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Crise hídrica: por que Brusque tem dificuldade na distribuição de água

Diretor e ex-diretores do Samae e entidade reguladora comentam desabastecimento no município

O ano começou com uma série de turbulências na distribuição de água em Brusque. O comprometimento no abastecimento, impulsionado por período de estiagem – que durou praticamente todo o segundo semestre de 2018 -, chegou a gerar a emissão de decretos de alerta e fiscalização do consumo. Residências e empresas ficaram sem água em diversos bairros da cidade e, mesmo com o pior já tendo passado, ainda há regiões em que a água não chega em determinados momentos do dia.

Com este problema, foram colocados em xeque os investimentos realizados em estrutura de captação e reservação por parte das últimas gestões do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto de Brusque (Samae).

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Contando com apenas uma Estação de Tratamento de Água (ETA) e sistemas isolados em alguns bairros, a autarquia não tem dado conta da falta de água em Brusque, além de ter deixado de acompanhar o crescimento populacional do município nos últimos anos.

A construção da ETA da Cristalina, que vem sendo projetada desde agosto de 2018, é apontada pela atual gestão como a solução de todos as mazelas hídricas da sociedade brusquense. Contudo, a previsão é de que ela esteja funcionando somente a partir de 2021. Recentemente, foi anunciada também a possibilidade da criação de uma ETA compacta no bairro Limeira. Até lá, são realizados investimentos pontuais e medidas paliativas, como a criação de poços artesianos e sistemas isolados.

Desde 2013 até atualmente, o Samae foi administrado por seis diferentes diretores-presidentes, praticamente um por ano. Durante as trocas de administração, projetos foram descartados, novos foram elaborados e, ao menos para a captação de água, somente agora é dado início para a execução de uma grande estrutura.

O Município entrou em contato com os ex-diretores desde 2013, para compreender o que poderia ter sido feito para evitar a crise hídrica. Somente Roberto Bolognini não foi encontrado. Todos são unânimes em afirmar que faltou investimento na captação de água.
Foram idealizadas três diferentes ETAs desde 2013 – sendo que uma chegou a ter início de execução, mas foi cancelada na gestão seguinte. O período de troca de prefeitos, entre 2015 e 2016, também é apontado como um dos motivos de não ter sido investido em captação de água.

“Tinhamos um projeto inovador que foi deixado de lado”
Diretor-presidente do Samae de 2008 a 2013, Evandro de Farias, o Farinha, explica que houve uma tentativa de construção de nova ETA compacta, projetada durante a gestão do prefeito Paulo Eccel. Neste período, além de Farinha a autarquia foi dirigida por Rogério Ristow. No entanto a administração seguinte – de Roberto Bolognini, no período da cassação de Paulo Eccel e gestão interina de Roberto Prudêncio Neto – cancelou o projeto, que já estava na parte da execução.

A ETA estava sendo construída no terreno da empresa Renauxview, em uma parceria público-privada. “Foi uma irresponsabilidade da gestão que nos seguiu. A ETA compacta produziria 45% a mais de água. Teríamos todo o tempo do mundo para projetar uma nova estrutura maior para a captação de água”.

Mesmo com caixas d’água, problema na distribuição faz secar o reservatório. Foto: Cristóvão Vieira

Farinha explica ainda que foi realizada uma investigação em torno da salubridade da água por parte do Ministério Público, mas que foi arquivada. “Após o exame foi constatado que a água que saia dali era potável e poderia ser distribuída. Era uma estrutura modular, que podia ser movida e colocada em outro lugar. Tinhamos um projeto inovador que foi deixado de lado”.

Segundo Ristow, um futuro problema na distribuição de água em Brusque já era previsto. “Era uma tragédia anunciada. Nós estávamos acompanhando uma situação semelhante em São Paulo, onde houve uma crise enorme e várias casas ficaram sem água. Queriamos evitar algo assim, mas a administação seguinte a nossa não achou o projeto interessante”.

Nova ideia de ETA, sem execução
Foi na gestão do prefeito Boca Cunha, eleito indiretamente prefeito de Brusque em 2015, que a ETA da Renauxview foi definitivamente cancelada, em setembro de 2016. Cunha decretou a revogação da desapropriação de três terrenos da empresa que deveriam ser utilizados para a construção da estação.

Diretora-presidente do período em que Boca foi prefeito – de julho a dezembro de 2016 -, Fabiana Dalcastagné afirmou que não havia mais como seguir investindo na ETA da Renauxview. “O projeto já havia sido cancelado na gestão entre Paulo Eccel e Boca Cunha, e o dinheiro aprovado foi investido em outra obra, o reservatório de 6 milhões de litros que hoje está na ETA Central”.

ETA Central é a única do município, que investe em outras duas para os próximos anos. Foto: Arquivo O Município

Administrando a autarquia em curto tempo, Fabiana afirma que houve uma sondagem de construção de uma nova ETA no mesmo terreno do Samae. “Pelo que foi levantado, seria mais barato usar o espaço que o Samae já possui para construir uma nova estação. No entanto, em outubro, assim que saiu o resultado das eleições com a derrota do Boca, nós não demos continuidade a este plano”. Segundo Fabiana, não chegou a ser elaborado um projeto para esta ETA.

