A dimensão histórica de Jesus de Nazaré

Paulo Vendelino Kons, historiador

A dimensão histórica de Jesus de Nazaré

Paulo Vendelino Kons, historiador

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  • 25/12/2018
  • 18:00
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Em tempos de articulados ataques a princípios e valores cristãos, patrocinados inclusive por governos nacionais e poderosos organismos multilaterais, uma pequena minoria de amadores e um ou outro historiador não especialista na análise das fontes bíblicas como documentos históricos, buscam notoriedade ao afirmarem ser Jesus um mito, inventado pelo intrépido Paulo ou por outros integrantes da primeira geração de cristãos.

Os estudos sobre Jesus histórico são frutos da modernidade, dos séculos XVII e XVIII. É uma tentativa de passar em revista o que foi esse movimento em torno de Jesus de Nazaré, desde o livro normalmente datado das duas primeiras décadas do século II, conhecido como Atos dos Apóstolos. O médico Lucas é o autor que – imbuído por percepções historiográficas próprias do século I – toma a iniciativa de explicar como o Jesus da província da Judeia, lá na Galileia, chega até Roma. E as diferentes perspectivas de autores se fazem sentir. Enquanto Paulo entende Cristo a partir de seu sacrifício e ressurreição, Marcos parte do batismo, por exemplo.

E um questionamento que desperta debates acalorados: Jesus de Nazaré realmente existiu?

Os historiadores, tanto religiosos quanto agnósticos ou ateus, em sua grande maioria, declaram que Jesus esteve entre nós, há 2000 mil anos.

O Jesus histórico é Jesus de Nazaré reconstruído pelos historiadores através do método histórico. Este método usa a alta crítica para analisar os textos evangélicos, principal fonte para a biografia de Jesus, juntamente com textos fontes não canônicos para reconstruir o contexto histórico do primeiro século.

Assim o Jesus que a historiografia busca estudar é a pessoa de Jesus, homem nascido em Nazaré, filho de um carpinteiro, que viveu no século I, atraindo um pequeno grupo de galileus e, após um período de ministério, foi crucificado pelos romanos na Palestina durante o governo de Pôncio Pilatos.

Ele realmente existiu? Existem fontes, além da Bíblia, que comprovam sua existência? Ou ele foi um mito criado? Pois atualmente vemos inúmeras revistas, filmes, livros que tentam desmistificar o homem Jesus e há aqueles que também buscam comprovar a não existência de Jesus Cristo. Para termos certeza se uma pessoa é um personagem histórico é necessário saber se ele realmente existiu, se há informações seguras sobre essa pessoa e se eventualmente podemos lhe atribuir certos escritos ou palavras.

Messias
Para a religião cristã, Jesus é filho de Deus, plenamente Deus e plenamente homem, é o Messias. Cristo é o nome título dado pelos cristãos gregos a Jesus de Nazaré. A palavra “Cristo”, em grego Χριστός (Christós), ou seja, “Ungido” é uma tradução literal de Messias (mashiach). Esse é o Jesus Teológico. Contudo, para a historiografia, esses adjetivos não são os pontos que podem responder essa questão. O Jesus em questão é o que nasceu, viveu e morreu na Palestina, concretamente, num determinado período histórico.

Além de toda a literatura produzida por seguidores, como os 27 livros do Novo Testamento, documentação produzida por historiadores e governantes contemporâneos atestam a historicidade da existência e missão de Jesus Cristo.

Fontes
Um dos maiores obstáculos para estudarmos a vida de Jesus são as poucas fontes que a historiografia dispõe. A Bíblia, com certeza, é uma preciosa fonte de pesquisa, já que nela encontramos textos que retratam a vida e a caminhada de Jesus, além de registros posteriores a sua morte (Atos dos Apóstolos, Apocalipse e as Epístolas). Mas além da Bíblia, existem outras fontes?

De acordo com a historiadora Eliane Moura Silva, da Unicamp, “os fatos da vida de Cristo são relatados de passagem em alguns textos antigos, como a Vida dos Judeus, de Flávio Josefo, que viveu entre os anos 37 d.C. e 103 d.C., porém de forma pontual e não muito extensiva”. Há estudos que revelam serem verdadeiras muitas das referências históricas contidas nos Evangelhos do Novo Testamento, que tratam da vida de Cristo, mas que também foram escritos posteriormente. Trata-se de período conhecido da história do Império Romano, embora a Judeia (onde Jesus viveu) não fosse a principal preocupação nem a província romana mais importante na época.

