Casa 3 – Solidão
Houve um momento em que era necessário caminhar com as próprias pernas. Sair da zona de conforto. Romper com os caminhos pré-concebidos. Não era muito fácil fazer isso, mas ela não tinha alternativa. Dentro de seu peito pulsava um coração que queria liberdade, diversidade. Não conseguiu ir muito longe…mas mudou de apartamento. Mesmo prédio, mesmos tijolinhos que lembravam uma prisão bem comportada. Outro andar e, nossa quando lembra, oito mulheres em um lugar de apenas três quartos. Ela foi. Descobriu-se curiosa nesse dia. Ou talvez iludida. Juntou seus parcos pertences, que juntos cabiam em uma pequena mala e uma mochila vermelha. Confinou-se em um quarto minúsculo, que dividia com outra moça, também estudante. De medicina, ou seja, raramente estava presente, pois já estava na fase dos plantões. Lembra ainda o nome dela, Ada. Lembra que ela tinha olhos grandes e um sorriso eternamente cansado. Hoje deve ser uma ótima médica, pois tinha afeto e coragem. Foi um momento incrível, de descoberta de si. Alimentava-se com sardinha em lata e sopa maggi, aquela de arroz. O resto da parca mesada que recebia gastava nos bares. Ah, e adorava os bares…um em especial, onde se juntava gentes de toda espécie, desde intelectuais (normalmente professores de seu curso universitário de Ciências Sociais), até prostitutas. O bar fervia de assuntos nunca antes conversados, novos amigos começaram a criar raízes. Cada vez afastava-se mais do seu mundinho ideal de cidade do interior. Aprendeu a viver sozinha. Não tinha que dar satisfação a ninguém. Voltava para aquele quarto no final do corredor, sempre de madrugada e já alcoolizada. Não chegava a ver se Ada dormiria em casa ou não. Era visita em sua própria casa. Foi por essa época que começou a se interessar mais arduamente pelas artes, as cênicas, as danças. Envolvia-se em grupos de teatro e dança e ensaiava, e discutia, e lia o mundo em suas idiossincrasias com olhos de poeta. Mas naquela casa, onde as moças eram estudantes de advocacia, contabilidade, engenharia…não havia conversa que ilustrasse ou alimentasse suas recém descobertas. O sonho estava na rua, no descompasso assombroso que ela oferecia. Livre, solitária e livre, como uma menina a ponto de tornar-se mulher.
Sílvia Teske – artista