Crise faz imigrantes haitianos deixarem Brusque em busca de oportunidades em outros países
Dos cerca de 500 imigrantes que residiam no município, mais da metade já foi embora
Perto de completar dois anos, um dos movimentos imigratórios mais intensos registrados em Brusque e em Santa Catarina na última década atua, agora, em sentido inverso. Os haitianos que desembarcavam, às dezenas e diariamente, em solo catarinense estão dando adeus ao estado.
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As crises política e econômica que afetam o Brasil, a falta de adaptação e também a saudade do país de origem são os três elementos principais para a debandada, apontam os próprios estrangeiros e também voluntários brasileiros que os auxiliam ou auxiliavam.
“Alguns foram para o Chile, outros para os Estados Unidos. Nos últimos três meses aqui em Brusque, sete haitianos que frequentavam a igreja [Igreja Batista do bairro Santa Rita] foram embora. Eles nos dizem que vão embora porque estão desempregados. Agora, tem mais haitiano saindo do que entrando em Brusque”, conta o haitiano Johny Siffrard.
Aos 37 anos, Siffrard está em Brusque há cerca de dois. Ajudante de pátio, ele conta que a vida financeira era melhor quando chegou ao município. Agora, ele mal consegue enviar dinheiro para a família, que permaneceu no Haiti.
“Agora não sobra mais dinheiro. Eu quero tentar trazer a minha família, mas não consigo. Se continuar assim, vou voltar para ficar com eles, porque dá saudade deles”, diz.
Dinheiro também é um problema para Eddy Dorleus, de 32 anos. Ainda assim, o haitiano pretende permanecer em Brusque, sobretudo em razão da filha, que está com oito meses.
“Quando cheguei em Brusque, há quase 3 anos, as coisas não eram tão caras. Agora está tudo caro e como minha esposa está desempregada, fica pior ainda. Os haitianos foram embora por causa disso e por causa do desemprego”, diz.
Ex-integrante do grupo de apoio virtual aos haitianos de Brusque, Priscilla Miglioli afirma que mais da metade dos quase 500 haitianos que residiam em Brusque já deixaram a cidade. Assim como Siffrard, ela também diz que os principais destinos dos imigrantes são o Chile, os Estados Unidos e o próprio Haiti.
“Isso tudo, de crise, assustou e atingiu eles. Outros não se adaptaram e outros sentiram muita falta de suas famílias. E outros sempre têm o objetivo final de chegar aos Estados Unidos. Sinto que eles acreditam que lá será melhor para eles, apesar de amarem o Brasil. Os que ficaram aqui são aqueles que acreditam realmente que o Brasil tem jeito”, explica Priscilla.
Outro fator que também auxiliou a debandada foi a alteração do câmbio. É o que afirma Meire Anne Hoeppers Ruiz, também ex-integrante do grupo brusquense. Na avaliação de Meire, a alteração prejudicou os imigrantes que mandam dinheiro para o Haiti.
“Como as remessas são enviadas em dólar, eles conseguem juntar quase três vezes menos dinheiro do que quando chegaram. A maior parte deles deseja, como qualquer brasileiro que vai viver no exterior, ganhar dinheiro para poder acertar a vida. Eles já consideravam o salário baixo, diante da série de despesas que tinham, e com a alta do dólar, tudo piorou”, avalia.
Até janeiro deste ano, a estimativa do governo do estado era de que tenham passado por Santa Catarina pelo menos 3,5 mil haitianos. Além de Brusque, boa parte deles também desembarcou em Navegantes.
Segundo João Edson Fagundes, diretor da Associação dos Haitianos de Navegantes (Ashan), em 2014, a entidade registrou cerca de 700 imigrantes. Hoje, por outro lado, a Ashan conta com aproximadamente 150.
“Dos haitianos que estão no mercado de trabalho, a maioria está tentando guardar dinheiro para ir a outros destinos, como Chile e os Estados Unidos ou mesmo o Haiti. Não se fala muito disso, mas a questão do preconceito também influencia para eles irem embora”, afirma Fagundes.
Um exemplo da debandada dos haitianos ocorreu na empresa Irmãos Fischer. No último ano, os cincos imigrantes que trabalhavam lá pediram para sair. De acordo com o diretor da empresa, Edemar Fischer, a maioria alegou que voltaria para o país de origem devido à saudade da família.
Ações em Brusque
A queda no número de haitianos em Brusque também se refletiu na procura por programas sociais na Secretaria de Assistência Social e Habitação. De acordo com Edione Maria Pedrini, coordenadora do órgão, os atendimentos caíram em 50% neste ano.
“Não é toda a semana que aparece haitiano aqui. Às vezes passamos duas semanas sem atendimentos. Quando eles chegavam com frequência, a secretaria era a porta de entrada para viabilizar cesta básica e Bolsa Família para eles. E, atualmente, os haitianos que atendemos estão desempregados”, diz.
Hoje, a Prefeitura de Brusque não oferece serviços exclusivos aos haitianos, os programas sociais são os mesmos disponíveis aos brasileiros.
Até o fim do ano passado, entretanto, o grupo de apoio virtual aos haitianos de Brusque, em parceria com a administração municipal, disponibilizava aulas de português no auditório da praça da Cidadania. Porém, tanto o grupo quanto as aulas foram encerradas.
Em relação ao aprendizado da língua portuguesa, a Agência de Desenvolvimento Regional (ADR) de Brusque oferece aulas de alfabetização no Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja). Segundo a gerente de Educação da ADR, Sônia Maria Pereira Maffezzolli, atualmente não há imigrantes matriculados na aula.
“No ano passado havia cinco alunos, eles frequentaram por um tempo, mas depois desistiram”, diz. “Neste ano, um ficou por um período e depois desistiu. Mas não sei o motivo dessa desistência”, completa a gerente.