Catarinense traficado para Israel encontra família biológica após 30 anos

Lior foi levado para o outro país ainda bebê e descobriu ser de Joinville já adulto

Catarinense traficado para Israel encontra família biológica após 30 anos

Lior foi levado para o outro país ainda bebê e descobriu ser de Joinville já adulto

Sequestrado com poucos dias de vida, Lior Vilk, de 38 anos, foi levado para Israel, onde foi adotado por uma família de Rehovot, cidade a 20 quilômetros de Tel Aviv. Até 2023, Lior não sabia que era joinvilense ou quem era a mãe biológica. A busca dele por respostas começou aos 20 anos, logo após sair do exército de Israel.

Atualmente morando em São Paulo, Lior chegou ao Brasil pela primeira vez em 2012, aos 27 anos. Pouco tempo mais tarde, conheceu a família biológica paterna, que mora em Blumenau. Mas foi só em 2023 que teve a certeza de quem era a mãe e do lugar onde nasceu.

Pela primeira vez na vida, Lior soube onde começou a própria história, em setembro de 1985, no Hospital e Maternidade Darcy Vargas de Joinville.

Lior no primeiro ano de vida em Israel/ Foto: Arquivo pessoal/Reprodução

Lior no primeiro ano de vida em Israel/ Foto: Arquivo pessoal/Reprodução
Entretanto, até descobrir isso, ele e a família de criação se depararam com a dura verdade sobre a vida do joinvilense. Lior foi sequestrado, teve uma certidão de nascimento e passaporte falsificados e até o nome da mãe foi trocado por de outra mulher. Para descobrir a própria verdade, Lior entrou em um banco de DNA.

Brasilidade descoberta

Lior na primeira vez que veio ao Brasil | Foto: Arquivo pessoal/Reprodução

Lior teve uma infância comum em Israel. “Sou branco de olhos azuis, minha mãe também é branca de olhos verdes, então ninguém nunca me perguntou se eu era adotado”, explica o joinvilense. Entretanto, aos 6 anos, estava na casa um colega e decidiu ir ao banheiro. Do outro cômodo ele ouviu uma conversa entre um amigo e a mãe.

A mãe desse amigo comentou que a mãe de Lior não era a mãe de verdade dele. Apavorado e confuso, Lior lembra que fugiu dali e correu para casa. “Chorei um monte e minha mãe me contou que eu tinha duas mães. Fiquei muito feliz, imagina, todo mundo tinha uma mãe e eu tinha duas”, recorda Lior.

Já na adolescência, Lior começou a demonstrar interesse pelo Brasil. “Eu lembro de um livro que vi sobre a produção do Fusca no país, foi a primeira coisa que eu soube do Brasil”, conta o joinvilense. Naquela época, ele descobriu sobre a língua falada no país, onde fica e outras informações gerais sobre o Brasil. “Fiquei curioso, mas essa curiosidade veio e foi embora, nada que me acompanhou”, explica.

Identidade sequestrada

O tempo passou, Lior cresceu e foi servir no exército. Quando saiu da corporação aos 20 anos, decidiu emitir passaporte europeu, foi quando encontrou a primeira peça que não encaixava na sua história. O advogado que estava cuidando dos trâmites questionou o motivo para Lior não ter renovado o passaporte brasileiro. “Ele me contou que eu era cidadão brasileiro”, lembra Lior.

Lior com a família de criação em Israel | Foto: Arquivo pessoal/Reprodução

O advogado pediu uma cópia dos documentos brasileiros, onde Lior descobriu o nome da suposta mãe biológica. “Aí que veio a grande vontade de conhecer a família biológica, uma sensação que não me largou, nem de dia, nem de noite”, conta.

Entretanto, a jornada pela própria história estava apenas começando. Foi constatado que os documentos de Lior eram todos falsos. Em conversa com um amigo brasileiro também adotado por uma família de Israel, o joinvilense foi orientado a procurar quem era o responsável pela adoção dele.

Embora não faltasse vontade, Lior não teria como descobrir quem realizou os processos da adoção, pois os pais dele o esperaram no aeroporto de Israel. “Eu cheguei neles e falei que os documentos de adoção são falsos. Eles ficaram em choque total, pois sabiam que estavam facilitando o processo de adoção, não sabiam que se tratava de tráfico”, conta Lior.

Com ajuda do amigo brasileiro, que também foi um bebê sequestrado para Israel, Lior começou a buscar mais respostas. Em 2008 decidiu aprender português e começou a se conectar com outros brasileiros.

Banco de DNA

Captura de tela do aplicativo do banco de DNA de Lior | Foto: Arquivo pessoal/Reprodução

Como os pais de criação não tinham informações sobre sua origem, Lior decidiu entrar em um banco de DNA. Em 2016, o banco designou uma prima de segundo grau, uma brasileira que morava na Alemanha. “Entrei em contato com ela, o nome dela é Cristina, ela se comoveu e compartilhou comigo a árvore genealógica dela”, explica Lior.

