuda recebida do Barão von Schneeburg. A sede da colônia ficava onde hoje funciona a Escola de Ensino Fundamental Padre Luiz Gonzaga Steiner, na Travessa Lagoa Dourada.

Eles receberam dele orientações sobre o assentamento colonial e o cultivo agrícola, além de se protegerem de “correrias de bugre”. Dias depois, os 98 colonos foram assentados na confluência do ribeirão Águas Claras com o rio Itajaí-Mirim.

Barracão dos imigrantes ficava onde hoje fica a EEF Pe. Luiz Gonzaga Steiner | Foto: Marcos Borges

Os imigrantes eram, em sua maioria, irlandeses reimigrados dos Estados Unidos, mas havia ingleses e outras nacionalidades da Europa. Eram homens e mulheres que viviam sem esperança, depois da guerra americana.

Essas pessoas eram alvo da propaganda da ‘United States and Brazil Ship Company’, contratada pelo Império Brasileiro para agenciar a vinda de imigrantes da América do Norte, sob tutela da ‘Sociedade Internacional de Imigração’, fundada no Rio de Janeiro para auxiliar os imigrantes de língua inglesa.

Boa parte dos que foram assentados na Colônia Águas Claras não tinha experiência na lavoura para pequena propriedade. Outros tinham trabalhado na construção de estradas de ferro ou, ainda, como mercenários dos militares americanos.

Eles sonhavam encontrar muito ouro e prata nos ribeirões do Ouro e Bateas. Sem trabalho certo na nova colônia, os mais arruaceiros provocaram intrigas que deixariam marcas na imigração irlandesa.

Conflitos étnicos

As sedes das duas colônias ficavam a apenas seis quilômetros de distância entre si. Isso fazia os colonos de ambos os lados se misturarem e perambularem em busca de trabalho.

Os conflitos étnicos não demoraram, apontam os estudos de Aloisius Carlos Lauth e do escritor Celso Deucher. Desde o início, os alemães demonstraram que não queriam novos vizinhos. Essa animosidade se converteria em brigas entre colonos de língua inglesa e os germânicos.

No decorrer do tempo, o sentimento de “germanismo” se aflorou entre imigrantes alemães e elevou a animosidade. O comportamento violento dos irlandeses também não colaborou.

Em abril de 1867, o barão de Schneeburg se afastou da colônia por doença que lhe atingiu a visão. Logo depois voltou à Alemanha, onde faleceu. A direção passou a ser ocupada pelos mais “espertinhos” de ambas as colônias, nenhum deles interessados no progresso econômico da colônia agrícola. A exceção foi o agrimensor Elpídio de Mello, diz Lauth.

Assim, Cottle assumiu interinamente a Colônia Itajahy, mesmo sem falar alemão, e nomeou como seus secretários os alemães professor Maximiliano von Borrowsky e Guido von Seckendorf, ex-voluntário da Guerra do Paraguai.

Alemão Maximilian von Borrowsky foi secretário de Barzillai Cottle na direção da Colônia Itajahy | Foto: Acervo Casa de Brusque

Eles passaram a dirigir as duas colônias, a contragosto de Cottle. Os problemas de relacionamento foram muitos entre Cottle e os germânicos. Tanto é que ele chegou a denunciar von Seckendorf à presidência da província sob a alegação de que ele favorecia os alemães nos assuntos da colônia.

Von Seckendorf havia sido oficial na Guerra do Paraguai pela Colônia Blumenau e, por causa de sua alta patente, a denúncia não foi levada adiante. Os colonos irlandeses também se queixaram à delegacia de Vila do Itajaí, contra a administração da colônia, por predileção aos alemães.

Cottle se mostrou um administrador ruim para as colônias. Faltou rotina de trabalho e a demarcação de lotes para os colonos de língua inglesa, que aguardavam muito tempo no barracão esperando por terras, sementes e ferramentas agrícolas.