“O testemunho transmitido por tradição oral nos primeiros séculos têm um peso decisivo, que não pode ser descartado”, pondera o professor doutor  Luiz Carlos Susin, da PUC-RS. Mas o professor doutor James Veitch, in Birth of Jesus: History or Myth, afirma que Jesus foi basicamente um bom judeu que fez o melhor de si para apresentar Deus a seus contemporâneos, e teria sido Saulo de Tarso – que ficou conhecido posteriormente como Paulo – o responsável pela disseminação do cristianismo e pela divinização de Jesus. O historiador André Chevitarese, da UFRJ, explica: “Foi o grupo que catequizou Paulo que colocou a ressurreição como elemento central da cristandade de Jesus. E Paulo, um judeu helenizado, que falava grego e vivia em cidades, soube dialogar com outras culturas não judaicas, disseminando o cristianismo”.

Fontes além da Bíblia

  1. José ben Matias, mais conhecido por seu nome romano Tito Flávio Josefo (37 d.C.-100 d.C.)

O historiador Josefo que viveu ainda no primeiro século, nascido em Jerusalém (nasceu no ano 37 ou 38), conheceu a primitiva comunidade cristã e, como pertencente à nobreza sacerdotal judaica, ocupou-se criticamente dos seguidores de Jesus.  Descendente da aristocracia sacerdotal de Jerusalém, ele acabou sendo escolhido como líder das forças judaicas na Galileia durante a grande revolta de seu povo contra os romanos (que foi de 66 d.C. a 73 d.C.). Encurralado com um punhado de seus homens pelas forças do general Vespasiano em Yodfat, ele sugeriu um pacto suicida para que os soldados judeus não caíssem nas mãos dos romanos e foi o único sobrevivente. Afirmou então ter tido uma visão divina de que Vespasiano seria o próximo imperador de Roma e, ao comunicar isso ao general, caiu nas graças do romano, ajudando as legiões romanas como negociador no decorrer da luta. Vespasiano de fato assumiu o controle do Império e recompensou Josefo com a cidadania romana, uma pensão e tempo livre para escrever, o que ele fez abundantemente em suas duas principais obras, “Antiguidades Judaicas” e “A Guerra dos Judeus”. A primeira obra foi escrita por volta do ano 90 — mais ou menos na época do Evangelho de João, ou mesmo do Evangelho de Lucas. Nos manuscritos em grego (Josefo escrevia em grego) que chegaram até nós há duas menções a Jesus, além de outra a João Batista, em “Antiguidades Judaicas”:

– “(O sumo sacerdote) Hanan reúne o Sinedrim em conselho judiciário e faz comparecer perante ele o irmão de Jesus cognominado Cristo (Tiago era o nome dele) com alguns outros” [Flavio Josefo, Antiguidades Judaicas, XX, p.1, apud Suma Católica contra os sem Deus, dirigida por Ivan Kologrivof. Ed José Olympio, Rio de Janeiro 1939, p. 254].

– “Foi naquele tempo (por ocasião da sublevação contra Pilatos que queria servir-se do tesouro do Templo para aduzir a Jerusalém a água de um manancial longínquo), que apareceu Jesus, homem sábio, se é que, falando dele, podemos usar este termo homem. Pois ele fez coisas maravilhosas, e, para os que aceitam a verdade com prazer, foi um mestre. Atraiu a si muitos judeus, e também muitos gregos. Foi ele o Messias esperado; e quando Pilatos, por denúncia dos notáveis de nossa nação, o condenou a ser crucificado, os que antes o haviam amado durante a vida persistiram nesse amor, pois Ele lhes apareceu vivo de novo no terceiro dia, tal como haviam predito os divinos profetas, que tinham predito também outras coisas maravilhosas a respeito dele; e a espécie de gente que tira dele o nome de cristãos subsiste ainda em nossos dias“. [Flávio Josefo, História dos Hebreus, Antiguidades Judaicas, XVIII, III, 3 , ed. cit. p. 254].

Eruditos como Harnack, C. Burkitt e Emery Barnes, após longos e minuciosos estudos estilísticos e filológicos da obra de Josefo, afirmaram que o texto de Josefo sobre Jesus é autêntico em sua totalidade.

