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Confira os textos selecionados no concurso cultural “Contos da Quarentena” da Unifebe

Instituição recebeu textos de 17 estados brasileiros e também internacionais

A Unifebe divulgou os contos selecionados no concurso cultural “Contos da Quarentena”. Ao total, a edição especial do Concurso Cultural Poesia Urbana, recebeu textos enviados por 17 estados brasileiros e até internacionais. Os avaliadores selecionaram dez para serem publicados no jornal O Município. Todos os 54 contos selecionados também estarão em um e-book no site da Unifebe. Cabe ressaltar que os textos foram divulgados com os pseudônimos escolhidos pelos autores. Confira:

Por trás da tela

Aparecida Vines

O casal pensou em um jeito de distrair os dois meninos, em quarentena, havia mais de cinco meses. “Que tal comprar sanduíches e comer em algum lugar?” — sugeriu a mãe. As crianças concordaram, apreensivas. — “Ele” não percebe a gente na rua, papai? — perguntou o de dois anos.
O pai tranquilizou-o: “estaremos seguros”. Quando chegavam à beira do lago, o de seis anos levantou o braço direito e gritou: “a vovó!” “Onde?” — quis saber o menor. O homem olhou naquela direção, sua mãe estava sentada sobre um tronco seco de árvore, de frente para a água, expressão triste. “Não! Não é ela!” — reagiu. Tampou os olhos dos meninos com as mãos: “vamos embora!” E soletrou entre dentes: “o que ela faz aqui?” A mulher ouviu a voz dos netos, virou-se, eles já se afastavam, puxados pelo pai. A mãe os seguia alheia, sem perceber o porquê da fuga. A avó entendeu: “temos que ficar distantes, o vírus não tolera aproximação”. Mais tarde conversaram pela tela e não se tocou no assunto.


A Maravilha

Candice Paixão

Foi no vigésimo terceiro dia de isolamento que ela prometeu a si mesma: assim que as coisas estivessem mais serenas, levaria o filho pequeno num museu, ou numa exposição de artes. A criança tinha deixado de viver tantas experiências naqueles dias difíceis, que a mãe quis lhe dar esse pequeno presente: o de ver obras belas ou ao menos, coloridas, que o estimulassem, que o divertissem.
A vida uma vez de volta aos eixos, lá foi ela com o menino de somente três aninhos rumo a uma galeria. Ele viu as pinturas. Gostou das cores, das formas. Tudo saiu muito bem. Mas foi na calçada mesmo da galeria, na saída, que a mãe se surpreendeu com o filho. Vendo dois velhos amigos se encontrarem e se abraçarem no ponto de ônibus ali perto, o menino apontou e disse: “Olha, mamãe, que maravilha”.


Não há mais tempo para mudar

Pancrácio

E quando menos se esperava, Nanda, a menina mais jovem da rua, foi levada por uma ambulância do SAMU; e quando menos se esperava, Seu Tarcísio, fiscal de rendas aposentado foi também levado pela mesma ambulância, já intubado; e mais o Toscano da Farmácia, o Dedé da casa de frutas, a Mercedes, caixa do mercadinho da esquina, o espanhol Vieira, dono do banca da jornal, e ainda faltava citar um jogador de futebol que não teve sorte e veio acabar ali naquela periferia, o Marcão; a Fabiana, mulher que
morava sozinha – “Sozinha porque queria”, assim dizia o apaixonado Bastos, que não tardou a fazer o mesmo trajeto. E Clotilde, e Marechal, e Nego de Tomás da Padaria, e Morena, do salão de beleza. E era assim todo dia. Uns foram e voltaram; outros fizeram uma viagem só de ida, não tiveram nem sequer a chance de serem velados, e ainda por
cima sem ter direito a um túmulo próprio, onde se pudesse escrever o seu nome, data de nascimento e de falecimento.


A jovem moça que amava voar

Dona Isabele

A quarentena tem deixado a jovem moça muito cansada. Ela tem ficado assim, deprimida, porque segundo ela, a monotonicidade do momento tem reprimido seu espírito que só quer voar o mais alto possível e conhecer tudo que há.
Estando sempre tão cansada do seu próprio cansaço cotidiano, a jovem moça, pensando
em fugir do marasmo, teve uma ideia que abrilhantaria seus dias trancafiados em quarentena: aprender como se não houvesse amanhã!
Ideia ousada, a jovem moça é ousada! Como ela própria diria “sair do repouso e migrar
como uma ave em um voo cândido, mas muito saboroso em busca do que pode saciar a
prodigiosa paixão da mente: aprender”.
O encanto por trás de cada nova descoberta levava a jovem moça muito além do
horizonte da sua casa. E com grande curiosidade, contando com a sua própria vontade,
voou na quarentena muito mais que qualquer pássaro. Fez de si mesma uma aeronave
sábia! Pois não há masmorra ou virose que prenda um espírito sedento pelo saber!


Impacto

Fênix

Impactante! Sensação de estar fora do compasso, irrealidade pura. Realidade verdadeira! Assim me deparo e vivo os iniciais quarenta dias imaginados. Porém, transformados em meses. Decido viver um dia por vez. Aprendizado inédito!
Deparo-me com as profundezas de meu ser e alma, que se escancaram, revelando o sombrio, obscuro e desconhecido. O medo toma conta. O não controle causa um aperto que estrangula meu peito em chamas. Sensação de morte súbita. Num rompante, algo das profundezas emerge numa torrente extraordinária, quando uma força descomunal me contagia. Mudo radicalmente um padrão obsoleto. Um verdadeiro salto quântico me coloca muito além daquele antigo eu.
Revejo minha vida em detalhes num descortinar acelerado de imagens. Renasço. Uma criança surge em pureza autêntica. Sua energia inesgotável me arrebata e envolve rumo à certeza da continuidade por um caminho novo! Experiência única trazida pela luz! Vida plena. Impacto.


