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Brusque tem apenas quatro construções em arquitetura enxaimel

Sistema construtivo foi herdado dos alemães, no entanto, nenhuma construtora de Brusque tem domínio da técnica

Uma das heranças da imigração alemã em Brusque, as casas no sistema construtivo enxaimel, há muito tempo não fazem mais parte da paisagem rotineira do município. Ainda restam poucas residências que mantêm o estilo original na cidade e são elas as responsáveis por preservar um período da história do município.

Os exemplares restantes do sistema construtivo enxaimel estão todos no bairro São Pedro. O catálogo do Patrimônio Arquitetônico do município, mantido pela Fundação Cultural e Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, mostra quatro casas do estilo preservadas.

Essas são as únicas referências do enxaimel verdadeiro em Brusque, já que não há registros de construções atuais seguindo este sistema. “A técnica construtiva do enxaimel parece ter entrado em total e permanente desuso no município”, afirma o arquiteto do Instituto Brusquense de Planejamento (Ibplan), Ricardo Laube Moritz.

Hoje, nenhuma construtora de Brusque tem domínio da técnica e, segundo Moritz, a mão de obra de carpinteiros descendentes dos europeus que colonizaram a região e que dominavam o sistema, já não existe mais no município. “A atual situação se deve muito pela ausência de políticas contínuas de preservação cultural e registro do conhecimento construtivo em Brusque, que seria fomentado se fosse estimulado justamente com a preservação dos exemplares existentes, os quais infelizmente sumiram numa velocidade inigualável do que em qualquer outra cidade da região”.

Outro fator que pode ter contribuído para o desaparecimento das casas enxaimel em Brusque, de acordo com o arquiteto, é o rápido desuso desse sistema construtivo, que remonta a fase mais agrícola da colônia. “Acredita-se que o sistema rapidamente ficou associado à pouca condição econômica das famílias, e logo que a sociedade se industrializou e as famílias passavam a gozar de melhores condições, tratavam de esconder os vestígios do passado mais humilde”.

Moritz ressalta que a burguesia industrial contratava arquitetos europeus para desenhar suas residências, o que acabou influenciando na arquitetura local. “Rapidamente o sistema de tijolos aparentes passou a ser encoberto (revestido por argamassa) e quando não, demolido para dar lugar a arquitetura de alvenaria estrutural, mais de acordo com o novo padrão e moda da arquitetura do período na Europa, ligado ao advento dos estilos historicistas e pré-modernos”.


Especialista em enxaimel

As cidades de Pomerode e Blumenau são as que ainda detém mão de obra especializada em enxaimel. Há oito anos, o mestre-carpinteiro Paulo Volles decidiu se profissionalizar neste tipo de edificação em Blumenau. A sua empresa se dedica exclusivamente na construção de casas no enxaimel tradicional. “Queremos resgatar a técnica e manter este sistema vivo e cada vez melhor”, afirma.

Há oito anos, Paulo Volles trabalha construindo casas no sistema enxaimel / Divulgação

De acordo com ele, edificações em enxaimel despertam muito interesse na população. Por mês, sua empresa recebe, em média, dez solicitações de orçamento. Por ano, a empresa realiza, em média, quatro novas construções em várias regiões de Santa Catarina. “Em todos esses anos, acho que construí apenas duas casas enxaimel em Blumenau. O resto foi em outras cidades do estado. O pessoal aqui tem o receio de que se construir casa em enxaimel, a prefeitura vai querer preservar”, diz.

Fundação Cultural de Timbó, construída pela empresa de Voller / Divulgação

O carpinteiro explica que, apesar de complexa, a construção enxaimel é muito mais rápida do que uma obra em alvenaria comum. “Como pré-fabricamos aqui na empresa e depois só montamos, ganhamos muito tempo, porque nunca para por mau tempo, por exemplo. Em até três meses conseguimos entregar uma casa enxaimel pronta”.

Volles conta que já foi procurado por moradores de Brusque para construir casas no sistema enxaimel. A maioria, diz ele, pede para construir a casa em sítios, localizados, principalmente, no município de Guabiruba.

Além de ser um dos poucos a dominar a técnica do enxaimel na região, Volles também foi o responsável pelo levantamento de todas as edificações existentes neste sistema em Blumenau. “Por conta própria eu fiz esse levantamento. Percorri todas as ruas de Blumenau e cataloguei de uma forma técnica para poder reproduzir fielmente, caso alguma delas for demolida”. O levantamento de Volles encontrou 226 construções enxaimel no município.