Um dos tios-avôs de Cristina é o avô de Lior por parte de pai. Meses mais tarde, Lior foi designado como primo de segundo grau de Juliana, da Itália. Fizeram o mesmo trajeto com a árvore genealógica dela. “Um dos irmãos da avó dela é meu avô”, conta ele.

Com a ajuda de um grupo de voluntários, Lior localizou os filhos da família do avô. Rosa, que até aquele momento poderia ser tia ou meia-irmã, decidiu fazer o teste de DNA. Aos 62 anos, Rosa e Lior acreditaram que se tratava de uma relação de tia e sobrinho por conta da diferença de idade entre os dois.

Arquivo pessoal/Reprodução

Quando o resultado chegou, um novo choque, Rosa é irmã. “Ela falou: gostei mais como sobrinho, mas como irmão, amo também”, lembra Lior. O pai deles, já falecido, teria engravidado a mãe dele aos 63 anos. Ao todo, por parte de pai biológico, Lior tem 13 irmãos. Foi em 2018 que ele decidiu viajar para Blumenau e conhecer a família.

“Em Israel tenho duas irmãs e sou o maior. Aqui sou o caçula. De repente tenho uma irmã com 62 anos. Parte dos meus sobrinhos tem netos. Eu tenho 38 anos e sou tio bisavô”, conta chocado.

Procura pela mãe

Lior e Dani, responsável pelo grupo de Facebook “busco minha família” | Foto: Arquivo pessoal/Reprodução
Ao longo dos anos, Lior se conectou com diversos grupos de adotados em busca da família biológica. Ele pode ajudar diversos israelenses a conversar com as famílias brasileiras, pois fala português. “Conheci todo o litoral de Santa Catarina”, conta.

Foram anos viajando para o Brasil para encontrar a família dos outros. Aos poucos perdeu a esperança de ter a mesma sorte. Até que uma amiga de Lior, que administra um grupo de Facebook de adotados, encontrou Dene neste ano e contou a história do amigo.

“A Dene foi me procurar nas redes sociais e começamos a conversar e após eu contar pra ela minha história, ela tinha certeza que eu sou sobrinho dela”, explica Lior. Dene então organizou um teste de DNA com a irmã Adelina. “Um mês depois a Dene me liga por câmera e ela tava com lágrimas nos olhos e ela falou para mim ‘você é meu sobrinho’. Eu quase caí para trás”, lembra Lior.

Dene e Lior | Foto: Arquivo pessoal/Reprodução

A sensação foi indescritível, segundo Lior. Anos antes ele sequer sabia o real nome da mãe e agora podia entrar no aplicativo do banco de DNA e encontrar o nome Adelina Correa, mãe 100%.

“Eu corri metade da minha vida atrás disso, eu já perdi esperança, e ver isso, meu deus, parece que Deus decidiu resolver a história da minha vida”, conta emocionado.

O encontro com a mãe

Depois da confirmação, ele e Dene começaram a planejar o encontro com Adelina. “Quando fiz essa viagem para Joinville, primeiro conheci a minha tia, foi muito estranho. Somos parecidos, ver ela cara a cara foi uma experiência, tipo, mostra suas mãos, eu nunca vi que tinha mãos iguais, alguém que tinha a minha altura, meus lábios, toda a família tem essa testa enorme, foi muito emocionante, eu conheci a minha prima que é muito fofa”, recorda.

No primeiro semestre de 2023, Lior chegou na praça de Joinville onde marcaram o encontro. Adelina já estava lá, aguardando sentada. “Conhecer a mãe biológica foi um momento que senti que estou perdendo o chão debaixo dos meus pés”, conta.

Quando os dois se viram pela primeira vez, Lior entrou em uma espécie de choque. “A primeira coisa que passou na cabeça foi ‘é assim que os outros adotados sentiram quando os casos deles foram concluídos’”, lembra.

Para ele, a sensação foi de libertação, como se tivesse nascido novamente, uma “nova chance”. “Vi fotos da mãe biológica antes do encontro e ela não era parecida para mim. Na hora que cheguei lá, olhando cara a cara, meu deus, somos parecidos”, diz emocionado.

Conforme Lior, Adelina pediu desculpas por não criar ele. “Ela me explicou que o pai dela falou para ela não voltar com uma criança pra casa”, conta. Na época, Adelina tinha 24 anos.

Meses depois, Lior já guarda lembranças de quatro encontros com a mãe. Além disso, organizou uma grande festa com a família paterna e materna, na casa da tia Dene.

Dene (à esq.), Analice, irmã materna, Elisandra, sobrinha paterna | Foto: arquvio pesssoal/Reprodução

Futuro

Os próximos passos de Lior incluem abrir um negócio no Brasil, no ramo alimentar, e buscar justiça pelos bebês traficados para Israel nos anos 80. Para ele, os responsáveis nos hospitais, cartórios e judiciário devem pagar pelas injustiças que cometeram com essas pessoas.


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