Máscara

Jefisio

Há esse baile de máscara
Que vem numa inebriante
Noite em que a lua era crescente.

Nem vi que era também
A tragédia posta prova
Aquele que chega

Sem ter tempo de fugir
Pegou todos de surpresa
No salão.

Nos colocou de quarentena
No porão
E nos fez refém de nós mesmos

Mais o baile tem que continuar
Disse o pomposo anfitrião
Ora a essas alturas ninguém
Estava mais festivo

Devido a tal conjuntura
A dança agora era outra
Um pela comida
Outros pela vida perdida
Outros se perguntam

O que é essa corrida?
Tanto e tudo e se dizer
E a garganta seca.
O rio não tem mais

Para onde correr
Estamos aqui eu e você
Vendo os loucos bufões
Lá em cima no palco vazio

Rindo, gargalhadas medonhas
Se embebedando com os
Soldados funestos
Esperando suas carruagens chegar.

E nós?
Que nem tivemos tempo
De dançar?
Infelizmente nos esqueceram aqui.

Jogaram a chave fora.
E olhando uns para os outros
Vemos o que sobraram.


Sem limites do amor

Cloroquina

Zuma preparava a casa para receber o filho. Nem mesmo as notícias
estarrecedoras que abarrotavam os noticiários, aterrorizando a população, foram
suficientes para demovê-la da ideia.
Com o rosto coberto por uma máscara, o rapaz chegou, em uma tarde fria de
inverno, quando os últimos raios do sol saltavam do horizonte, avermelhando o céu.
A mãe abriu um leve sorriso, olhou-o com ternura, aproximou-se e o abraçou sem
pressa.
Novo dia. A máscara foi esquecida. Sobraram amor e cuidado, cama limpa e
comida boa, carinho e atenção. Passou o tempo, passaram as dores, passou a
doença.
Veio a despedida…
Era uma manhã de sol, quando Benedito recebeu o telefonema. Em poucas
horas, estava de volta à casa da mãe: vazia, triste, silenciosa. Avisado pelos
vizinhos, correu ao hospital.
Sem permissão para entrar, ficou aguardando notícias. A espera, porém, foi
breve. Em minutos, viu o corpo passar em um caixão lacrado. Acompanhou-o,
taciturno, sem a chance de contemplar o rosto da mãe uma última vez.


A lógica da recomposição

Maria Pia Monda

Na mesa, ao lado da louça suja, deixei uma caneta, dois lápis rombos e alguns papeis rabiscados com frases insensatas.
Semelham aos meus dias e penso em jogá-los fora, um de cada vez, tendo o cuidado de não espreitar o conteúdo.
Para cada papel, um destino diferente: amassado, rasgado, cortado, queimado, enrolado.
Começo rasgando um. Logo paro, porque não tem graça.
Sombras sutis desenham, nas paredes, portais que não me ajudam a fugir do isolamento.
Me oferece mais conforto observar a dança solitária das partículas de poeira nos raios de luz, até me dar conta que nem elas aguentam ficar sozinhas por muito tempo, porque, quando a dança termina, as partículas, exaustas, se deitam uma na outra e, juntas, compõem novas formas.
Nuvens, camadas, cachinhos, que grudam em minhas meias e me seguem por toda parte.
Rendo-me, então, a essa lógica da recomposição, recupero os pedaços de papel rasgado e, misturando as palavras, tento escrever um novo dia.


Reprise na TV

Julho Verme

Eu já me mantinha em quarentena junto com a minha família. Só saía de casa praticamente para trazer comida a todos. Tínhamos nossas próprias brincadeiras, cantávamos para espantar o medo e celebrar alguma coisa. Certa vez veio uma visita à
nossa vizinhança. Nós víamos de longe toda a conversa e descontração. Eles foram
hospedados na residência de um vizinho por alguns dias para que fizessem a sua
reportagem para a televisão. Eu jamais pensara que algum dia iria aparecer com meus
entes queridos, mesmo que de longe, fosse num televisor de dezenas de polegadas fosse
num aparelho celular! Mas aconteceu. Em dois momentos. Primeiramente quando os
homens brancos vieram à nossa aldeia e pesquisaram os nossos hábitos indígenas pela
enésima vez. Depois quando fomos enterrar o sétimo membro de nossa tribo após o
mesmos brancos nos trazerem o tal coronavírus. Eu nem sabia, mas já mantinha minha
família trancada na oca em regime de quarentena, e acertamos ao ficarmos longe de
tudo…


Tempo de exceção

Luiz Jardim

– Lucca, como vai?
– Exausto! Tempo de exceção… Arre! Desponta à esquina, a turma da Epidemiologia. Apresse! Encontro de dois vira reunião!
– O direito de ir e vir encontra-se prejudicado. Fui à Farmácia, aqui a prova! Você?
– Venho do trabalho. O custo do Plano de Saúde…Como está vivendo o período de a pandemia?
– Difícil! Como todos… Aliás, perdão aos que perderam os seus. Vê-los sair e não voltar ou saber sepultado coletivamente. Algo ocorre equivocado à gestão e comunicação… Direcionam a viatura ao nosso lado e protegidos, quais astronautas em suas roupas inconsúteis!
– Precisam de ajuda! A máscara do senhor bastante suada!
– Utilizei duas. Tem para me repassar?
– Não!
– Pode nos levar em casa?
– Negativo! Temos ordem de …
– Sei! Então! Parou por quê? Totalmente incongruente o propalado. Não podem auxiliar? Prossigam! Não consigo entender o posicionamento dos senhores! Adeus!
Sigamos, Lucca, deste mato não sai coelho!