Consumo dos peixes do rio Itajaí-Mirim é desaconselhável
Especialistas não recomendam a ingestão dos pescados devido às poluições orgânica e industrial
Especialistas não recomendam a ingestão dos pescados devido às poluições orgânica e industrial
Duas vezes por semana – ou mais, dependendo da disposição -, o caminhoneiro aposentado Amilton Soares, de 61 anos, reúne caniços, baldes e iscas e se dirige às margens do Itajaí-Mirim no trecho próximo aos fundos da APAE. Às sete horas da manhã, após espantar as capivaras e lançar os anzóis, ele está pronto para a pescaria.
O aposentado “se criou” nas margens do rio e pesca desde os 10 anos de idade. Ao longo das décadas já capturou cascudos, jundiás, curimbatás, dourados e pintados. No entanto, há pouco mais de um ano, Seu Amilton não consome os peixes que pesca, apenas dá para vizinhos ou devolve ao rio. O motivo para o não consumo é o “gosto de óleo”.
“Eu percebo que a água muda bastante de cor em algumas regiões do rio por causa dos produtos químicos. Já vi cores amarelas, azuis e vermelhas. Muitos produtos vêm dos postos e das fábricas e com o passar do tempo o peixe começou a ficar com esse gosto. Eu só levo para os vizinhos os peixes com mais de um quilo”.
O gosto de óleo que o aposentado sente ao consumir o peixe pode ser derivado tanto da contaminação química quanto das bactérias. É o que explica o especialista em Produção e Propagação de Peixes e professor da Furb, Pedro Wilson Bertelli. Contudo, para diagnósticos mais precisos sobre o nível de contaminação, o professor diz que seriam necessários estudos periódicos em todas as espécies que vivem na região de Brusque.
Segundo o superintendente da Fundação do Meio Ambiente do município (Fundema), Diego Furtado, o órgão nunca investigou a qualidade dos peixes. Mas como há trechos em que o rio recebe esgoto doméstico e há atividades industriais na região, o superintendente questiona a pureza dos pescados. “Eu acho legal a interação das pessoas com o rio, uma pesca desportiva eu não vejo problema. Só acho que as pessoas têm de tomar cuidado porque é uma água com certo grau de poluição e toda poluição reflete nos seres que vivem nela”.
Caso alguma empresa faça um descarte irregular de efluentes, explica Diego, as substâncias se acumulam na carne do peixe. O que pode gerar mal-estar momentâneo ou futuro. “Eu não aconselharia o consumo da carne, até porque eu não comeria os peixes do rio”, diz. O professor e membro do Grupo de Estudos Pesqueiros da Univali, Paulo Ricardo Schwingel, também desaconselha a ingestão. Ele diz que em uma cidade industrial como Brusque a tendência de a condição da água não ser boa é “muito grande”, já que as empresas descartam metais pesados, como mercúrio, chumbo e arsênio.
Assim como Bertelli, Schwingel também afirma que o correto seria realizar um estudo aprofundado no rio para saber as condições do pescado. Em julho, a Fundema coletou 21 amostras de água: seis em Vidal Ramos, sete em Botuverá, quatro em Brusque e mais quatro em Itajaí. A análise das amostras foi realizada com base na cor, turbidez, PH, oxigênio, ferro e manganês presentes na água e calculada pela unidade miligrama por litro.
Na região do bairro Dom Joaquim, um dos pontos de coleta, o oxigênio deu 11,4 e a turbidez 25,6. Valores semelhantes aos da região do bairro Souza Cruz, que apontou 10,1 de oxigênio e 31,1 de turbidez. Schwingel explica que para a sobrevivência dos peixes a escala tem de, obrigatoriamente, estar acima de 4. “O ideal, e que daria condições boas de sobrevivência, são valores de oxigênio acima de 9”. Entretanto, o professor questiona o resultado obtido pela Fundema.
“A turbidez é normal, por uma condição de um rio que está em uma região mais plana e faz com que o material de inspeção colete dessa forma. Mas os valores de oxigênio são extremamente altos, o que seria positivo. O problema é que esses valores coletados por eles são valores de água de cachoeiras, em que tem uma troca absurda com a atmosfera, por causa da turbulência da água. Água com turbulência é totalmente límpida, ou seja, você encontra valor 11 em uma cachoeira e não em uma área urbana”.
Enquanto Schwingel questiona os resultados, Fausto Diegoli, químico responsável do Samae que auxiliou na análise da água, afirma que não acha os valores altos e que a água estava límpida nos dias em que os órgãos realizaram as coletas nos dois locais. Além disso, Diegoli ressalta que naquelas regiões há muitas pedras, o que deixa a água em condições melhores.
Por mais que o químico do Samae não considere os valores altos, o professor Bertelli – especialista em Produção e Propagação de Peixes – também diz que o oxigênio da água dos dois locais é “altíssimo”. “Para realizar uma coleta como essa é necessário muito cuidado. Precisa ser uma garrafa especial, a água coletada não pode borbulhar, o responsável precisa encher toda a garrafa e ela não pode pegar luz e não pode ser balançada. Todos esses fatores influenciam no resultado do oxigênio”.
Cuidados no preparo
Seu Amilton, o pescador, fritava a maioria dos peixes que consumia. O único preparado de maneira diferente era o cascudo. “Dá um ótimo ensopado”, afirma. Em relação ao preparo, o professor Bertelli diz que os pescadores do Itajaí-Mirim precisam tomar precauções. Segundo ele, as partes do peixe mais contaminadas são os intestinos, as vísceras e os músculos. No caso dos dois primeiros, a solução seria não cortá-los, assim as substâncias não atingiriam o restante do animal. Já no caso dos músculos, não há o que fazer, pois são partes da carne consumida.
“Quando abate-se um frango há todo um processo de higienização e as pessoas nunca cortam o intestino, já no caso do peixe, elas logo cortam o intestino. Se o animal está contaminado, acaba passando para o restante do corpo. O correto seria utilizar facas e luvas diferentes para cada parte cortada, sem deixar que elas entrem em contato.
O professor também explica que fritar o peixe elimina alguns contaminantes biológicos. No entanto, a parte química não é eliminada. “Alguma coisa acumula no fígado, outra vai para o músculo. Nós consumimos o músculo, se tiver contaminado também vai acumular no organismo humano”. Por outro lado, Bertelli ressalta que nunca recebeu informação sobre morte de pessoas em função do consumo de peixes.