“Cenário devastador”: voluntários de Brusque e região relatam desafios em meio à tragédia no RS
Diversos moradores, entre empresários e agentes públicos, deslocaram-se ao estado nos últimos dias para auxiliar as vítimas
A tragédia que assolou o Rio Grande do Sul mobilizou voluntários de todos os cantos do Brasil. Na região de Brusque, diversas pessoas se organizaram, tanto para recolher doações quanto para ir ao estado gaúcho dar apoio nos resgates e no acolhimento das vítimas.
O brusquense Tiago Taquini, de 37 anos, que hoje mora em Porto Belo, foi ao Rio Grande do Sul no dia 6 de maio. Durante esse período, ele atuou por cinco dias no resgate e, agora, está há três dias na logística e no hospital veterinário.
Ao chegar ao estado, ele foi para Porto Alegre e depois seguiu para Eldorado, Ilha das Flores e, atualmente, está em Canoas. Lá, encontrou uma veterinária brusquense que também ajudava as vítimas, após reconhecer o sotaque da região.
Para responder à reportagem, Tiago aproveitou os poucos momentos de pausa, como quando aguardava a escolta para passar por áreas alagadas. Os dias são exaustivos, principalmente para se locomover entre os pontos inundados.
“A gente vê muitas cenas tristes aqui. É um cenário de guerra, com bairros inteiros devastados. Hoje, estou em Mathias Velho, em Canoas, ajudando. O bairro está todo debaixo d’água”, relata.
Além disso, Tiago aponta que há muitos animais abandonados, lugares devastados e grande demanda de necessidades. Ele desabafa que o poder público traz dificuldades na logística de alimentos e materiais.
“Dificultam, pois precisa registrar. Muita burocracia. Tem que ter cuidados nas distribuições, mas fica devagar”, diz. “Contudo, [o poder público] não mediu esforços em disponibilizar abrigos, nessa parte está bem bacana”, completa.
Entre os primeiros a chegar
O empresário brusquense Luciano Hang, dono das lojas Havan, viajou para dar apoio ainda em 2 de maio e foi um dos primeiros a chegar ao Vale do Taquari. Inicialmente, ele auxiliou a região e, em seguida, colaborou na Grande Porto Alegre.
“O nosso pessoal teve muita dificuldade de chegar, devido ao mau tempo. Tempestade, muita neblina e chuva. A água continuava a subir, alagando ainda mais a região e trazendo dificuldades. Já se passaram mais de dez dias e as pessoas ainda precisam ser ajudadas”, conta.
No Vale do Taquari, os acessos eram apenas de helicóptero. “Inclusive, em Lageado, que foi a cidade para onde enviamos os helicópteros, também era acessada apenas pelas aeronaves”, diz.
“A vista que nós temos é de destruição total, é uma zona de guerra. Nunca vimos nada igual. O rio Taquari ultrapassou os 30 metros. Pelo volume e a velocidade, a água levou tudo o que tinha pelo caminho. Levou casas, fábricas e comércio, como um tsunami”, aponta.
Por lá, Luciano Hang ouviu diversos relatos de socorristas, como pessoas que estavam há uma semana sem fazer hemodiálise ou sem tomar um remédio para o coração, de uso contínuo. “Os nossos helicópteros ajudaram, principalmente, nos primeiros socorros. Transporte de itens básicos, como água, alimento e transporte de passageiros com problemas de saúde. Tudo o que você pode imaginar”, detalha.
A Operação Havan contou com quatro pilotos de aeronaves, um mecânico e um resgatista voluntário. No total, foram mais de 400 pousos e decolagens. Isso contribuiu com o transporte de mais de 12 toneladas de alimentos por aeronave, transporte de mais de 400 pessoas e de várias cargas de medicamentos.
“Vi os nossos, lá da loja [Havan], perderem tudo. Vi bombeiros voluntários querendo ajudar e não terem como. Agora, a segunda fase é ver como essas pessoas vão recomeçar as suas vidas”, ressalta.
Hora de ajudar
Sobre a solidariedade vista, Luciano Hang relata se sentir feliz por presenciar um grande volume de pessoas que foram ao RS ajudar. “O brasileiro é solidário e voluntário. Vi lá toda uma sociedade engajada a ajudar”, inicia.
“Não é a hora de polemizar e nem politizar, é hora de erguer a mão e ajudar. Vi lá, tanto os governos municipal, estadual, federal, quanto o Exército, Marinha e Aeronáutica, vi a população, empresários e pessoas humildes ajudando outras pessoas. Talvez tenhamos vivido uma das maiores tragédias do nosso país. Noto que todo mundo se uniu para ajudar o povo gaúcho”, comenta.
Após conversar com as comunidades e levantar as principais necessidades, Luciano aponta que a Havan deve ajudar a população local por meio do Troco Solidário e com recursos da própria empresa.
Neste sentido, é previsto um voucher de determinado valor, pelo qual as vítimas poderão comprar aquilo de que precisam para recomeçar a vida.
A ação deve contar com o apoio de clubes de serviços, como o Lions e o Rotary, além de outras entidades que estão no local ajudando as vítimas, mas devem prosseguir com o cadastro dos desabrigados. “Vamos ajudar as pessoas a reconstruir vidas. Pessoas perderam tudo e, para elas, daremos valores e ajuda para recomeçarem”, afirma.
Fé guabirubense
Uma excursão de solidariedade partiu de Guabiruba na noite de terça-feira, 14. A iniciativa é da Colombi Turismo, que organizou a viagem em um ônibus da empresa.
