Crime sem castigo
Sob a justificativa de pouco efetivo, Fundema só atua após denúncias. Nos últimos três anos, nenhuma multa foi aplicada para este delito
Atualmente, o órgão conta com apenas dois fiscais para toda a cidade e que são responsáveis por fiscalizar todos os tipos de ocorrências relacionadas ao meio ambiente, não apenas o descarte de efluentes no rio e em ribeirões.
Com a falta de pessoal, a fundação não consegue atuar preventivamente, ou seja, a Fundema só atua quando há denúncia.
Olinger diz que os fiscais se revezam no serviço de plantão. Quando há alguma denúncia, o plantonista vai até o local para averiguações. Porém, quando chega lá, o descarte já acabou e os produtos químicos despejados se misturaram ao rio. Se é difícil identificar o responsável, fazer o flagrante, então, é praticamente impossível.
“Temos boa parte das saídas tubuladas, não temos acesso e, às vezes, tem mais de uma empresa que lança naquela tubulação ou galeria. Quando chega ao rio, fica muito difícil. Vamos até as empresas, tentamos identificar algum resquício que justifique a coloração, mas às vezes fica muito complicado porque quando chega ao rio, já passou vários metros e não tem como identificar”, justifica.
Fiscalização já foi mais rígida
Mesmo os descartes sendo considerados frequentes, de 2015 a 2018, a Fundema não emitiu nenhum auto de infração para punir os responsáveis por este crime ambiental.
Alguns anos antes, porém, a situação era diferente. Em 2013, foram aplicadas sete multas para punir o descarte de efluentes no rio Itajaí-Mirim. Em 2014 foram três.
Estes dois anos foram marcados por uma fiscalização mais rígida por parte da Fundema. O órgão realizava operações noturnas com frequência e, em muitas dessas ações, feitas em parceria com a Polícia Militar Ambiental e com o Corpo de Bombeiros, diversos flagrantes foram realizados. Chegou-se a aplicar quase R$ 1 milhão em multas para empresas que não faziam o tratamento de seus resíduos adequadamente.
Superintendente da Fundema à época, o engenheiro ambiental Diego Furtado diz que não existia controle sobre o descarte de resíduos industriais no rio. Por isso, era comum ver durante o dia ou à noite a água com diversos tipos de coloração.
“Chegamos a fazer uma reunião com todas as tinturarias. Uma parte aderiu, a outra parte continuou fazendo o descarte do efluente no rio, o que gerou uma série de autos de infração e procedimentos nas empresas”, diz.
Durante o dia os descartes cessaram. O problema começou a acontecer durante a noite. Por isso, o órgão iniciou suas operações de fiscalização na madrugada.
O ex-superintendente da Fundema destaca que o órgão tinha mapeado as tubulações de todas as empresas. Para realizar a fiscalização, o grupo era dividido. Alguns percorriam o rio de barco e outros iam por terra, em dois carros.
Quando a equipe do barco constatava o descarte, informava o grupo que estava em terra e eles faziam uma abordagem certeira na empresa.
“Na primeira noite, foi quase R$ 1 milhão de multas. Na época, durante um bom tempo, não tivemos mais problemas com tinturarias. Eram casos mais pontuais como vazamento ou problema na estação, mas problemas sérios não ocorriam mais”, lembra.
Depois das grandes operações, o órgão realizou ações menores, mas que surtiram o mesmo efeito. “Os nossos fiscais se revezavam e tinha uma escala de empresas a serem visitadas durante a noite. Passou a ser rotineiro, as empresas não sabiam quando a fiscalização passaria, então pararam de descartar os resíduos no rio pois tinham medo do flagrante”.
A partir do momento que a Fundema começa a diminuir a fiscalização, é natural que as empresas voltem a fazer o descarte de efluentes, principalmente em momentos de crise
Durante sua gestão, Furtado afirma que também havia somente dois fiscais para realizar todo o trabalho da Fundema. “Alega-se que tem pouca fiscalização hoje, mas dois fiscais são mais do que suficientes. Só não se faz mais a fiscalização como era antes”, garante.
Furtado deixou a Fundema em 2015. Os casos de descarte já não eram mais tão comuns. Porém, o trabalho de fiscalização preventiva não teve continuidade. Com isso, os registros de descartes industriais começaram a surgir gradativamente, até se agravarem neste ano.
“A partir do momento que a Fundema começa a diminuir a fiscalização, é natural que as empresas voltem a fazer o descarte de efluentes, principalmente em momentos de crise. Hoje pode até ser difícil o flagrante, mas tínhamos as saídas de todas as empresas mapeadas. Então, ao meu ver, é possível pelo menos identificar de onde vem o descarte, sim”, observa.
O atual superintendente da Fundema, Cristiano Olinger, diz que está nos planos do órgão voltar com a fiscalização noturna, enquanto isso não acontece, solicita o auxílio da população para denúncias.
“Um dos nossos objetivos é entrar em contato com o IMA e com a Polícia Ambiental para verificar se é possível voltar com as fiscalizações à noite. Por enquanto, precisamos do auxílio da população. Não temos como abranger todo o território”.
Sem previsão para contratação de novos fiscais
A principal dificuldade apontada pelo superintendente da Fundema é a falta de profissionais para realizar uma fiscalização mais firme e conseguir punir os responsáveis pelo crime ambiental.
Entretanto, não há um prazo para que novos fiscais sejam contratados para exercerem a função. Questionado sobre o assunto, o secretário de Governo e Gestão Estratégica da Prefeitura de Brusque, William Molina, diz que a situação da Fundema ainda não foi discutida especificamente.
Ele afirma que a administração recebeu de herança de governos anteriores um grande número de servidores na prefeitura e, por isso, precisa encontrar formas de readequar o trabalho desses profissionais.
“Algumas áreas a gente percebe que tem bom número de efetivo e consegue dar conta do trabalho, mas em outras acaba faltando gente e mantendo efetivo insuficiente, principalmente para fiscalização, como é o caso da Fundema”.
Para Molina, no entanto, mesmo que o órgão tivesse número suficiente de fiscais, ainda assim, encontrar os responsáveis pelos descartes e puni-los não seria tarefa das mais fáceis.
“Nós também teríamos uma grande dificuldade, que seria a tubulação hoje existente. Sabemos que existem tubulações clandestinas que foram feitas em anos anteriores e que precisaria de um mínimo de tecnologia para ver de onde está vindo o resíduo. Até os fiscais encontrarem o local que está sendo feito o despejo, eles já pararam”.
Enquanto o reforço no efetivo não vem, Molina reforça que as operações em parceria com a Polícia Ambiental já foram discutidas pelo Comitê Gestor da prefeitura e devem ser realizadas em breve.
Você está lendo: Crime sem castigo
Veja outros conteúdos do especial: