Com apenas um ano e oito meses, Cecília se prepara para a terceira cirurgia cardíaca
A pequena sofre de cardiopatia congênita, doença grave do coração
Com 20 semanas de uma gravidez tranquila, a fisioterapeuta Lenara Ramos, 37 anos, descobriu por meio de um ultrassom morfológico que o seu bebê apresentava alterações cardíacas. Ela foi encaminhada para um cardiologista em Blumenau que, após exames, constatou que o bebê sofria de síndrome da hipoclasia do coração esquerdo, uma das cardiopatias congênitas mais graves, que impede o lado esquerdo do coração de funcionar.
Leia também: Detentos da UPA tentam fugir, mas são impedidos por agentes penitenciários
“A gente nunca imagina que vai ter algum problema. No começo, fiquei muito abalada. A gente pensa se a criança vai sofrer, se ela já está sofrendo. Aí vem o medo de perder, medo do que vai vir, mas tem que encarar”, diz.
Lenara conta que até pouco tempo atrás, não havia tratamento para esta síndrome. A criança nascia e morria pouco tempo depois. O cardiologista deu três opções para a família. A primeira, interromper a gravidez, a segunda, deixar o bebê nascer, mas não fazer nenhuma intervenção e a terceira, deixar o bebê nascer e fazer uma série de cirurgias cardíacas.
A família escolheu a terceira opção que consiste em três cirurgias: uma quando nasce, outra aos cinco meses e outra aos três anos. “É uma cirurgia que proporciona vida à criança, mas ela vai viver sempre com a metade do coração funcionando. O médico explicou que no final das três cirurgias ela viveria só com o lado direito do coração até quando conseguir e, se precisar, entraria na fila de transplante”, diz.
A partir do diagnóstico, a família foi encaminhada para o Hospital do Coração, em São Paulo. Para iniciar o tratamento, o bebê precisaria nascer lá. Após muita espera, faltando um mês para o parto de Cecília, Lenara foi para São Paulo com a filha mais velha, Sofia, e com o marido, e uma semana antes do previsto, a menina decidiu nascer. “Ela nasceu de parto normal. Foi o primeiro e único parto normal da história até agora feito no Hospital do Coração. Lá só fazem cesárea”, lembra.
Cecília nasceu bem e, logo após foi dado o diagnóstico final: ela é mesmo portadora da síndrome. Com apenas um dia de vida, ela foi para a primeira cirurgia. “Abriram o peito dela e fizeram a primeira, que era um paliativo para que ela conseguisse sobreviver aos primeiros meses, ficar mais forte e aí começar mesmo a cirurgia corretiva que é a segunda”.
Lenara conta que a cirurgia correu bem, mas no sétimo dia, Cecília teve uma parada cardiorrespiratória e chegou a ficar 10 minutos ‘morta’. “Ela conseguiu voltar e nós ficamos 33 dias internados, 22 na UTI e o resto no quarto”.
A família voltou para Brusque para aguardar a segunda cirurgia, que precisava ser feita com cinco meses. “Íamos de 30 em 30 dias para São Paulo para fazer o acompanhamento, até chegar a data da segunda cirurgia”.
O procedimento, segundo Lenara, é bastante complexo e durou nove horas. Novamente, a parte cardíaca deu tudo certo, mas quando Cecília acordou, veio a surpresa negativa: ela teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que comprometeu o lado esquerdo de seu corpo. “Ela não emitia mais som, não engolia, mas como é criança, foi se recuperando e quando voltamos pra casa, ela já emitia som, já comia normalmente, e ficou com comprometimento só no bracinho. Como eu sou fisioterapeuta fiz dela minha paciente e hoje ela caminha normalmente”.
Hoje, com um ano e oito meses, Cecília vive normalmente, dentro de suas limitações. “Ela é uma criança normal, ninguém diz que tem essa doença grave. Minha rotina com ela é de criança normal, mas evito contato com outras crianças porque uma gripe pra ela já é grave”, afirma.
Agora, a família espera chegar a data da terceira e última cirurgia, que será feita quando Cecília tiver três anos. “Ainda não sei o que vem pela frente. Tudo depende de como ela vai reagir a esta terceira cirurgia, quanto tempo o coração dela vai aguentar trabalhando pela metade. Hoje, vamos de quatro em quatro meses para São Paulo para o acompanhamento. Com dois anos e nove meses ela vai fazer um cateterismo para se preparar para a terceira cirurgia”.
Com toda a luta de Cecília pela vida, Lenara afirma que as prioridades da família mudaram. “O que aprendemos é viver um dia de cada vez, o nosso jeito de encarar a vida mudou depois dela, não deixamos nada para amanhã. As nossas prioridades hoje são família, viver bem e saúde, o resto corremos atrás”.
Dia de conscientização
No domingo, 12, é o Dia da Conscientização da Cardiopatia Congênita. O tipo de cardiopatia da pequena Cecília é rara, mas muitas famílias em todo o país têm histórias semelhantes da menina, já que uma a cada 100 crianças nasce com alguma alteração na estrutura ou na função coração.
Por ano, cerca de 28 mil crianças nascidas no Brasil são cardiopatas, representando 1% da população. Segundo dados da Associação de Assistência à Criança Cardiopata (AACC) Pequenos Corações, ao menos 23 mil desses bebês necessitam de atendimento diferenciado e de cirurgia cardíaca. No entanto, estima-se que 18 mil deles (78%) sequer recebem o tratamento, seja por falta de diagnóstico ou por falta de vagas na rede pública de saúde.
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, em 2014 foram realizadas 5.773 cirurgias em crianças cardiopatas, ou seja, apenas 22% de todas aquelas que necessitam do atendimento. Tal déficit faz crescer o único número que deveria ser reduzido: o da mortalidade; cenário que pode ser modificado com procedimentos rigorosos de exames cardiológicos nos pré e pós natais, instituídos nas unidades de saúde e nos hospitais; com a ampliação de mais leitos nos centros especializados e, ainda, a criação de novos centros especializados em cardiopatia congênita
A cardiopatia é considerada a principal causa de óbito na infância por doenças congênitas. Estudos internacionais registram que ela mata duas vezes mais que todos os tipos de cânceres.
O que é cardiopatia congênita?
É qualquer anormalidade na estrutura ou função do coração, que surge nas primeiras oito semanas de gestação, quando se forma o coração do bebê. Ocorre por uma alteração no desenvolvimento embrionário da estrutura cardíaca, mesmo que descoberto no nascimento ou anos mais tarde. É considerado o defeito congênito mais comum e uma das principais causas de óbitos relacionadas a malformações congênitas.
Teste do coraçãozinho
Incorporado aos testes de triagem em neonatais do SUS, em 2014, o Teste do Coraçãozinho é um exame simples, indolor, rápido e não invasivo, que pode indicar a probabilidade da criança ter uma cardiopatia congênita grave.
Também chamado de Oximetria de pulso e recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria, o teste deve ser feito ainda na maternidade, antes da alta do bebê, como triagem de rotina para os recém-nascidos. Ele mede a concentração de oxigênio no sangue e pode detectar um defeito cardíaco, para que a criança inicie o tratamento o mais rápido possível.
Para Lenara, o dignóstico precoce é fundamental para que a criança tenha chances de sobreviver. “É importante ter um bom pré-natal. Se diagnostica antes, a chance de o bebê sobreviver é muito maior. O problema é que muita criança nasce sem diagnóstico, está num lugar que não tem um centro de referência e morre. E outras até tem diagnóstico, mas não conseguem fazer o tratamento por falta de condições. A minha filha teve uma chance de lutar, mas quantos não tem?”.