Com perninhas atrofiadas, batistense de 7 anos usa skate para realizar tarefas com independência
Nycollas Massaneiro Perregil surpreende ao realizar as tarefas do dia a dia com autonomia
O impossível não existe para o pequeno Nycollas Massaneiro Perregil, de 7 anos. Por onde passa, ele chama a atenção pelo desempenho em seu skate e as manobras feitas com as mãos, cobertas com luvas, como se fossem seus sapatos. O pequeno nasceu com mielomeningocele, a síndrome da regressão caudal. Com isso, tem as pernas atrofiadas e não possui o osso da bacia.
Nick, como prefere ser chamado, é filho de Eva Aparecida Massaneiro, 35 anos, e Alberto Perregil, 30, e tem uma irmã, Larissa Cristine Massaneiro, 16. A família mora no bairro Carmelo, em São João Batista.
Veja também: Jornal O Município amplia atuação em São João Batista com encarte impresso e portal na internet
Informados pelo médico de que haveria a possibilidade do menino viver em cima de uma cama durante toda a vida, os pais foram surpreendidos quando Nick, com 1 ano e meio, ganhou o primeiro skate de plástico de parentes de São Paulo.
Por um tempo, o brinquedo ficou no canto da sala até despertar o interesse do pequeno. Depois que descobriu que poderia se locomover com a ajuda do objeto, o skate se tornou essencial em sua vida.
Para incentivar o filho no esporte, os pais levam Nick em pistas de skate na cidade e, principalmente, em Florianópolis. Numa das idas à capital do estado, cerca de quatro anos atrás, o menino conheceu o skatista Pedro Ramos, que virou um ídolo para o batistense.
O skate se tornou insubstituível após o garoto descobrir que teria certa autonomia com a ajuda do objeto. Entre os vários modelos que ganhou, um elétrico entrou na lista, porém foi deixado de lado por preferir usar as mãos para fazer as manobras.
A mãe conta que, por diversas vezes, o médico indicou o uso de uma cadeira de rodas para Nick. Porém, o pequeno já avisou que não quer. “Ele acredita que a cadeira de rodas vai limitar, além de ter vergonha. Com o skate ele vai onde quiser, tem mais independência”.
Rotina escolar
Não poder contar com as pernas não é motivo de tristeza para Nick. O menino vive uma vida normal, tranquila e não se sente diferente dos amigos. Na escola, Nick é exemplo também para os colegas e professores. Atualmente, ele frequenta o 2º ano na Escola de Educação Básica Maria das Dores Cipriani, que fica em frente à sua casa.
Para ir à escola, a mãe o acompanha. Porém, há pouco tempo, o menino disse que a mãe não precisava mais o levar. “Chegou na fase de ter vergonha da mãe acompanhar. Mas mesmo assim, deixo ele ir na frente, mas vou até lá para me certificar que está tudo certo”.
Todos os dias Nick sai cerca de meia hora antes de começar a aula para poder jogar futebol com os amigos. Com grande habilidade com as mãos, o menino dribla os colegas e dispara a bola com muita força para o gol. “Os amigos dele vieram junto desde a época do pré-escolar. Então eles cuidam dele, cuidam para não machucar as mãos e adoram brincar com o Nick”, conta a mãe.
Leia também: Falta de reclamações à Anatel dificulta melhorias no sinal de celular no Tigipió
O menino busca sempre participar das mesmas atividades dos colegas, sem distinção, dentro das suas limitações. A professora de Educação Física, Diana da Silva, sempre teve o cuidado de preparar atividades diferenciadas para Nycollas, por achar algumas perigosas por bater a cabeça ou até mesmo machucar as mãos. Porém, o menino passou a reclamar. “Esse ano a mãe dele me pediu para deixá-lo participar das atividades, e fui surpreendida, porque ele supera todas as expectativas”, diz.
Entre as brincadeiras favoritas de Nick está pular corda. Com a ajuda das mãos, o menino dá um show na atividade. “Hoje para mim, a diferença do Nick para meus outros alunos está apenas na estatura”, afirma a professora.
Bullying não tem vez
Com Nick, o bullying não existe. Desde pequeno, ele foi orientado pelos pais de que possui uma deficiência, mas não é por causa dela que vai se vitimizar ou deixar as pessoas o tratarem como um “coitado”. E tem sido desta forma que o pequeno skatista encara a vida.
Com as respostas na ponta da língua, o menino não deixa ninguém zombar dele. “Um dia um menino disse que tinha ganhado um tênis do Ben 10 da mãe, e disse que o Nick não podia ter um, porque não usa sapato. Rapidamente ele deu de ombros e disse que, pelo menos assim, eu não precisava lavar tênis sujo e meia com chulé”, lembra a mãe.
A diretora da escola, Tamara Plácido Ferreira Cim, ressalta que nunca teve problemas com preconceitos com o aluno. “Ele cresceu com esses amigos na mesma escola, então todos já o conhecem. Teve uma situação de um colega que chegou novo na escola e perguntou das perninhas dele, mas ele mesmo contou que nasceu assim. Ele não tem problema nenhum em falar sobre isso”.
Este é o primeiro ano que a professora Janaina Tais Baraúna trabalha com uma criança com deficiência física. No início do ano, antes de assumir a turma, ela foi informada sobre o aluno. “Eu não sabia como reagiria, porque era minha primeira experiência. Mas para a minha surpresa, me deparei com o Nycollas daquela forma, super extrovertido, dinâmico e que em momento nenhum é ou se deixa ser excluído. É uma criança normal”.