Cristalina retomada
A ETA da Cristalina foi projetada, primeiramente, entre os anos de 2007 e 2008, na gestão do prefeito Ciro Roza. À época, o diretor-presidente era Juliano Montibeller, que afirma que, já neste período, foi constatada a necessidade de construir mais uma estrutura para captação de água. Montibeller voltou à direção da autarquia por um período em 2017.

Para ele, o fato de o projeto ter sido engavetado até quase 10 anos depois foi motivado por má gestão.

“Houve falta de conhecimento das pessoas à frente do órgão. Isso pode enganar, porque apesar de haver água é preciso perceber que a população está crescendo quase 3% ao ano. A cidade também passou por processo de verticalização, com muitos apartamentos e exigência de mais distribuição de água. Tem também o problema que, geralmente, um não gosta de continuar o projeto do outro”.

Segundo o ex-diretor-presidente do Samae, Brusque estaria em excelentes condições de distribuição de água caso a estação estivesse em funcionamento. “Ela tem o dobro de vazão do que a ETA central. Mas é uma decisão de governo, de ideias. O que achei interessante é que na última eleição todos os candidatos colocaram esse projeto na campanha”.

Atualmente
No último dia 22 de fevereiro foi entregue o primeiro cronograma de trabalhos para a execução das obras da ETA da Cristalina. No projeto estão presentes estudos topográficos, hidrológicos, de tratabilidade de água e também mapeamento com uso de drone.

Segundo o atual diretor-presidente da autarquia, Dejair Machado, a estação, junto com a possível futura ETA compacta do bairro Limeira, servirão por um longo período. “Com a atual estação central e as novas duas, Brusque estará com sua distribuição de água suprida até 2050”.

Além da ETA compacta, a intenção é construir um reservatório no bairro Limeira com capacidade para um milhão de litros. O investimento projetado pra as duas estruturas gira em torno de R$ 3 milhões. Machado explica que uma empresa de Blumenau já inicia a parte de planejamento.

Samae foi avisado
A Agência Intermunicipal de Regulação do Médio Vale do Itajaí (Agir) vem notificando o Samae de Brusque há pelo menos quatro anos. A entidade reguladora cobra mais investimentos, para que o município não sofra com o desabastecimento.

Reservatórios do Samae de Brusque esvaziaram durante período de estiagem. Foto: Prefeitura de Brusque / Divulgação

Sumariamente ignorada, a Agir chegou a recorrer ao Ministério Público (MP-SC). A autarquia teve de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no dia 29 de janeiro de 2018.

O documento prevê uma série de exigências e metas a serem cumpridas, por exemplo a construção de uma Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) na estação central de tratamento d’água.

Contudo, como explica o diretor-geral da agência reguladora, Heinrich Luiz Pasold, o TAC não foi cumprido até o momento.

“Se eles não atenderem ao TAC serão multados. Estamos alertando há muito tempo, que a cidade está crescendo, novos loteamentos vêm sendo construídos, e o Samae não vem realizando os investimentos de modo a atender esta demanda de água”.

Uma semana sem água
A rua Florêncio Day, popularmente conhecida como Morro do Mocotó, é uma das mais afetadas com a má distribuição de água na cidade. Alguns moradores da localidade já estão há uma semana sem água. Medidas extremas são tomadas pelos membros da comunidade, como captação de água da chuva.

Segundo Andreza Laura Coelho, moradora da rua, não há água nem para fazer comida. “Meu marido está tomando banho na empresa. Nós compramos galão de 20 litros de água para poder fazer comida. Todo ano, no verão, é a mesma coisa”. Andreza está grávida e com problemas de pressão alta.

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Mesmo com duas caixas d’água, a casa de Iracema de Oliveira, que mora em uma das partes mais altas do morro, também chegou em situação crítica. “A gente sempre liga pra eles, mas dizem que estão em manutenção. Minhas duas caixas secaram. Estamos lavando nossas roupas na empresa”.

Situação superada em São João Batista
Se em Brusque faltam investimentos, em outros municípios eles foram feitos e têm dado resultado. A falta de água não é mais um problema para São João Batista, por exemplo. Investimentos realizados na área de abastecimento e distribuição de água por parte da administração municipal, em parceria com o Serviço de Infraestrutura, Saneamento e Abastecimento de Águas Municipal (Sisam).

Recentemente foi construído um novo reservatório de água com capacidade para cerca de 2 milhões de litros. Com a inauguração da estrutura, em abril de 2017, o município praticamente dobrou a capacidade de armazenamento, que atualmente é de até 3,7 milhões de litros.

Foi instalado também, na ETA da cidade, um sistema que permite o controle em tempo real da situação dos reservatórios. Além disso, têm sido efetuadas melhorias na rede de distribuição, como a ampliação em 12 quilômetros desde o último ano e o aumento da vazão em determinados pontos.