Problemas disciplinares não faltaram. Em 24 de fevereiro de 1868, um grupo de irlandeses se envolveu em uma briga com alemães numa taverna.

Militar rígido, Cottle expulsou 17 imigrantes irlandeses por sua conduta, mas por causa disso foi fortemente repreendido pelo governo provincial. O Brasil tinha investido muito dinheiro para trazer os imigrantes e não foi bem visto expulsá-los no primeiro imbróglio.

Apesar dos problemas, as levas de imigrantes não paravam de chegar. Em 1868, a Colônia de Águas Claras já tinha mais habitantes que a de Itajahy – a maioria deles eram ingleses e americanos.

O golpe do diretor

Em 1868, Cottle foi à capital da província, Desterro, e sacou da Tesouraria da Fazenda 30 milhões de réis para aplicar na colônia. Na volta, ele sumiu com o dinheiro, em conluio com o agrimensor.

Fugiu primeiro para uma colônia no rio da Plata, de onde retornou a New Orleans, nos Estados Unidos.

Por esse episódio, foi demitido sumariamente e o agrimensor, inocentado. Em seu lugar, a província nomeou o barão Frederic von Klitzing, ex-major do Exército Austríaco e Ajudante de Ordens do imperador Maximiliano, no conflito do México.

Klitzing assumiu a direção das colônias e, como era germânico, o conflito étnico se agravou novamente, na disputa entre alemães e ingleses.

Um fato repercutiu negativamente no Império Brasileiro. Em junho de 1868, o médico Richard Windele, irlandês, foi chamado à Colônia Itajahy para atender um paciente. Na volta, ele decidiu comprar munição para seu revólver e, sem querer, disparou um tiro que acertou de raspão um colono alemão.

O médico e o colono acertaram uma indenização entre si equivalente a 15 dias de trabalho. Mas o subdelegado e agrimensor Krieger não aceitou a decisão e mandou algemar Windele até concluir o auto de corpo de delito.

O médico foi preso e xingado por colonos alemães. A notícia se espalhou e foi parar no Gabinete do Imperador. O fato se tornou diplomático, com risco de rompimento das relações com a Inglaterra.

Logo depois, Windele abandonou a colônia. Nenhum outro médico foi enviado para substituí-lo.

Colonos fogem

A essa altura, a colônia já dava claros sinais de fracasso. Cada vez mais colonos iam embora. Muitos foram para a Província de Santa Fé, na Argentina. Outros para São Paulo, onde prosperava a Colônia de Americana, de origem inglesa. Alguns, ainda, se dispersaram nas colônias de Joanesburgo, na África do Sul.

Nesse turbilhão, em 17 de setembro de 1868, três colonos ingleses lideraram uma Marcha Americana na sede da colônia. Cerca de 100 colonos postaram-se à frente da diretoria para exigir o pagamento de salários e subsídios. Neste momento, o diretor era Elpídio de Mello, que prometeu, mas o dinheiro era liberado pela província e não veio.

Em novembro deste ano, uma grande enchente atingiu as colônias. Em oito horas, o rio atingiu 29 palmos, equivalente a 7,60 metros. Uma mulher e dois filhos, da família Hopkins, morreram afogados na madrugada.

Sem recursos para reconstruir tudo o que fora destruído pela cheia, os colonos foram embora de vez. A fuga de colonos de língua inglesa foi muito grande ao longo de 1869, pouco antes da chegada do primeiro grupo de poloneses.

Em 1870, viviam na colônia inglesa apenas 35 famílias. Raríssimas deixaram descendência na região. Há, no entanto: Bittencourt, franceses de Pedras Grandes e de Azambuja; Roux, franceses do Ribeirão do Mafra; Demarchè, franceses da Cristalina, Cedro e Rio do Sul; Winter, ingleses do Jardim Maluche e de Santa Terezinha; Murphy, ingleses de Brusque, Blumenau e Indaial; Plother, ingleses do Cedro e Itajaí; e Galleger, ingleses do Cedro Grande.


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