Em sala de aula, Nick também é participativo. Quando tem atividades para fazer no quadro, Janaina coloca uma cadeira para o aluno subir e participar. Para assistir as aulas com mais conforto, os pais providenciaram uma poltrona adaptada. “Antes ele ficava na carteira normal, mas reclamava de dores na coluna”, conta a mãe.
Para chegar até a sala de aula, Nick precisa subir as escadas junto com os colegas. Ao chegar no primeiro degrau, o menino deixa o skate e a mochila para os colegas lhe ajudarem e sobe fazendo piruetas. “Esses dias até falei para a Eva que estava preocupada, porque ele sobe de cabeça para baixo. Não tem medo de nada”, comenta a diretora.
Ela salienta que no primeiro ano do pré, a escola teve o cuidado de deixar a turma de Nick no andar térreo. Porém, o próprio aluno pediu para estudar no piso superior. “Ele adora as escadas. Não vê problema em ter que subir, pelo contrário”.
Para auxiliar a professora em sala, Nick conta com a monitora Ana Paula Fioratti, que faz a troca de fraldas do aluno. A mãe explica que devido à síndrome, desde o nascimento foi colocada uma bolsa de colostomia, e além disso, ele precisa usar fraldas. “Essa é a primeira vez que trabalho como monitora auxiliar. No começo fiquei nervosa ao trocar ele, mas se tornou tranquilo porque ele mesmo foi me orientando como fazer”, conta.
Dentro da sala, Ana Paula aproveita para auxiliar a professora Janaina com toda a turma, pois Nick não gosta de ter uma professora exclusiva. “Ele me disse em casa que não queria uma professora ajudando ele, porque não queria que os amigos falassem que era a professora do Nick”, revela a mãe.
Conheça um pouco da rotina de Nick:
Espelho em casa
Mesmo precisando de mais atenção do que a maioria das crianças, Nick não passa vontade. O que ele quer, ele dá um jeito de conseguir. Dentro de casa, por exemplo, ele ajuda a mãe até mesmo em tarefas domésticas, como arrumar as gavetas do guarda-roupas e lavar louça. Amante da gastronomia, o menino adora ajudar a mãe a cozinhar. “Quando ele vê que vou fazer um bolo, ele já corre para a cozinha, puxa a lata mais alta para subir no armário e fica me esperando”, comenta Eva.
O menino se espelha muito no pai, o qual tem grande admiração e é seu herói. Questionado sobre seus medos, o skatista é enfático ao dizer que não possui. “Não tenho medo! Meu pai não tem medo de nada, e eu também não”, afirma Nick.
Desde cedo, o garoto vislumbra seu futuro e faz planos, como trabalhar, casar e ter um casal de filhos. A mãe explica que o menino não poderá ter filhos biológicos, porém ele já adiantou que irá adotar. Ela ainda o questionou sobre a possibilidade dos filhos terem a mesma deficiência dele. “Não tem problema, eu vou cuidar deles igual a minha mãe cuida de mim”, garantiu o menino.
Veja também: Vereadores aprovam empréstimo de até R$ 15 milhões para Prefeitura de São João Batista
Outro grande sonho de Nick é conhecer pessoalmente o jogador Neymar, atleta que o inspira a jogar o futebol com os amigos. “Ele até vinha falando que queria jogar futebol profissional. Mostrei a ele o futebol de cadeira de rodas, mas ele não quer, por isso agora ele não pensa mais tanto nessa possibilidade”, comenta o pai Alberto.
Descoberta da síndrome
Os pais de Nycollas souberam da síndrome somente após o nascimento do menino. A mãe Eva conta que durante a gestação foram feitos dois ultrassons, porém como mostrava o bebê sentado, nada de diferente foi detectado.
O parto de Nick foi antecipado pelo médico devido a uma pré-eclâmpsia em Eva. “Fui numa consulta e o médico mandou me internar para fazer a cesárea. Eu não queria, pois a intenção era ter parto normal. Mas acredito que Deus faz as coisas certas”, diz.
Nick nasceu com os joelhos grudados no útero da mãe, o que fez com que ela quase morresse. O pai foi chamado pelo médico e enfermeiras para tomar a decisão de tirar o útero da esposa. “Eu não tinha muito o que fazer, pois ela corria risco de morte. Não sabia muito bem o que estava acontecendo”, lembra.
Eva passou por uma cirurgia, ficou internada por 20 dias longe do filho, que precisou ser encaminhado ao Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis. O pai, logo após o parto, foi conhecer o filho e foi surpreendido. “Fiquei assustado, mas decidi não contar para ela naquele momento, porque ela não estava bem ainda por conta da cirurgia”.
A explicação dada pelos médicos para a síndrome de Nick foi de que o DNA dos pais era muito parecido. Chegaram a perguntar, inclusive, se os dois eram irmãos.
Após receber alta, Eva foi conhecer o filho e teve um grande susto. “Fiquei apavorada. Pensava em como seria minha vida dali em diante”.
Ela conta que foram três meses chorando dia e noite. “Eu perguntava por que Deus havia feito aquilo comigo”. Até que um dia, ao olhar o filho mamando, percebeu que ele havia nascido para trazer alegria à família.
“Ele mudou nossa vida completamente. Nos ensina muito mais do que nós a ele. Nos ensina a lidar com todas as nossas diferenças. O Nick não gosta de nos ver tristes, sempre que estou meio cabisbaixa, ele vem todo carinhoso e me deixa bem. Ele é exemplo de superação, mas acredito que a superação de nós mesmos, pois ele nos inspira a sermos melhores a cada dia”, avalia a mãe.
Confira entrevista com Nick: