Luiz Antonello
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Verão quente de janeiro, Ariel Lemes da Rosa, de 17 anos, está na frente de casa no bairro Rio Branco, em Brusque. Ele conversa com a mãe Cristina Lodi da Silva, de 32. O adolescente, que é diagnosticado com transtorno esquizoafetivo, aguarda pelo início do ano letivo em fevereiro, com as aulas totalmente presenciais.
Nos últimos três anos, Ariel estudou em casa e também realizou acompanhamento de saúde com equipe multidisciplinar no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (Caps-i) de Brusque. Cristina explica que a decisão do estudo a domicílio veio após o jovem passar por dificuldades de convivência na sala de aula, principalmente por causa do barulho excessivo.
Porém, a jornada dele começa bem antes. A mãe relembra que, há quase 10 anos, quando a família ainda morava em Itajaí, percebeu que tinha algo diferente com o filho. Na época, com 8 anos, o menino começou a apresentar mudanças no humor.
“Desde que ele nasceu, sempre foi uma criança diferente. Eu sentia que o Ariel era na dele, não gostava de barulho, brincava sozinho e era uma criança quieta e pacífica. E, de repente, ficou muito agressivo, quebrava as coisas e estava violento, e era apenas uma criança. Logo, você pensa que isso não é normal”, conta.
Dois anos se passaram e a situação se agravou. Então, a família descobriu o Caps durante um atendimento no posto de saúde. O acompanhamento foi iniciado e, quando se mudaram para Brusque, o tratamento passou para o Centro de Atenção Psicossocial da cidade.
Ariel apresentou sintomas da esquizofrenia em 2019 e no final de 2021 recebeu o diagnóstico de transtorno esquizoafetivo. Trata-se de uma mistura de sintomas de esquizofrenia e transtorno de humor, como depressão ou transtorno bipolar, que podem ocorrer ao mesmo tempo ou em momentos diferentes.
Nas crises, Ariel relata que as sensações são de ansiedade, fraqueza e perseguição, acompanhadas de visões. Ele conta que as alucinações são imprevisíveis e acontecem com mais frequência à noite. Nestes momentos, ele vê vultos, imagens materializadas, como de animais, além de ouvir sons.
”Eu já tinha alucinações, mas eu não contava para ninguém, porque não era algo que me incomodava. Mas depois de um tempo passou a incomodar e comecei a mudar. Foi bem difícil”, conta Ariel. Antes, quando tinha alucinações, ele achava que era algo espiritual. “A mãe sempre me levou para a igreja. Depois de um tempo fui perceber que não era nada disso”, recorda.
Sobre o diagnóstico no fim da adolescência, Cristina detalha que, quando se trata de saúde mental, ele não é fechado antes dos 18 anos. Então, o tratamento em crianças trata as suspeitas de transtornos levantadas. Como o Ariel já estava com 17 anos e tinha acompanhamento por um longo período, foi possível fechar o diagnóstico.
Com isso, também veio a mudança na medicação que, junto com o correto acompanhamento da equipe de saúde mental, o jovem melhorou a qualidade de vida em 70%, afirma a família.
“As vozes perturbadoras, de comando, que mais preocupava e causava mal para ele mesmo e para outras pessoas, cessaram. Isso é um ponto positivo para a gente”, avalia a mãe.
Para ela, a decisão de buscar ajuda e tratamento cedo foi fundamental. A partir do momento que a família iniciou o acompanhamento no Caps muitas coisas mudaram. “Os profissionais vão te orientando e te dando suporte para que tu possas suportar esses momentos difíceis. O Caps mudou as nossas vidas”, comenta.
Saindo do vazio
Quando criança, Ariel demonstrava ser muito frio. Segundo a mãe, ele não chorava e também não demonstrava emoções. Cristina explica que isso dificultava conexões com outras pessoas fora do ambiente familiar.
Na escola, o menino se isolava, sofria bullying e era quieto, mas sempre se saiu bem nas matérias. Com o turbilhão de sensações que foram aparecendo pelo caminho, passou a sofrer com ansiedade e depressão.
“Eu me sentia muito sozinho, parece que tinha um vazio enorme dentro de mim. E também não tinha muitos amigos, comecei a me automutilar para aliviar essa dor. Aos 10 ou 11 anos comecei a me cortar”, conta.
Ariel relata que tentou suicídio quatro vezes. “Não via motivos para estar aqui, sabe? Mesmo recebendo carinho e amor da minha mãe e avó, eu não me sentia vivo. Eu achava que era um peso para a minha família, que eles não precisavam de mim, eu dei muito trabalho por um tempo e eu não queria que eles tivessem esse trabalho”, continua.
