Circo Corsini e o Palhaço Candeia
Tenho saudade dos meus tempos de criança, na arquibancada de um circo. Tinha seis anos quando assisti ao primeiro espetáculo. Um circo mambembe, sem trapézio, sem leão nem elefante, muito menos globo da morte, que só funciona com motocicleta, ave rara por aquelas bandas do esquecimento e da solidão. Um circo tão pobre que, sem […]
Tenho saudade dos meus tempos de criança, na arquibancada de um circo. Tinha seis anos quando assisti ao primeiro espetáculo. Um circo mambembe, sem trapézio, sem leão nem elefante, muito menos globo da morte, que só funciona com motocicleta, ave rara por aquelas bandas do esquecimento e da solidão. Um circo tão pobre que, sem lona nem arquibancada, armou o picadeiro na sala de uma velha casa.
Não lembro mais como a trupe de “artistas” chegou a Tijuquinhas, localidade próxima a Biguaçu. Hoje, quase um bairro dessa cidade, à época, uma distância de mais de hora para lá chegar. Se, de canoa, pelo mar ou de carroça, por uma estrada onde caminhão e automóvel mal conseguiam transitar naquela paisagem de tristeza, isolada da vida urbana. Mas, lá chegou para alegrar a alma daquela gente humilde e do trabalho duro.
Nunca esqueci aquela apresentação circense marcada pela simplicidade, à luz fraca e tremida de candeeiros, porque luz elétrica era privilégio de gente da cidade. Ainda guardo na memória a figura daqueles artistas pé no chão, em meio à penumbra do Circo Corsini, com seu guarda-roupa de chita amarrotada, rasgada, que não conhecia o luxo do cetim, da lantejoula nem da purpurina.
Não mais que meia dúzia, os artistas foram se revezando no improvisado palco para exibir seus números de pura pobreza artística. Tinha o equilibrista sobre uma corda, tão grossa que facilitava a performance e o malabarista a manejar três ou quatro pequenas bolas. Tinha o cão com um chapéu na cabeça, a pular e descer da cadeira sob o comando do adestrador, o jovem de calça curta, a fazer simples piruetas em volta do salão e a se exibir de pernas de pau.
Ao final do espetáculo, uma jovem artista vestindo um surrado maiô, meias de rede compridas, já furadas, desfilou equilibrando-se sobre uma grande bola pintada de azul-celeste e estrelas brancas. Então, o pequeno e quase nada exigente público aplaudiu a grande estrela do grupo, como se fosse a maior artista de um mundo com fronteiras pouco além dos seus quintais. Na verdade, aquela gente simples só conhecia aqueles artistas de aldeia, sem espaço no mundo da sofisticada arte do circo de lona colorida e picadeiro iluminado das cidades.
Hoje, sinto que a figura do palhaço Candeia foi a que mais me marcou. Maltrapilho, cara pintada de branco e preto a carvão, com umas listas encarnadas, casaco e calça esfarrapados, na cabeça um chapéu de palha todo amassado, nos pés um rústico chinelo de pano. Nem parecia um palhaço. Mesmo assim, conseguiu fazer rir aquela gente humilde, de coração ingênuo, que também merecia vivenciar efêmeros e ilusórios momentos de alegria, de magia e de fantasia.
Segunda-feira, 10, foi o Dia do Palhaço. Por isso, dedico esta crônica ao Palhaço Candeia, que já deve ter partido desta vida de tristeza.