  1. Tácito (55-120 d.C.)

Públio Cornélio Tácito foi governador da Ásia, pretor, cônsul, questor, historiador romano e orador. Em seus “Anais da Roma Imperial” mencionou Cristo e os cristãos de seus dias. No ano de 64 d.C, o imperador Nero mandou incendiar Roma e colocou a culpa em cima dos cristãos. Isso culminou na primeira grande perseguição aos cristãos, que levou ao martírio milhares deles, incluindo Paulo e Pedro.

Durante os três séculos seguintes, vários imperadores promoveram perseguições, inclusive com os espetáculos de circo, onde os cristãos eram atirados para serem devorados pelas feras. Porém, quanto mais eram perseguidos e martirizados, mais aumentavam em número, como bem destacou Tertuliano (séc.II): sanguis martyrum est sêmen christianorum – “o sangue dos mártires é semente para fazer novos cristãos”.

Tácito narra a perseguição aos cristãos no primeiro século nas seguintes palavras:

“Para destruir o boato (que o acusava do incêndio de Roma), Nero supôs culpados e infringiu tormentos requintadíssimos àqueles cujas abominações os faziam detestar, e a quem a multidão chamava cristãos. Este nome lhes vem de Cristo, que, sob o principado de Tibério, o procurador Pôncio Pilatos entregara ao suplício. Reprimida incontinenti, essa detestável superstição repontava de novo, não mais somente na Judeia, onde nascera o mal, mas anda em Roma, pra onde tudo quanto há de horroroso e de vergonhoso no mundo aflui e acha numerosa clientela” [Tácito, Anais, XV, 44 trad. 1 pg. 311]

Tácito não era cristão. Ele considerava o Cristianismo uma “detestável superstição”, como muitos o consideram hoje. Mas ele admitia sua existência histórica já naqueles dias. Em seus Anais, ele descreve o martírio desses cristãos nas seguintes palavras:

“Uma grande multidão foi condenada não apenas pelo crime de incêndio, mas por ódio contra a raça humana. E, em suas mortes, eles foram feitos objetos de esporte, pois foram amarrados nos esconderijos de bestas selvagens e feitos em pedaços por cães, ou cravados em cruzes, ou incendiados, e, ao fim do dia, eram queimados para servirem de luz noturna” [Tácito, Anais, XV.44.]

Em todo este quadro, vemos como é incontestável a existência histórica de Jesus e dos cristãos, bem como da perseguição a estes, ainda no primeiro século da era cristã. A importância deste último livro de Tácito (Anais) e a sua autoridade são hoje reconhecidas no mundo inteiro. No 15º livro dos Anais, a partir do parágrafo XXXVIII, Tácito começa a narrar o terrível incêndio que quase destruiu totalmente Roma no ano 64 d.C. A seguir a citação integral do relato de Tácito:

“Mas nem todos os socorros humanos, nem as liberalidades do imperador, nem as orações e sacrifícios aos deuses podiam diminuir o boato infamatório de que o incêndio não fora obra do acaso. Assim Nero, para desviar de si as suspeitas, procurou achar culpados, e castigou com as penas mais horrorosas a certos homens que, já dantes odiados por seus crimes, o vulgo chamava cristãos. O autor desse seu nome foi Cristo, que no governo de Tibério foi condenado ao último suplício pelo procurador Pôncio Pilatos. A sua perniciosa superstição, que até ali tinha estado reprimida, já tornava a alastrar-se não só por toda Judeia, origem deste mal, mas até dentro de Roma, aonde todas as atrocidades do Universo, e tudo quanto há de mais vergonhoso vem enfim acumular-se, e sempre acham acolhimento. Em primeiro lugar se prenderam os que confessavam ser cristãos, e depois, pelas denúncias destes, uma multidão inumerável, os quais, além de terem sido acusados como responsáveis pelo incêndio, foram apresentados como inimigos do gênero humano. O suplício destes miseráveis foi ainda acompanhado de insultos, porque ou os cobriram com peles de animais ferozes para serem devorados pelos cães, ou foram crucificados, ou os queimaram de noite para servirem como archotes e tochas ao público. Nero ofereceu os seus jardins para este espetáculo, e ao mesmo tempo dava-se os jogos do Circo, misturado com o povo em trajes de cocheiro, ou guiando carroças. Desta forma, ainda que culpados e dignos dos últimos suplícios, mereceram a compaixão universal por se ver que não eram imolados à utilidade pública, mas aos passatempos atrozes de um bárbaro” [Tácito, Anais. Tradução de J.L. Freire de Carvalho. W.M. Jackson Inc. Rio de Janeiro. 1950. pp 405-409]

