Quase 300 espécies de animais, entre mamíferos, aves, répteis e peixes, vivem no local
Mamíferos são destaque no ecossistema da RPPN, sobretudo pela presença de pelo menos três espécies raras: o gato-do-mato-pequeno, o gato-maracajá e a lontra
Localizada no coração de Brusque e único Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica de Santa Catarina, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Chácara Edith será tema de cinco reportagens especiais do Município Dia a Dia. Cada uma delas tratará de pontos específicos do local. A matéria de hoje, que inaugura a série, aborda a história da RPPN.
Escondido entre as plantas com uma câmera digital em punho, o biólogo Felipe Moreli Fantacini, neto dos proprietários da Chácara Edith, presencia e capta imagens raras para preencher os arquivos da RPPN. Do outro lado da lente, movimentando-se com a agilidade própria da espécie, o protagonista percebe a presença do visitante e hesita em avançar os passos que ainda restam. A meta, para ele, é pegar o alimento que está posicionado estrategicamente fora da mata.
Como a visão não é das melhores, o olfato entra em ação para tentar verificar se o humano oferece riscos ou não. Para cheirá-lo, o animal balança a cabeça para cima e para baixo e também em movimentos circulares. Após alguns segundos realizando os mesmos trejeitos, ele percebe que nada irá lhe acontecer e, rapidamente, dá os passos que restam, pega o alimento e mergulha novamente na mata.
O personagem principal da gravação é uma irara – espécie semelhante às lontras, com corpo esguio e pescoço, rabo e pernas alongadas. A diferença é que a irara é um animal majoritariamente terrestre enquanto a lontra passa boa parte do tempo em ribeirões.
A gravação de Fantacini integra os arquivos obtidos tanto manualmente quanto por meio de armadilhas fotográficas em partes de extensões da Chácara Edith. Além da irara, outras espécies que vivem no local também já foram flagradas pelas câmeras. Ao todo, o espaço abriga quase 300 espécies diferentes de animais. Todas catalogadas no Plano de Manejo divulgado em 2011.
Embora com menos espécies em relação às aves – líderes do ranking -, os mamíferos são destaque no ecossistema da RPPN, sobretudo pela presença de pelo menos três espécies raras: o gato-do-mato-pequeno, o gato-maracajá e a lontra.
De acordo com o plano de manejo, o monitoramento da mastofauna da Chácara Edith iniciou em 2006, por meio do uso de uma armadilha fotográfica associada ao uso de chamariscos. Em 2008, o número de equipamentos subiu para quatro.
“Logo nos primeiros dias que colocamos as armadilhas em campo registramos muitos animais, como cachorros-do-mato, quatis, iraras, tatu-galinha e mão-peladas, com o passar dos meses fomos tendo muitas surpresas, às vezes, conseguíamos três e até quatro cachorros-do-mato numa mesma foto e um dia chegamos a contar 42 quatis em uma única foto”, lembra Fantacini.
Apesar de comuns atualmente na cidade e também na Chácara Edith, as capivaras apenas foram registradas pela primeira vez na RPPN em 2007, através das lentes das armadilhas fotográficas.
“O primeiro registro de capivara foi uma das maiores surpresas. Antes de 2007 não tinha registro de capivara na reserva e por um bom tempo ficamos monitorando elas por fotos, sendo que as fotos foram se tornando mais frequentes até que elas começaram a aparecer na lagoa e hoje já existe uma população residente”, explica o biólogo.
Quase 300, para o biólogo e responsável técnico do Parque Zoobotânico de Brusque, Rodrigo de Souza, é um número expressivo de espécies. Para analisar os animais, Souza não se restringe apenas à quantidade, mas também à representatividade deles em listas de vulnerabilidade de órgãos estaduais e até internacionais, como a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).
Caça
Atualmente, as espécies que são registradas com maior frequência pelas armadilhas fotográficas são o cachorro-do-mato e a capivara. Por outro lado, o gato-do-mato-pequeno e o gato-maracajá não são captados há mais de oito anos. Também não aparecem mais a lontra, o gato-mourisco e o tatu-de-rabo-mole.
“Esse não aparecimento das espécies pode preocupar. Porque quanto mais preservado o ambiente é, mais espécies há. O sumiço da lontra é preocupante. Nós estamos tentando captar ela nos mesmos locais que ela apareceu, mas nada ainda”, lamenta a bióloga da Prefeitura de Brusque que trabalha na RPPN, Gisele Buch.
Uma das possibilidades para explicar o desaparecimento da lontra é a caça. O problema ainda é recorrente na RPPN. Segundo um dos proprietários, Wilson Moreli, às vezes é possível escutar barulhos de tiro.
“Os caçadores buscam animais como a cutia, o tucano, a aracuã, para comer e vender. Isso é um cultura europeia que veio para cá e que muita gente continua. É um prazer para eles. E não temos como impedir isso. Porque a chácara é muito extensa”, lamenta Moreli.
Aves migratórias
Além de abrigar as espécies que vivem na região, a Chácara Edith também é ponto de parada de aves migratórias, como a marreca irerê. De acordo com o biólogo do Zoobotânico de Brusque, os animais procuram a RPPN para se reproduzir ou para descansar.
“Se por acaso a chácara deixasse de existir, o impacto não seria causado apenas aqui, mas também em outros estados e até países. É preciso ter um olhar mais amplo para essas questões. As espécies passam aqui para se alimentar e depois seguem viagem. Se não tiver a chácara, não vão ter como reproduzir e vai causar impacto gigante na região de origem”, avalia Souza.
Recuperação do animais
Desde 2000, a RPPN Chácara Edith também tem função de auxiliar na recuperação de aves. Animais feridos ou mal nutridos chegam aos local oriundos de apreensão da Polícia Militar Ambiental ou da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Fundema) e recebem tratamento para retornar à natureza.
Outro trabalho desenvolvido é a soltura de animais que recebem tratamento no Parque Zoobotânico de Brusque. Após tratadas no local, espécies de mamíferos, de aves e até de répteis são libertadas em algum dos 415,79 hectares da RPPN.
Especial Chácara Edith
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