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Brusque se transforma após grande enchente que devastou a cidade em 1880

Emancipação das colônias logo após a cheia marca o início de uma nova fase no município

 

Era setembro de 1880, quando as Colônias Itajahy e Príncipe Dom Pedro foram atingidas por uma grande enchente, o rio Itajaí-mirim, cheio de curvas, rapidamente chegou a nove metros acima do nível normal e devastou grande parte das colônias.

A chuva torrencial iniciou durante a noite e, com o passar das horas, o rio foi tomando seu lugar, cujas águas foram represadas na foz do Rio Itajaí-açu. O anuário ‘Notícias de Vicente Só’, publicado em 1983, traz o relato de Paul Hering, de Blumenau, sobre os momentos de tensão que passou em Brusque durante a ‘Hochwasser’, que em alemão quer dizer “a grande enchente”, como ficou conhecida à época.

Hering pintava cenários para os teatros de marionetes que eram comuns acontecer no ‘Schützenverein’ (Clube de Caça e Tiro) quando foi surpreendido pelas águas que entraram no salão. Ele se refugia no sótão do clube, e depois é obrigado a sair por dentro da água, carregando ao colo uma criança, até encontrar um lugar para se abrigar na Cervejaria Klappoth, atual rua Rui Barbosa, no Centro. Ali, se depara com muitos atingidos da enchente  que, assim como ele, também haviam fugido das águas.

Em suas memórias, Hering conta que as balsas de transporte de mercadorias que estavam atracadas na travessia onde hoje é a ponte estaiada se soltaram com a força das águas e foram encontradas na foz do rio.

Assim como as balsas, cercas, árvores arrancadas, estábulos, ranchos e animais flutuavam rio abaixo. As águas cobriram pastos, plantações e casas ribeirinhas. Ele conta que a casa de um italiano também foi arrastada por dois quilômetros. 

Ilustração: Ed Carlos

Além do grupo que se refugiou na Cervejaria Klappoth, outras pessoas tiveram abrigo na matriz São Luís Gonzaga, no alto da colina, por alguns dias.

O historiador Aloisius Lauth conta que durante a chuva torrencial, o padre Alberto Gattone pediu para o sacristão tocar o sino da igreja, hoje no Museu Azambuja, durante toda a noite para avisar a população que o rio estava enchendo.

A chuva durou três dias, mas com o rio cheio de curvas e bastante lento, as águas demoraram algum tempo até baixarem totalmente

O padre também foi em busca das famílias que viviam próximas do rio e abriu a própria igreja que serviu de abrigo neste momento difícil. Mesmo assim, quatro pessoas morreram afogadas, uma delas na sede da Freguesia, conforme citou o historiador Oswaldo Cabral. 

A atitude do padre Gattone chegou ao Gabinete do  Império e, posteriormente, ele foi homenageado pelo socorro aos flagelados da ‘Hochwasser’ de 1880.

A chuva durou três dias, mas com o rio cheio de curvas e bastante lento, as águas demoraram algum tempo até baixarem totalmente. Foi preciso reconstruir toda a estrutura de estradas e pontes das colônias, o que não foi fácil, dadas as condições da época. Lauth afirma que a pouca ajuda que as colônias tiveram do Império foi o envio imediato de alguns mantimentos e a troca do ajudante de Direção e seus agrimensores.

A retomada da vida após a enchente foi um processo custoso e longo. No meio do caminho, os moradores das Colônias Itajahy e Príncipe Dom Pedro foram surpreendidos pela decisão da Assembleia Legislativa da província de Santa Catarina que transformou as colônias no município de São Luiz Gonzaga, em 23 de março de 1881, seis meses depois da grande enchente.

Porém, essa não era a vontade da população. As colônias ainda não haviam se recuperado totalmente da enchente e, por isso, mesmo sendo da vontade do Império, a emancipação do novo município se dá somente em meados de  1883.

“Uma recuperação dessas não acontece em menos de dois anos. Na lavoura, perdeu-se tudo, inclusive o solo. A enchente foi um fato marcante e por esse fato se atrasa a emancipação e a formação do novo município de Brusque”, observa Lauth.

Quase três anos após a enchente, foi possível dar continuidade ao processo de emancipação política e administrativa da Colônia, que havia sido determinado pelo Império, que era quem custeava a colonização da Freguesia São Luís Gonzaga.

Assim, foi construída uma sede para a Câmara de Vereadores e, em 8 de julho de 1883, o presidente da Câmara de Vereadores de Itajaí, Luis Fortunato Mendes, e o secretário, Francisco Vitorino da Silva, dão posse à primeira Legislatura da Câmara de Vereadores do município de São Luís Gonzaga.

“Não comparece nenhuma autoridade da Assembleia Legislativa ou da Província, somente o presidente da Câmara de Itajaí e o secretário para o registro da ata de instalação. Itajaí queria se livrar das colônias do interior depois da enchente, porque também foi afetada e não dispunha de recursos para recuperação, então a posse foi feita às pressas”, destaca Lauth.

Durante o Império Brasileiro, as Câmaras é que administravam os municípios. Os sete vereadores de Brusque foram eleitos em maio de 1883. Neste período, anualmente tinha eleição entre os vereadores para eleger o presidente da Câmara, que exerceria a função de Executivo, e os demais vereadores atuavam como conselheiros.

Foi um enorme aprendizado lidar com as decisões de políticas públicas do recém município criado

“A colônia não tinha experiência para isso. Foi um enorme aprendizado lidar com as decisões de políticas públicas do recém município criado. Os tomadores de decisão na freguesia eram pequenos comerciantes e gente do transporte de cargas fluvial, que detinham mais dinheiro e que tiveram que assumir as rédeas do município. Agora, tinham que consertar toda a infraestrutura da ex-colônia”. 

De início, a Câmara adota o Código de Postura de Itajaí e, a partir de então, começa a agir e tomar conta da população, que não ultrapassava os oito mil habitantes. A principal atividade econômica ainda era a extração de toras de madeira, carregadas até o rio e levadas de balsa para o porto de Itajaí.

Apesar de pouca experiência, os vereadores conseguiram superar este desafio. Lauth afirma que, à época, 63% do orçamento anual era dedicado a reformas e obras na estrutura do município, dentre pontes, estradas e vias vicinais.

“Não se tem notícia de que eles foram mal, ou que foi uma administração fraca e ruim. Parece que deram conta, assumiram as atuais necessidades da população. Eles correram atrás, foram empreendedores e decisivos. A enchente é um fenômeno ambiental, mas o grande impacto dela é sobre as pessoas da Colônia, e de como elas se organizaram para as soluções, e a Câmara inexperiente não correu da raia. A melhor prova disso é a mudança do eixo econômico  de Brusque nos anos seguintes, com o início das atividades têxteis”.


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