À luz de mais essa confirmação do Jesus histórico, o grande historiador inglês Edward Gibbon (1737-1794) confessou: “A crítica mais cética deve respeitar a verdade desse fato extraordinário e a integridade desse tão famoso texto de Tácito” [Dialogus de Oratoribus]

Afirmar que todas essas citações de Tácito sobre Cristo e os cristãos ainda em pleno século I foram falsificadas é não apenas argumentar no vazio, sem nenhum fundamento para tanto, mas também desprezar todo o contexto. As citações aos cristãos permeiam todo o contexto, não são interpolações acrescentadas posteriormente, o que obviamente quebraria a sequencia lógica de ideias.

Tácito deixou também em seu livro outro importante registro relacionado ao Cristianismo quando falou do julgamento de uma mulher pertencente à alta sociedade romana, chamada Pompônia Grecina. Essa mulher foi acusada de ter passado a fazer parte do número de pessoas que praticavam “uma superstição importada”:

“Pompônia Grecina, dama da alta sociedade (esposa de Aulo Plácio, que fez jus, como já mencionado, à vocação com sua campanha contra a Grã-Bretanha), foi acusada de aderir a uma superstição importada; o próprio marido a entregou; segundo precedentes antigos, apresentou aos membros da família o caso que envolvia a condição legal e dignidade da esposa. Esta foi declarada inocente. Pompônia, porém, passou a transcorrer sua longa vida em constante melancolia; morta Júlia, filha de Druso, viveu ainda quarenta anos trajando luto e fartando-se de tristeza. Sua absolvição, ocorrida em dias de Cláudio (Nero), veio a ser-lhe motivo de glória” [Anais. Livro XIII. Parágrafo XXXII]

Tácito, neste texto, não fala explicitamente que essa religião era a cristã, mas ele se refere a ela como sendo uma “superstição importada”, que foi exatamente a mesma palavra que ele usou naquele mesmo livro para se referir aos cristãos, quando disse que o Cristianismo era uma “superstição” que começou na Judeia e na sua época já havia se espalhado pelo mundo, por isso o termo “superstição importada” (i.e, que veio de fora).

Prova ainda mais forte que a sua conversão de Pompônia Grecina (de que trata o texto) foi realmente à fé cristã é o fato de que a arqueologia comprova que ela realmente se converteu ao Cristianismo. Foram descobertas nas Catacumbas de Roma inscrições datadas do século III, fazendo referência à família Pompônia (gens pomponia) com vários de seus membros convertidos ao Cristianismo, o que nos revela que esta referência indireta da parte de Tácito trata-se de mais uma menção da existência dos seguidores de Jesus já no primeiro século da era cristã.

  1. Suetônio (69-122 d.C.)

Suetônio, na Vida dos Doze Césares, publicada nos anos 119-122, diz que o imperador Cláudio: “expulsou os judeus de Roma, tornados sob o impulso de Chrestos, uma causa de desordem”; e, na vida de Nero, que sucedeu a Cláudio, acrescenta: “Os cristãos, espécie de gente dada a uma superstição nova e perigosa, foram destinados ao suplício” [Suetônio, Vida dos doze Césares, n. 25, apud Suma Católica contra os sem Deus, p. 256-257].

  1. Plínio, o Moço (61-114 d.C.)

Plínio, o moço, em carta ao imperador Trajano [Epist. lib. X, 96], nos anos 111 – 113, pede instrução a respeito dos cristãos, que se reuniam de manhã para cantar louvores a Cristo. Em sua carta explica: “É meu costume, meu senhor, referir a ti tudo aquilo acerca do qual tenho dúvidasNunca presenciei a julgamento contra os cristãos… Eles admitem que toda sua culpa ou erro consiste nisso: que usam se reunir num dia marcado antes da alvorada, para cantar hino a Cristo como DeusParecia-me um caso sobre o qual devo te consultar, sobretudo pelo número dos acusadosDe fato, muitos de toda idade, condição e sexo, são chamados em juízo e o serão. O contágio desta superstição invadiu não somente as cidades, mas também o interior; parece-me que ainda se possa fazer alguma coisa para parar e corrigir… ” [Ep. X, 96].

