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Depressão tem cura?

Nas primeiras décadas do século XXI o culto ao corpo e à boa forma física tem sido uma prioridade para uma parte significativa da população mundial. É provável que isto tenha sido potencializado pela popularização da internet e redes sociais.

“Influencers” com uma ampla gama de formações acadêmicas diferentes ou mesmo sem formação nenhuma orientam sobre os cuidados necessários para ter um corpo perfeito, beleza e condicionamento físico;

Não há dúvidas que preocupados com o físico temos descuidado a parte mental, a chamada saúde mental. Muitas vezes podemos reconhecer a falta de equilíbrio mental nos próprios “professores” da internet. É possível que nos próximos anos precisemos redirecionar os ponteiros da nossa bússola justamente em direção aos cuidados com nossa saúde mental.

O primeiro requisito para sentir paz e alegria de viver é ter saúde mental. Entre as centenas de transtornos mentais a depressão se destaca pela sua alta prevalência na população geral. É certo que há dezenas de subtipos de depressão sendo o mais comum o chamado Transtorno Depressivo Maior (TDM).

Com frequência os portadores de um transtorno depressivo maior indagam sobre a possibilidade de cura. Esta preocupação tem um fundamento, quase sempre o portador de depressão tem a sensação de que não vai conseguir sair desse estado nunca mais.

A boa notícia é que o TDM tem cura, mas ao contrário do que todos pensam, o tratamento medicamentoso e o tratamento psicoterápico são apenas uma parte do processo.

Na maioria dos casos, para evitar as recaídas são necessárias mudanças no estilo de vida e na forma de encarar as vicissitudes do cotidiano.

Se você estiver com humor deprimido, perda de interesse em atividades, falta de concentração, sensação de inutilidade ou culpa, desesperança, pensamentos de morte, alterações no sono e apetite, fadiga, por um período de pelo menos duas semanas deve procurar seu médico.

Quase 6% da população brasileira sofre de depressão, isso representa ao redor de 12 milhões de pessoas. Um dado muito preocupante é que uma parcela significativa desses pacientes não procura ou não tem acesso ao tratamento médico e psicológico.

O primeiro episódio depressivo geralmente aparece entre 24 e 25 anos de idade e 40% dos casos têm início antes dos 20 anos de idade. Daí a importância de estar atentos com o comportamento de nossas crianças e adolescentes.

O transtorno depressivo maior está associado também ao risco de suicídio, lembrando que o suicídio é a quarta maior causa de morte na faixa etária que vai dos 15 aos 29 anos.

Outra pergunta frequente dos pacientes depressivos é: porque tenho essa doença? Não há um fator único, há fatores ambientais como exposição a situações de estresse durante a vida associados a uma predisposição genética.

Pessoas que sofreram abusos e maus tratos na infância ou outros eventos que provocaram sofrimento físico e emocional tem risco aumentado para depressão. Entre os fatores genéticos tem sido identificado que indivíduos com uma variante no gene transportador da serotonina SLC6A4 tem maior incidência da doença.

Uma linha de pesquisa mais recente tem relação com a importância da microbiota intestinal na regulação das monoaminas como serotonina, dopamina e noradrenalina. Resumindo, não há uma causa única e sim uma associação de vários fatores para o início de um quadro depressivo.

Na década de 1950 apareceram os primeiros medicamentos antidepressivos, embora eficazes, essas moléculas tinham muitos efeitos colaterais. Nas últimas décadas apareceram antidepressivos que atuam aumentando vários neurotransmissores no cérebro e que provocam menos efeitos colaterais.

Um número significativo de pacientes, ao redor de 25%, é resistente ao tratamento medicamentoso. Os antagonistas do receptor glutamatérgico N-metil-D-aspartato (NMDA) como a cetamina e escetamina parecem ter bastante eficácia para o tratamento da depressão resistente.

Muitos pacientes precisam ser encaminhados para psicoterapia, sendo a modalidade cognitiva-comportamental a que tem mostrado melhores resultados na maioria dos casos. Há necessidade de introduzir hábitos alimentares saudáveis, cuidados com o sono e a prática regular de atividade física.

Muitos pacientes relatam que a aderência à prática regular de atividade física tem sido a tábua de salvação para manter sua saúde mental. Há inúmeros trabalhos científicos mostrando os benefícios da atividade física melhorando o desempenho cognitivo e emocional dos praticantes.

Infelizmente, as perspectivas para o futuro não são alentadoras. Os transtornos depressivos e os transtornos mentais em geral estão em aumento. Mais de 25% da população mundial relata sentimentos de isolamento social e solidão.

É aceito que o contato através de redes sociais está longe de ter o mesmo efeito benéfico para a saúde mental que a convivência física. É certo também que consumir material de redes sociais onde tudo parece dar certo, lindo e as pessoas exibem uma felicidade fictícia contribui para a sensação de infelicidade e tristeza principalmente em pessoas jovens.

Pareceria que a solução fácil e disponível é “medicalizar” nossa sociedade, seria uma solução falsa. Como dito anteriormente, o uso de medicamentos antidepressivos devidamente orientados por um médico é apenas uma parte do tratamento.

A sociedade como um todo e os profissionais de saúde em particular devemos estar atentos porque evidentemente há interesses da indústria farmacêutica em estimular o uso de medicamentos para solucionar até as “dores da alma”.

Este interesse espúrio tem contaminado organismos médicos e seria uma das causas que cada vez existam novos transtornos mentais relatados no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) atualmente na quinta edição.

Mesmo em países do primeiro mundo existe falta de profissionais especialistas no tratamento de transtornos mentais e no Brasil não é diferente.

Alguns países do terceiro mundo têm capacitado pessoas da comunidade para dar suporte emocional aos portadores de transtornos mentais, estes programas têm se mostrado bastante eficazes.

O primeiro passo a tomar quando tenhamos um caso de depressão no nosso círculo familiar ou de amizades é o acolhimento, brindar apoio, companhia e solidariedade além de estimular a procura por um profissional médico para iniciar um tratamento.