Cannabis: moradora de Botuverá faz uso de óleo derivado da planta para tratar dores e ansiedade
Iraídes Almeida iniciou o tratamento em abril; saiba como está a situação da cannabis medicinal no Brasil
Se preparando para entrar na fila para um transplante de rim pela segunda vez, a moradora de Botuverá, Iraídes Matos de Brito Almeida, 52 anos, começou a usar óleo de cannabis – planta que dá origem à maconha – na tentativa de aliviar as dores, ansiedade e insônia.
Em 2009, ela descobriu uma bactéria que comprometeu totalmente o funcionamento de seus rins, por isso, precisaria de um transplante para viver de forma mais confortável. Naquele mesmo ano, ela entrou na fila do transplante e conseguiu o novo rim.
Foram dez anos convivendo normalmente com o órgão transplantado, até que em 2019, depois de um sangramento, ela precisou tirar o rim e voltar para as sessões de hemodiálise.
Toda a situação deixou a moradora de Botuverá muito debilitada e abalada, pois teria que passar por todo o sofrimento da hemodiálise e a espera na fila do transplante mais uma vez.
Ela desenvolveu crises de ansiedade e insônia. Chegou a tomar remédio tarja preta para poder dormir. O filho, Luiz Henrique Almeida, 28 anos, presenciou o sofrimento da mãe durante muitas noites e decidiu ir em busca de um tratamento alternativo. Foi quando conheceu os benefícios da cannabis.
Por meio da Associação Santa Cannabis, que tem sede em Florianópolis, Luiz conheceu todo o processo para o tratamento com a cannabis medicinal. Após muita conversa, ele conseguiu convencer a mãe a tentar o tratamento de forma experimental.
“No começo fiquei meio assim. Não sabia direito como ia funcionar e fiquei com receio, mas meu filho me convenceu e eu aceitei”, conta.
Resultados satisfatórios
Iraídes começou a usar o óleo de cannabis em abril deste ano e, mesmo em pouco tempo, já conseguiu perceber uma melhora na sua saúde. “Comecei a fazer o tratamento. Eu tomo de manhã e no almoço. Nos dias que faço hemodiálise eu tomo antes de ir também. E eu senti que acalmou muito minha ansiedade. Não preciso mais do Diazepam, que é o remédio que tomava para dormir”, relata.
Antes de começar o tratamento com o óleo de cannabis, Iraídes passou por consulta com um médico da associação, que avaliou o caso e concluiu que ela poderia fazer uso do óleo. “O médico que define a dosagem. Tudo é conversado com o médico, não é simplesmente chegar e tomar”, destaca.
Além do óleo, a moradora de Botuverá também usa uma pomada à base de cannabis, que passa no braço que fica ligado à máquina de hemodiálise, que ela precisa fazer três vezes por semana. “Eu sofria muito com dores no braço, que fica todo marcado por causa da hemodiálise. Eu tinha muitas cãimbras, não conseguia nem mexer. Agora eu passo a pomada antes de ir para hemodiálise e não sinto dor”.
Iraídes afirma que gostaria de ajudar outras pessoas falando sobre os benefícios da cannabis, mas ainda sente que o assunto é um tabu. “Eu converso muito com a psicóloga sobre o assunto. Gostaria de ajudar outras pessoas, falar sobre os benefícios do óleo, mas as pessoas têm muito preconceito. Não é todo mundo que aceita pelo fato de ser cannabis”.
Feliz com os resultados obtidos até o momento, Iraídes afirma que vai continuar usando o óleo de cannabis. A meta é tentar reduzir ao máximo o número de remédios nos próximos meses. “Hoje tomo 13 remédios diferentes. Quero fazer um teste e ver se com o uso do óleo de cannabis, que é natural, eu consigo controlar a minha pressão e deixar de usar este remédio, pelo menos”.
Distribuição por liminar
Em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regulamentou a prescrição, a exposição e a importação de produtos prontos ou a fabricação no Brasil de compostos à base de matéria-prima importada.
Por ter um caráter social, a Santa Cannabis consegue os óleos à base de cannabis com um custo menor. A moradora de Botuverá, por exemplo, paga R$ 150 no óleo e R$ 90 na pomada. Se fosse importar os medicamentos, o custo seria maior que R$ 2 mil, além de toda a burocracia no processo.
O presidente da Santa Cannabis, Pedro Sabaciauskis, explica que a associação é um local de acolhimento de pacientes e faz a indicação de médicos para detectar se a pessoa tem indicação para o uso da cannabis medicinal. A associação fornece atendimento médico e jurídico, além dos óleos, que podem ser importados ou nacionais.
“O acompanhamento médico é rigoroso, pois é preciso achar a dosagem para cada tipo de paciente. O risco de qualquer contraindicação é mínimo. Na maioria dos casos, são doenças sérias, que trazem um problema familiar muito grande e os resultados são incríveis. Ajuda muito no sentido de amenizar as dores”.
O trabalho da associação é autorizado por uma ação civil pública, já que o cultivo, a extração e o fornecimento do óleo não é legalizado no Brasil. “Todos os nossos associados têm direito devido a essa autorização. Hoje temos várias associações semelhantes à nossa pelo país. A nossa autorização é para a importação, mas estamos em busca de uma liminar para o cultivo da cannabis. Três associações já conseguiram”, destaca.
Situação da cannabis no Brasil
De acordo com a Câmara dos Deputados, atualmente, a Lei Antidrogas proíbe em todo o território nacional o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, com exceção para aquelas plantas de uso exclusivamente ritualístico religioso e no caso de fins medicinais e científicos.
Autoridade sanitária dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou produtos oriundos da Cannabis sativa. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não classifica esses itens como medicamentos, mas autoriza a importação com receita médica e poderá avaliar a fabricação no país.
Segundo estudos, a cannabis apresenta resultados no tratamento de epilepsia, autismo, Alzheimer, Parkinson, dores crônicas e câncer, entre outras situações. Familiares relatam que os medicamentos reduzem a frequência de convulsões em crianças de dezenas de eventos por dia para um ou dois por semana.
Legalização do cultivo medicinal
Recentemente, a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisou o projeto de lei 399/15 aprovou parecer favorável à legalização do cultivo no Brasil, exclusivamente para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais, da Cannabis sativa, planta também usada para produzir a maconha.
O texto aprovado legaliza o cultivo da cannabis, mas impõe restrições. O plantio poderá ser feito apenas por pessoas jurídicas (empresas, associações de pacientes ou organizações não governamentais). Não há previsão para o cultivo individual. Seguirão proibidos cigarros, chás e outros itens derivados da planta.
O projeto de lei está agora pendente de uma decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira, a quem cabe colocá-lo na pauta de votação.
Componentes da maconha usados com fins medicinais
A cannabis possui mais de 120 canabinóides, que são os elementos que fazem parte de sua composição. Para o tratamento medicinal, os produtos utilizam dois componentes específicos: a tetra-hidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD).
O óleo de cannabis, usado pela Iraídes por exemplo, é o extrato da planta, com quantidades equilibradas de THC e CBD. A fórmula do óleo de cannabis é controlada, apresentando as concentrações ideais dos componentes para tratar diversas doenças graves. A epilepsia, por exemplo, é a principal doença tratada com o uso do óleo de cannabis.
De acordo com estudos, o CBD presente no óleo pode ser usado para aliviar o estresse ou outros problemas de saúde mental, pois os efeitos são semelhantes aos causados por medicamentos ansiolíticos e antidepressivos.