O empresário brusquense Diego Colombi explica que a ideia é auxiliar na reconstrução das cidades atingidas pelas inundações, seja nos abrigos ou na limpeza das casas dos mais necessitados. “Também há enfermeiros que foram junto, ajudarão em tudo o que for preciso. O grupo retorna no domingo, 19”, informa.
Diego explica que a empresa entrou em contato com a Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de Guabiruba, que, por sua vez, entrou em contato com o bispo Dom João Francisco Salm, da Arquidiocese de Novo Hamburgo. Assim, o grupo conseguiu hospedagem no Seminário Diocesano Maria Auxiliadora, em Dois Irmãos.
“A gente divulgou no sábado, 11, à noite, e no domingo à tarde não tinha mais vaga. Completamos um ônibus. Como teve essa grande repercussão, ao invés de fazer apenas uma excursão, mudamos de ideia e voltaremos com o ônibus vazio para Santa Catarina e, no sábado, 18, levaremos mais um grupo”, conta Diego, que deve acompanhar a segunda excursão.
Trabalho a perder de vista
Nesta primeira excursão solidária da Colombi Turismo está a moradora de Guabiruba Jociane Nunes Ferreira Battisti. A empresária explica que o grupo foi dividido em três, conforme as necessidades. Porém, a situação pode mudar de acordo com as circunstâncias. Por exemplo, nesta quarta-feira, 15, mesmo com sol, as águas começaram a subir novamente na região.
“Então, 16 homens foram para a linha de frente da equipe de limpeza em São Leopoldo. Eles foram para áreas bem atingidas e acharam que iam conseguir ajudar, mas estão sendo trazidos para cá. Aqui estamos em 15, descarregando uma carreta em um centro de distribuição de uma empresa. Aqui temos alimentos, água e roupas, que estamos separando para depois começar o trabalho de divisão. Outra turma de 11 mulheres foi ajudar a fazer alimentos em um centro de distribuição de marmitas. Duas pessoas ficaram no seminário organizando o que levamos de doação”, detalha.
Jociane detalha que, em Novo Hamburgo, lugares altos não foram atingidos e são espaços onde estão os voluntários. “O padre nos falou que a cidade está bem inundada, com áreas sem acessos. As famílias estão em casas de parentes, abrigos ou em comunidades onde a água não chegou, mas estão ilhadas”, diz.
“É muito trabalho. O que mais estão precisando é de alimentos e cestas básicas. Não tem comida, tem muita roupa e água e pouca comida. Faltam produtos de higiene e limpeza. Também precisamos de mais pessoas para ajudar aqui, faltam voluntários”, completa.
Ajuda de São João Batista
Além das doações de donativos, que superam as 57 toneladas, e de maquinários, São João Batista também enviou voluntários para o Rio Grande do Sul. Entre eles, está o coordenador da Defesa Civil do município, Kleber de Moura.
Ele foi ao estado já no dia 2 de maio. “Ficamos por seis dias e depois voltamos para a revisão da aeronave e retomamos com mais equipe. Uma equipe foi levada com apoio de um jato Havan, que inclui dois operadores de drone e uma técnica de enfermagem, para auxiliar Bento Gonçalves”, detalha.
Kleber explica que a equipe de drone, que trabalha na Defesa Civil batistense, faz imagens para busca de corpos e pessoas desabrigadas, além de registros para mapeamento de risco para análise de geólogos. Já a profissional de saúde auxilia nos atendimentos necessários no município.
Outra equipe saiu na segunda-feira, 12, de São João Batista. Nela, está um agente da Defesa Civil de Nova Trento, mais agentes batistenses e um policial militar de Bombinhas. Eles partiram por terra para auxiliar o município de Canoas.
Por lá, Kleber deu apoio em resgates de alto risco, ou seja, resgates de difícil acesso, inclusive para uma aeronave. “Eu atuo por todo o estado em resgates, juntamente com um helicóptero privado, do empresário Rafael Carrard, o qual é o piloto da aeronave, com mais dois colegas do Grupo Especialista em Resgate de Alto Risco, o Gerar, de Jaraguá do Sul”, diz.
Em apenas um dia, a equipe voou por quase 12 horas. O que eles viram foi impactante. “É um cenário catastrófico, algo que nunca vi em nenhuma missão que eu atuei até hoje, sendo que atuo desde 2008. Nada se compara com 2008, Brumadinho ou outro evento. É um desastre de magnitude que destruiu um estado”, finaliza.
Defesa Civil em ação
Quatro representantes da Defesa Civil de Brusque chegaram na manhã desta terça-feira, 14, em Eldorado do Sul. Eles estiveram durante manhã em uma reunião no Gabinete de Crise instalado na cidade.
“Há ruas alagadas, mas foi tranquilo para chegar. Entre 80% a 90% da cidade está alagada, demora muito mais para a água descer. Há muitas pessoas desabrigadas e estamos auxiliando no levantamento e nos mapeamentos, na sala de crise”, detalha o coordenador da Defesa Civil do município, Edvilson Cugik.
A ideia da comitiva inicialmente é contribuir com as experiências já vivenciadas em eventos climáticos de Brusque, sobretudo nas estratégias de enfrentamento da situação de calamidade pública do município gaúcho. Eles devem retornar no domingo, 19.
Números da tragédia
Conforme o boletim da Defesa Civil do RS, divulgado ao meio-dia desta quarta-feira, 15, a chuva causou 149 mortes. Pelo menos 806 pessoas se feriram. Há pelo menos 108 desaparecidos. O RS tem 538,2 mil desalojados e 76,5 mil pessoas em abrigos.
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