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A Cicatriz de Marilyn

Pensar as interrupções, os cortes. Entender a fissura, a cicatriz. Perseguir o ponto de desiquilíbrio. O limite entre as instâncias, as duas margens do mesmo rio.  Percorrer a narrativa que em espanto e beleza, tenta reparar, suturar: o corpo, o texto, a experiência, a imagem.  Em uma obra que se compõem e decompõe “fisiológica, físico-química, desértica”.  Trata do vão, do oco da linguagem, do sem fundo. Às vezes, de uma instabilidade que a língua não pode dar conta.

A cicatriz de Marilyn, tal qual, de Ulisses.

No fazer poético, a ama reconhece todos os dias o seu patrão, pela cicatriz em sua perna. O reencontro se dá na interrupção. Nenhum contorno se confunde. Vazio signíco do buraco. Marcas, do corpo, do texto. Do corpo-texto. Como no escudo de Aquiles. O corpo, como relação com o mundo. Trazer o “visível”, a travessia entre os sulcos da pele, forjados a fórceps para a poesia. Manifestação do eu simbólico, do horror, do (des)amor, do sublime. Um coração a nu.  Puerilmente honesta.

Ofício, afazer, função reparadora. Costura. Como em “a cabeleira”, se bebe o vinho da saudade e se está comendo recordações. Nenhuma distinção entre escritor e escrito.  …“buraco fundo, onde seu corpo todo seu corpo é corpo-buraco”… Sim, o drama: existencial, corporal. A materialidade do abismo, da ausência, do fim. Tensão da letra. Noticia, comunica.

Eis, Ulisses!


Méroli Habitzreuter
– escritora, pintora e ativista cultural