José Francisco dos Santos

Mestre e doutor em Filosofia pela PUC/SP, é professor na Faculdade São Luiz e Unifebe, em Brusque e Faculdade Sinergia, em Navegantes/SC e funcionário do TJSC, lotado no Forum de Itajaí/SC.

Carnaval e cinzas

José Francisco dos Santos

Mestre e doutor em Filosofia pela PUC/SP, é professor na Faculdade São Luiz e Unifebe, em Brusque e Faculdade Sinergia, em Navegantes/SC e funcionário do TJSC, lotado no Forum de Itajaí/SC.

Carnaval e cinzas

José Francisco dos Santos

Sou daqueles chatos contumazes que detestam carnaval. Não consigo compreender a graça de ser arrastado por um trio elétrico, aos berros, tentando mostrar uma alegria claramente forçada. Respeito, não obstante, quem faz disso uma grande brincadeira, e sabe se divertir sem se corromper.

Mas, há algumas décadas, a folia acabava na terça, dando lugar às cinzas da quarta, num ciclo que lembrava que a vida também exige recolhimento e reflexão. O que vem ocorrendo desde então é uma progressiva invasão dessa faixa delimitadora, acompanhada de uma involução educacional que relativizou os valores morais e fez fenecer o temor religioso, que ajudava a conter os ânimos e evitar que a vida descambasse num carnaval sem fim. Infelizmente esse processo tem sido muito bem sucedido.

O carnaval cada vez mais se revela uma fábrica de degradação que não respeita mais o calendário. É a época de ouro das “modelos” que fazem da nudez e da frivolidade seu meio de vida, inspirando meninas (cada vez mais jovens) que, na sua vestimenta, nos seus costumes e na sua mente vazia, transformam essa bizarrice em exemplo a ser seguido.

As cinzas da quarta fazem falta. Elas nos lembram que essa carcaça física e suas sensações são transitórias, que envelhecemos e voltamos ao pó, e o espírito sobreviverá daquilo que de superior formos capazes de desenvolver. Esse carnaval eterno, com seus blocos e micaretas que avançam os limites da quaresma, representa o estado de espírito de quem faz da própria vida um contínuo festim a Dioniso e Afrodite. Isso desequilibra a existência, aniquilando a consciência em busca do torpor contínuo do álcool, das drogas, das baladas, da irresponsabilidade e da incompetência em todas as outras áreas da vida.

Esse carnaval sem fim representa bem o espírito da nação brasileira. Aliás, é sugestivo que, na terra do jeitinho e da gambiarra, os desfiles das escolas de samba sejam um raro exemplo de pontualidade, organização e planejamento. Neste ano, aliás, com o financiamento do crime organizado, teve escola de samba apresentando a alegoria do ministro Sérgio Moro enjaulado e do presidente como palhaço (com direito a vaias da plateia). Tomara que a quarta nos encontre sóbrios e decididos a nos empenharmos na construção de uma vida que vá além da diversão e da frivolidade.

Se a sua religião tem cerimônia de cinzas, não deixe de participar. Se não tem, não deixe de se lembrar, mesmo sem o sinal exterior, de que somos muito mais que carne. Se você não tem religião, deixe que a voz da razão lhe inspire. Não faça da eterna extensão do carnaval a fonte do seu fracasso humano e espiritual.

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