A ligação de Volles com o estilo vem desde a infância. Ele conta que desde pequeno sempre gostou de pesquisar sobre o sistema enxaimel. Ao longo dos anos, foi aperfeiçoando a pesquisa, até que encontrou um grupo de alemães que repassou dicas e, com isso, possibilitou que ele se profissionalizasse no ofício. “É uma grande satisfação ter conseguido aprender o sistema construtivo e poder passar isso adiante. É um campo que nunca foi pesquisado a fundo e todos os dias descobrimos coisas novas. Exige muita disciplina. É uma arte e uma ciência”, afirma.

Casa enxaimel em construção / Divulgação

A técnica

A construção em prateleiras, como é chamado literalmente na Alemanha, ou simplesmente o enxaimel – nome de origem desconhecida que somente é usado no Brasil, especificamente na região do Vale do Itajaí – não é um estilo arquitetônico. De acordo com Ricardo Moritz, o nome correto do estilo é arquitetura teuto-brasileira, que é o resultado de uma adaptação dessa forma construtiva europeia, com as condicionantes brasileiras de disponibilidade de matéria-prima, clima e mão de obra.

O enxaimel consiste na junção de estruturas de madeira, em formas horizontais, verticais e inclinadas. Esta junção é responsável pela sustentação da casa, que recebe a vedação através de tijolos maciços. A característica do enxaimel é o telhado inclinado e a ausência de pregos na estrutura de madeira. As vigas são encaixadas, exatamente, uma nas outras, através de pinos.

“Ela não tem prego, parafuso, é tudo encaixe, e o sistema de vedação varia, pode ser tanto o fechamento em adobe, que é um estilo de fechamento com base de barro e palha, ou então de tijolo maciço”, exemplifica o coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Brusque (Unifebe), Marcelius Oliveira de Aguiar.

Segundo Moritz, foram fatores importantes também para a utilização intensa desse sistema construtivo na região a disponibilidade abundante de matéria-prima, com madeiras duras e resistentes, e a adaptação rápida do sistema ao clima chuvoso. “Permitia o levantamento rápido da estrutura após as peças prontas (método pré-fabricado), permitindo a construção rápida do primeiro abrigo para a família dos colonos, alta do chão, protegida dos animais selvagens”.

Além das casas originais existentes no bairro São Pedro, Moritz ressalta a edificação frontal da Casa de Brusque, e a loja da fábrica da Büettner, no Bateas. Essas, segundo ele, dividem opiniões se correspondem a uma reprodução de outra edificação ou relocação e remontagem de uma existente.

Santa Catarina concentra a maior quantidade de edificações que adotam o sistema construtivo enxaimel fora da Europa, o que, segundo Moritz, motivou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a promover o primeiro caso de Chancela da Paisagem da Imigração Alemã – tipo de tombamento da Paisagem – no estado, compreendido pela conhecida Rota do Enxaimel, localizada entre as cidades de Pomerode e Jaraguá do Sul. “Essa rota compreende não apenas a preservação da edificação em si, mas da paisagem natural e antrópica, com o estabelecimento de instrumentos que procuram conservar os fatores que contribuem para a construção daquela paisagem específica”.

Falso enxaimel

Alguns dos principais pontos turísticos de Brusque hoje são construções como o prédio da prefeitura, Fórum, e o pavilhão de eventos Maria Celina Vidotto Imhof. Conhecidas entre os arquitetos como “falso enxaimel”, esses prédios não utilizam a verdadeira técnica de edificação trazida pelos imigrantes. A estrutura de concreto busca apenas lembrar aquelas construções do começo do século passado.

“O enxaimel é um estilo importante, não podemos perder esse estilo construtivo na cidade, mas também temos que ter os materiais adequados. Precisa utilizar a técnica real. As pessoas fazem muito a construção em alvenaria comum, simplesmente bota um caibro inclinado e dizem que é enxaimel, mas na verdade, a técnica é totalmente diferente”, destaca o professor da Unifebe.

A ideia de homenagear a imigração alemã começou na década de 80, quando a Prefeitura de Blumenau buscou uma identidade turística dando incentivos fiscais a quem construísse fachadas que imitavam a técnica de enxaimel. O modelo foi seguido por outras cidades da região, entre elas, Brusque.

Prédio da prefeitura segue o estilo classificado pelos arquitetos de falso enxaimel / Arquivo Município