CARTA DE PLÍNIO O MOÇO AO IMPERADOR TRAJANO

Carta de Caio Plínio Segundo (Plínio o moço), governador da Bitínia entre 111 e 113, enviada a Trajano, imperador de Roma entre 98 e 117 dC, solicitando instruções de como proceder perante as denúncias contra os cristãos. A epístola, escrita por volta de 111, foi extraída do “Epistolário de Plínio” X,96.

Senhor:

É regra para mim submeter-te todos os assuntos sobre os quais tenho dúvidas, pois quem mais poderia orientar-me melhor em minhas hesitações ou me instruir na minha ignorância?

Nunca participei de inquéritos contra os cristãos. Assim, não sei a quais fatos e em que medidas devem ser aplicadas penas ou investigações judiciárias. Também me pergunto, não sem perplexidade: deve-se considerar algo com relação à idade, ou a criança deve ser tratada da mesma forma que o adulto? Deve-se perdoar o arrependido ou o cristão não lucra nada tendo voltado atrás? É punido o nome de “cristãos”, mesmo sem crimes, ou são punidos os crimes que o nome deles implica?

Esta foi a regra que eu segui diante dos que me foram deferidos como cristãos: perguntei a eles mesmos se eram cristãos; aos que respondiam afirmativamente, repeti uma segunda e uma terceira vez a pergunta, ameaçando-os com o suplício. Os que persistiram mandei executá-los pois eu não duvidava que, seja qual for a culpa, a teimosia e a obstinação inflexível deveriam ser punidas. Outros, cidadãos romanos portadores da mesma loucura, pus no rol dos que devem ser enviados a Roma.

Bem cedo, como acontece em casos semelhantes, com o avançar do inquérito se estendia também o crime, apresentando-se diversos casos de tipo diferente:

Recebi uma denúncia anônima, contendo grande número de nomes. Os que negavam ser cristãos ou tê-lo sido, se invocassem os deuses segundo a fórmula que havia estabelecido, se fizessem sacrifícios com incenso e vinho para a tua imagem (que eu havia mandado trazer junto com as estátuas dos deuses) e, se, além disso, amaldiçoavam a Cristo – coisas estas que são impossíveis de se obter dos verdadeiros cristãos – achei melhor libertá-los.

Outros, cujos nomes haviam sido fornecidos por um denunciante, disseram ser cristãos e depois o negaram: haviam sido e depois deixaram de ser, alguns há três anos, outros há mais tempo, alguns até há vinte anos. Todos estes adoraram a tua imagem e as estátuas dos deuses e amaldiçoaram a Cristo, porém, afirmaram que a culpa deles, ou o erro, não passava do costume de se reunirem num dia fixo, antes do nascer do sol, para cantar um hino a Cristo como a um deus; de obrigarem-se, por juramento, a não cometer crimes, roubos, latrocínios e adultérios, a não faltar com a palavra dada e não negar um depósito exigido na justiça. Findos estes ritos, tinham o costume de se separarem e de se reunirem novamente para uma refeição comum e inocente, sendo que tinham renunciado a esta prática após a publicação de um edito teu onde, segundo as tuas ordens, se proibiam as associações secretas.

Então achei necessário arrancar a verdade, por meio da tortura, de duas escravas que eram chamadas ministrae (agente, ministro), mas nada descobri além de uma superstição irracional e sem medida. Por isso, suspendi o inquérito para recorrer ao teu conselho.

O assunto parece-me merecer a tua opinião, principalmente por causa do grande número de acusados. Há uma multidão de todas as idades, de todas as condições e dos dois sexos, que estão ou estarão em perigo, não apenas nas cidades, mas também nas aldeias e campos onde se espalha o contágio dessa superstição; contudo, creio ser possível contê-la e exterminá-la.

Com certeza, sei que os templos desertos até há pouco, começam a ser novamente frequentados; que as solenidades sagradas até há pouco interrompidas, são retomadas; e que, por toda a parte, voltam a vender-se a carne das vítimas, até há pouco sem compradores. Disto pode-se concluir que uma multidão de pessoas poderia ser curada se fosse aceito o arrependimento delas.

