Crise e reforma
Hoje, no Brasil, o que mais se escuta e se lê é a respeito de “crise”. Sim, é crise econômica, crise política, crise ética e moral, crise religiosa… Tem crise para todos os gostos. Por outro lado, também se escuta e se lê que são necessárias “reformas”. Reforma política, fiscal, econômica, eleitoral… Tudo isso traz […]
Hoje, no Brasil, o que mais se escuta e se lê é a respeito de “crise”. Sim, é crise econômica, crise política, crise ética e moral, crise religiosa… Tem crise para todos os gostos. Por outro lado, também se escuta e se lê que são necessárias “reformas”. Reforma política, fiscal, econômica, eleitoral… Tudo isso traz à tona a velha reflexão: basta reformar as “estruturas” (econômica, política, jurídica…) para acabar com a crise e sanar tudo pela raiz. Ou, é necessário reeducar o ser humano a viver em sociedade organizada, a fim de que aprenda a construir estruturas e a viver nelas, com valores diferentes. Ou ainda, onde começar: primeiro realizar a reestruturação das instituições sociais e depois reeducar o ser humano a viver nelas? Ou, então, realizar simultaneamente os dois processos?
Penso que poucos dos que falam em crise ou reformas se põem essas questões. Boa parte dá a impressão que basta realizar as “reformas”, tudo mudará como se fosse uma solução quase mágica. Pessoalmente, penso que o caminho não é esse. E me explico. Com efeito, o ponto de partida tem que ser necessariamente o ser humano. Porque é ele o suporte de tudo. E, na realidade, é ele que se quer atingir. Por isso, se se pensa e se age, acreditando que a reforma das estruturas é suficiente para transformar a realidade sociocultural, nada vai resolver. Como também acontecerá o mesmo para quem pensa e age, crendo que basta transformar o ser humano, sem tocar nas estruturas.
Como se percebe, ambos os processos de transformação (tanto do ser humano quanto das estruturas) têm que ser empreendidos ao mesmo tempo e com a mesma disposição e dedicação amorosa de querer encontrar o melhor caminho para construir o bem comum, que tem que ser usufruído por todos, sem exceção.
Para isso acontecer é oportuno recordar que o ser humano, homem e mulher, não é um ser pronto, acabado, feito. Ao contrário, ele está sempre se fazendo, se construindo. Portanto, nunca está “formado” para agir: o ser humano só se faz, se constrói agindo. É somente na prática constante de atitudes, fundadas em valores, que vai paulatinamente, construindo uma vida mais equilibrada e harmônica, pessoal e socialmente. Todavia, o ser humano não pode realizar-se, em todas as suas dimensões, senão trabalhando para que o mundo que o cerca também tenha o mesmo equilíbrio e harmonia. Ser humano e mundo não são rivais e não podem ser estranhos um ao outro.
Para quem crê na proposta da Boa Nova do Reino, trazida por Jesus da parte do Pai, não há outra possibilidade de construir a vida do ser humano e do mundo da Sociedade e da Cultura, do que inserindo nas respectivas vidas os valores do Reino de Deus. Com efeito, o valor fundante, nessa construção, não pode ser outro do que a dignidade da vida e da pessoa humanas. Pois, é a pessoa humana que foi criada à “imagem e semelhança de Deus”. Toda crise acontece justamente quando esses valores são ignorados, desprezados, deturpados, distorcidos, instalando-se a desarmonia e o desequilíbrio.
A construção do ser humano e do mundo da Sociedade e da Cultura não tem outra referência do que os valores que fazem parte da proposta de vida pessoal e coletiva que Jesus Cristo nos deixou sob o nome de Reino de Deus. Claro que não se trata de ignorar a autonomia do temporal frente ao espiritual. Nada disso. Mas, de respeitar, como ocorre no ser humano, a prioridade da dimensão espiritual sobre a dimensão material, numa plena realização de ambas, em ritmo de harmonia e equilíbrio, tendo sempre presente que o ser humano sempre age, na unidade e na totalidade de seu ser. Quando se desrespeita essa ordem, instala-se a crise.