Colônias que foram transmudadas em nossa Brusque

Colônias que foram transmudadas em nossa Brusque

 

Por Paulo Vendelino Kons

É feliz quem gosta de se lembrar de seus ancestrais, que fala com alegria de seus feitos e de sua grandeza e quem, no final da bonita fila, vê colocado, silenciosamente, o seu próprio nome.(Johann Wolfgang von Goethe)

A memória e o conhecimento da própria história, além de instigar nossa atitude crítica perante a vida e nós mesmos, são patrimônios singulares e muito preciosos de uma comunidade. São formadores da matéria-prima essencial e insubstituível à construção do amanhã.

A consciência do que fomos e do que somos é que nos permite, dia a dia, moldar o que seremos, ou do que poderíamos vir a ser. Assim entendemos relevante deixarmos os “fatos falarem”, ressaltando o traço humano nos episódios históricos e  compartilhamos do pensamento do teólogo Dietrich Bonhoeffer (enforcado pelos nazistas) de que “o respeito pelo passado e a responsabilidade pelo futuro dão à vida a direção certa”. E com esta compreensão recebi, do emérito historiador Ayres Gevaerd, há exatos 30 anos, a incumbência de anualmente escrever um artigo no transcurso da Semana de Brusque. Assim, com zelo filial, cumpro a determinação de Gevaerd desde 1989.

Anterior à chegada do barão austríaco Maximilian von Schneéburg, liderando 55 imigrantes alemães, que instalaram a colônia Itajahy em 4 de agosto de 1860, a região já se encontrava habitada. Dos registros existentes, não muitos, temos a informação de que Pedro José Werner (próximo a atual Praça Vicente Só), Franz Salenthien (proprietário de engenho na Limeira) e Paulo Kelner (proprietário de engenho de serra em Pedras Grandes) constituíam-se nos principais latifundiários na margem direita do rio Itajaí-Mirim.

A população da colônia Itajahy, com seu território compreendendo porção sul de Gaspar, Guabiruba e margem esquerda de Brusque, nos seus primeiros anos foi constituída basicamente de imigrantes alemães e, em 1866, era composta por 1.333 habitantes.

Em 10 de março do ano da graça do Senhor de 1867, o bacharel inglês dr. Barzillai Cottle, por nomeação de Sua Majestade Imperial D. Pedro II, liderando 98 imigrantes de língua inglesa, vindos, em sua maioria, dos Estados Unidos, fundou a Colônia Imperial Príncipe Dom Pedro, na confluência do ribeirão Águas Claras com o rio Itajaí-Mirim e território dos atuais municípios de Botuverá, Vidal Ramos, Nova Trento (atingindo até o bairro Krecker, em São João Batista) e margem direita de Brusque.  A determinação para criação da Colônia Príncipe Dom Pedro consta no Decreto Imperial assinado em 16 de janeiro de 1866.

Nos anos de 1867 a 1869, a colônia Príncipe Dom Pedro recebeu outros 1.043 imigrantes, na sua grande maioria de língua inglesa.

Sesquicentenário da Imigração Polonesa no Brasil: O êxodo dos colonos de língua inglesa da Colônia Imperial Príncipe Dom Pedro é constante em 1869. Causou forte impacto na Província a saída do grupo integrado pelo mexicano Alberto Pinzon e sua esposa e dos ingleses Margareth Boewen, Catharina Connely e Patrick Fitzgerald, para destino ignorado pelas autoridades.

Então imigrantes de outras nacionalidades passaram a ser encaminhados pelo Poder Público para a Colônia Imperial Príncipe Dom Pedro. Assim chegaram os 94 primeiros poloneses que emigraram para o Brasil: as 16 famílias originárias da aldeia de Siolkowice, da Alta Silésia, região que se encontrava sob o domínio da Prússia, em agosto de 1869. Foram recepcionados pelo Diretor da Colônia, Barão Friderich von Klitzing. Para instalar os pioneiros poloneses no Brasil, Klitzing solicitou recursos da ordem de 7:894$500. Os poloneses foram estabelecidos na linha intermediária de Sixteen Lots, na região do ribeirão Cedro Grande e ribeirão do Ouro.

No primeiro ano da colonização polonesa na Príncipe Dom Pedro, entraram na  Colônia 146 poloneses. De agosto de 1869 a setembro de 1871, foram batizadas seis crianças pelo padre Alberto Francisco Gattone. O primeiro batizado de poloneses, na região, foi assim registrado pelo padre Gattone, no Livro dos Batizados: “Certidão de Nascimento – No dia 14 de novembro de 1869 baptizei e puz os santos óleos à innocente Izabela Kokot nascida no dia 12 de novembro de 1869 na Colônia Príncipe Dom Pedro, filha legítima de Philippe Kokot e de Izabella Gebur, neto paterno de Jacob Kokot e de Agnes Kannia, neta materna de Johann Gebur e de Francisca Pampuok, serão padrinhos Thomas Sinovski e Justina Prudlo, in fide parochi o Pe. Alberto Francisco Gattone, 14 de novembro de 1869” (in livro dos Batizados: Brusque 1869/1876 – registro número 55, página 11).

As colônias Itajahy e Príncipe Dom Pedro foram administrativamente unificadas em 6 de dezembro de 1869, após a saída da quase totalidade dos imigrantes de língua inglesa.

As terras eram pouco propícias para o cultivo agrícola e os poloneses passaram a abandonar a Colônia, liderados por Sebastião Edmundo wos Saporski e pelo padre Antônio Zielinski. A grande debandada de poloneses precursores deu-se em julho de 1871, transmigrando para Pilarzinho, em Curitiba.

Vênetos, lombardos e trentinos: A partir de 1875 se estabeleceram no território das colônias Itajahy e Príncipe Dom Pedro mais de 11 mil imigrantes de língua italiana, dentre eles Amábile Lúcia Visintainer (Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus). Os vênetos e lombardos integrados ao Reino de Itália e os trentinos súditos da Franz Joseph, o imperador da Áustria e rei da Hungria, Croácia e Boêmia, carinhosamente chamado pelos falantes de língua italiana de Nova Trento de ‘Ceco Bepe”.

Tecelões de Lodz: Imigrantes chegados a partir de 1889, de antiga região industrial na Polônia, os “tecelões de Lodz”, como são chamados, contando com a liderança do imigrante franco alemão Carlos Renaux, contribuem decisivamente para a instalação da pioneira indústria têxtil, em 11 de março em 1892.

Apesar das muitas dificuldades, a disposição para a construção de um novo lar, na nova terra, alicerçada em valores comunitários e cristãos, impulsionou os pioneiros alemães, italianos e poloneses a transmudarem a geografia social e econômica, não só do vale, mas refletindo até na transformação da província e do império.

Município de São Luiz Gonzaga: Com o território das colônias Itajahy e Príncipe Dom Pedro, a Lei Provincial nº. 693 criou a Freguesia (paróquia) de São Luiz Gonzaga, em 31 de julho de 1873. Passo para posterior emancipação política e administrativa.

Acatando decisão da Assembleia Legislativa, o presidente da Província, juiz João Rodrigues Chaves, criou o município de São Luiz Gonzaga em 23 de março de 1881, através da Lei nº. 920. A população local reagiu à emancipação. Deixaria de ter as inúmeras vantagens fiscais e outros benefícios que a lei previa para os residentes em núcleos coloniais. A instalação do Município deu-se somente a 8 de julho de 1883, com a tomada de posse dos primeiros vereadores. Saliento que, no período imperial, a administração dos municípios era efetuada pela Câmara Municipal.

Cidade de Brusque: Após proclamada a República, o primeiro governador do Estado, Lauro Müller, modificou a denominação São Luiz Gonzaga para Brusque, a 17 de janeiro de 1890. Prestou homenagem ao conselheiro imperial Francisco Carlos de Araújo Brusque. Presidente da Província que determinou a fundação da colônia Itajahy, também presidiu o Gram-Pará e foi conselheiro do imperador Dom Pedro II. Araújo Brusque nasceu a 24 de maio de 1822, em Porto Alegre. Faleceu a 23 de setembro de 1886, em Pelotas. Após dez anos de tratativas, conduzimos os despojos do Conselheiro Brusque, de Pelotas até nossa Cidade, de 31 de julho a 4 de agosto de 1998. Dentre documentos inéditos, recebi de Francisco José Brusque, neto de Araújo, cópia fotostática de uma carta do Barão de Teffé, analisando os acontecimentos por ele presenciados em 24 de julho de 1860, na Canhoneira Belmonte. Na data citada, o primeiro grupo de imigrantes que viria a instalar a colônia Itajahy foi transportado pela canhoneira de Desterro a Itajaí. Schneéburg e os oficiais procuram homenagear o presidente Brusque, dando seu nome à nova colônia. Segundo o Barão de Teffé, Araújo Brusque recusou terminantemente.

Com a publicação do Brusquer Zeitung, a região passa a ter seu jornal em 1912. No ano seguinte, o empreendedor João Bauer inaugura os geradores da sua hidrelétrica. A sede do Município de Brusque foi elevada à categoria de cidade em 23 de novembro de 1916, marcando os 30 anos de falecimento do Conselheiro Brusque.

Novos tempos: A tomada de Brusque, a 13 de outubro de 1930, por tropas da Aliança Revolucionária Liberal, representou a ruptura do poder político local, que anteriormente se concentrava na disputa dos coronéis Guilherme Krieger e Carlos Renaux. Com a “política de nacionalização” do Estado Novo, implementada em Santa Catarina pelo interventor Nereu Ramos, aconteceram prisões arbitrárias e a destruição da literatura e de outros marcos culturais dos imigrantes e descendentes.

No centenário de fundação, Brusque cria os Jogos Abertos. No início do século II de Brusque, a indústria metalmecânica emerge e gradativamente vai assumindo maior relevância econômica. Após a traumática enchente de 1984, a cidade vivenciou um novo ciclo, verdadeira revolução econômica, com a instalação de centenas de confecções e milhares de postos de pronta entrega. E gradativamente a indústria têxtil tradicional perde espaço como principal motor da economia local, sendo substituída pelo comércio e pelas empresas do setor de autopeças, eletrodomésticos e de outros tipos de empresas têxteis, como malharias, tinturarias e confecções, sobretudo, de pequeno e médio porte.

Neste 159º. aniversário de nossa querida cidade, o reconhecimento e a gratidão àqueles que construíram e constroem uma comunidade que -alicerçada em valores cristãos – revolucionou a geografia social e econômica, não só no Vale, mas em toda nação brasileira. Parabéns Brusque!

 

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