Contudo, após as internações e tratamento psicológico, ele passou a entender o que sentia e a se conhecer. “Fui me dando a oportunidade de tentar algo novo. Tentar me aproximar de pessoas, conversar. Assim fui evoluindo”, diz.
Hoje, com quase 18 anos, Ariel passa o tempo livre com amigos, toca guitarra e violão, canta, desenha, anda de skate e joga jogos no celular. Porém, o jovem destaca que a conexão com a música faz bem para ele. Música indie, rap, dark country e blues são os estilos preferidos dele. Ariel cita Kamaitachi, Robert Johnson, B.B. King, Tom Jobim, Charlie Brown Jr. e Linkin Park.
“Quando eu tô triste, eu vou tocar música, quanto eu tô feliz também. A música é como eu expresso o que eu estou sentindo”, diz Ariel. “A influência da música é importante para o tratamento”, completa a mãe.
Anos de acompanhamento
O jovem está há mais de sete anos em tratamento. Cristina relembra que os primeiros anos foram extremamente difíceis, pelas dificuldades em entender a situação de Ariel.
”Foi uma longa estrada. Ele começou bem cedo a tomar remédios, chegou a tomar sete tipos de medicamentos diferentes por dia, muito mais do que ele toma hoje. Foi complicado aceitar isso e quando o tratamento não funcionava tinha que mudar”, conta.
“Demorou para eu perceber que precisava daquela ajuda. Porque no começo eu não queria aceitar, eu tinha aquela ideia de que quem fazia tratamento psicológico ou psiquiátrico eram pessoas loucas, mas isso de fato não existe. Após um tempo me acostumei e acabei gostando de ir, foi bem importante para mim”, complementa Ariel.
Cristina ressalta que a psiquiatria ainda é um tabu e outra dificuldade foi lidar com a família após Ariel iniciar o uso de medicamentos. A mãe recorda que muitos expressavam medo de que a medicação pudesse trazer dependência e viciar.
“O que não é verdade, a medicação acaba protegendo o cérebro. Em alguns casos, chega um momento que dá para diminuir e parar com a medicação. No caso do Ariel, ele tem um diagnóstico que pede um acompanhamento contínuo”, diz. “A esquizofrenia precisa de apoio médico sempre. É meio ruim, pois é muito remédio, mas é importante. A gente tem que entender que é necessário”, completa o filho.
Nunca sozinho
Hoje, Ariel conta que se sente muito melhor. Quando está muito triste, ele já sabe o que deve fazer. Com a terapia, as coisas foram mudando e hoje ele conta com o apoio de dois amigos próximos. “Antes de ter amigos, eu achava que não precisava. Mas agora eu percebo o quanto é importante”, comenta.
Após passar por tudo isso, Ariel relata que tem facilidade em ajudar pessoas próximas quando passam por uma situação difícil ou semelhante à dele. O jovem também incentiva os amigos a procurar ajuda.
“Acho que falta os pais observarem e verem que os filhos são mais isolados e muito quietos. Eles deveriam perguntar e se importar de fato, mas muitos não fazem isso. Já a minha mãe fez. Ela se importava, só não sabia como agir”, comenta.
Para Cristina, muitas vezes a raiz do problema está no núcleo familiar. Ela exemplifica que crianças muito sozinhas podem desenvolver problemas emocionais. “Até para um adulto admitir que precisa de um psicólogo e melhorar algumas questões emocionais já é difícil, imagina admitir que uma criança precisa. Quem mais sofre são eles”, diz a mãe.
“Eu vejo uma coisa e falo para mãe, se ela falasse que aquilo não existia, não daria certo. Porque eu sei que existe, eu estou vendo, eu estou sentindo. Mas a mãe sempre tentou entender, ajudar”, ressalta Ariel.
Ao longo da vida, Cristina conta que é preciso avaliar possibilidades e caminhos a seguir, se adaptar. “Hoje, olhando para trás, vejo que a gente evoluiu muito. O Ariel voltando para a escola presencial é muito bom, será um desafio pela frente, um novo tempo”, finaliza.
Janeiro Branco
O primeiro mês do ano é dedicado à conscientização a respeito da saúde mental, cada vez mais reconhecida como uma prioridade global de saúde e desenvolvimento econômico. De acordo com os idealizadores, de maneira simbólica, o primeiro mês do ano é reservado como uma “página em branco” para que novas práticas sejam reescritas, objetivando o bem estar da saúde mental.
A orientação é procurar ajuda profissional quando achar necessário, falar sobre o seu problema e não deixar para depois. Nunca foi tão importante cuidar saúde mental para buscar mais qualidade de vida.
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