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Como um clube sabota sua própria imagem – passo a passo

No ponto mais alto e notório de sua história, o Brusque, por seus próprios esforços, se torna o clube mais antipático do país

Com muito trabalho e dedicação, tire um clube pequeno da segunda divisão estadual e coloque-o de volta à elite. Reestruture suas finanças em um longo e árduo processo que dure anos. Certifique-se de que o clube consiga bons resultados para disputar competições nacionais a cada temporada. É um bom cartão de visitas ter um jogo contra um gigante do futebol nacional na Copa do Brasil.

Os resultados nem sempre serão os ideais, mas continue o projeto e conquiste, com muito suor, um louvável título de copa estadual. Na Série D, a quarta divisão nacional, um elenco histórico e um técnico iluminado levarão a instituição à glória: um título nacional, diante de quase 45 mil pessoas, num estádio como a Arena da Amazônia. Geração eternizada.

O ilustre desconhecido aos olhos do país, salvo por aquele jogo da Copa do Brasil, inicia uma escalada rumo ao sucesso e à fama. Mais uma copa estadual. O título da Recopa. Faça com que o clube seja a sensação do seu estado. Volte a uma final de campeonato estadual 28 anos depois da única ocasião até então. Faça uma campanha invejável na Copa do Brasil, com um futebol encantador.

Seja o bicho-papão da Série C do Campeonato Brasileiro. Quando tempos ruins chegarem, nada, absolutamente nada, nem surtos de Covid-19, nem mesmo uma derrota por 8 a 1 farão o clube perder a rota do estrelato. Porque dentro de campo as coisas, cedo ou tarde, vão funcionar. É a geração de ouro da história do clube.

Quando se imagina que o clube chegou no auge, prove que é possível fazer mais. Faça o impossível. Com uma estrutura muito menos que modesta e centavos contados num orçamento responsável, o acesso à Série B será conquistado. Incrível. Muitos vão se perguntar qual é o projeto, qual é o segredo, qual é a receita.

Entre altos e baixos, a campanha da Série B está razoavelmente segura, mas a equipe vive um jejum de vitórias.

É a maior competição da história do clube, que nunca havia estado num patamar tão elevado.

É agora.

É este o momento mais apropriado para sabotar tudo.

Diretoria e torcedores convidados se reúnem para assistir a uma partida, todos bem próximos a jornalistas e fotógrafos que podem ouvir cada frase. Há provocações a jogadores adversários, como de costume, até que alguém faça uma ofensa racista contra um jogador negro de cabelos compridos e inflame ainda mais o bate-boca. O relato é registrado em súmula.

Ainda durante o jogo, negue. Negue tudo. Desdenhe. Não há vídeos ou áudios, é a palavra de um contra a palavra de outro, certo? Desafie o jogador a provar que foi vítima de racismo.

Pouco menos de 24 horas depois, aprove a publicação de uma das notas oficiais mais asquerosas, tacanhas e descabidas da história do futebol brasileiro. Culpe a vítima, afirme que irá processá-la por calúnia. Ela já foi vítima de racismo duas vezes (documentadas em vídeo e áudio) no mês anterior, mas trate estes episódios como “alegações”. É óbvio que é apenas alguém oportunista, tentando ganhar fama.

Sucesso.

Seu clube, que decolava no cenário nacional, está agora com a imagem destruída, na latrina, e é odiado por milhares. Um dos assuntos mais comentados do Brasil. A cidade, homônima ao clube, além do estado, são associados ao racismo, reforçando um estereótipo já existente e infame. Os principais jornalistas e influenciadores do país não se conformam e expressam todo seu nojo e desgosto. Torcedores, antes orgulhosos, agora se envergonham. Pessoas de todo canto, que podiam ter simpatia ou indiferença ao clube, passam a torcer contra, a querer o rebaixamento, que tudo que foi construído nos últimos anos acabe.

E é assim que um clube, sozinho, sabota sua própria imagem.


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