  1. Tertuliano (155-220 d.C.)

Escritor latino. Seus escritos constituem importantes documentos para a compreensão dos primeiros séculos do cristianismo. Ele escreveu: “Portanto, naqueles dias em que o nome cristão começou a se tornar conhecido no mundo, Tibério, tendo ele mesmo recebido informações sobre a verdade da divindade de Cristo, trouxe a questão perante o Senado, tendo se decidido a favor de Cristo…”.

  1. Os Talmudes Judeus

A tradição judaica recolhe também notícias acerca de Jesus. Assim, no Talmude de Jerusalém e no da Babilônia incluem-se dados que, evidentemente, contradizem a visão cristã, mas que confirmam a existência histórica de Jesus de Nazaré. 

  1. Alcorão

Jesus, conhecido em árabe como Isa ou Isa ibn Maryam ‘Jesus, filho de Maria’, é um dos principais Profetas do Islã. O  livro sagrado dos muçulmanos refere-se a Jesus em quinze capítulos e em noventa e três versos do corão. Ele é designado nestas escrituras de várias maneiras: al-Masih (messias), nabi (profeta), rasul (mensageiro), Ibn Maryam (filho de Maria), min al-muiarraben (entre os que estão próximos de Deus), wadjih (digno de louvor neste mundo e no próximo), mubarak (abençoado) e Abd Allah (servo de Allah). A virgindade de Maria é plenamente reconhecida pelo islã. No corão está escrito que Jesus nasceu de concepção virginal, um milagre de Deus (Allah, em árabe).

AUTORES NÃO-CRISTÃOS DECLARAM QUE JESUS:

  1. Foi morto e crucificado, mas os discípulos estavam realmente certos de que ele havia ressuscitado (Josefo);
  2. Tinha um irmão chamado Tiago (Josefo);
  3. Os seguidores foram feitos objetos de esporte, foram amarrados nos esconderijos de bestas selvagens e feitos em pedaços por cães, ou cravados em cruzes, ou incendiados, e, ao fim do dia, eram queimados para servirem de luz noturna (Tácito);
  4. Os cristãos (seus seguidores) foram destinados ao suplício (Suetônio);
  5. Os judeus foram expulsos de Roma por causa de Cristo (Suetônio);
  6. Introduziu uma nova seita no mundo (Luciano de Samosata, satirista grego (125 – 181 d.C));
  7. Seus seguidores continuam se reunindo regularmente para lhe prestar culto como a Deus (Plínio);
  8. Seus discípulos se recusavam a prestar culto aos deuses romanos (Luciano de Samosata);
  9. Seus seguidores se recusavam a amaldiçoá-lo, mesmo sob tortura (Plínio);
  10. Eram castigados em caso de não se arrependerem e começassem a adorar os deuses pagãos (Imperador Trajano, 53 – 117 d.C));
  11. Na sua morte ocorreu um eclipse do sol durante a lua cheia (Flêgão, historiador do século I);
  12. É comparado a Sócrates e Pitágoras pela sua sabedoria (Mara Bar-Serapião, escritor sírio e filósofo estoico, 73 d.C);
  13. Morreu crucificado (Josefo);
  14. Pregava em Nazaré (Talmude);
  15. Ressuscita os mortos e cura os enfermos (Rei Abgar V ou Abgarus V de Edessa, reinou entre 4 a.C a 50 d.C);
  16. Foi crucificado na véspera da páscoa (Talmude);
  17. Pouco depois de sua morte, os judeus foram dispersos e destruídos (Mara Bar-Serapião);
  18. Era adorado pelos seus seguidores (Luciano de Samosata);
  19. Foi crucificado na Palestina (Luciano de Samosata);
  20. Tinha um irmão chamado Tiago e um pai chamado José (Ossuário do Irmão de Jesus, a primeira descoberta arqueológica referente a Jesus e Sua família. O ossuário de Tiago, irmão de Jesus, data do século I e traz a inscrição em aramaico: “Tiago, filho de José, irmão de Jesus” (Ya’akov bar Yosef achui d’Yeshua));
  21. Fazia os cegos verem, os coxos andarem, purificava os leprosos, expulsava os demônios e os espíritos imundos, curava os oprimidos por longas doenças e ressuscitava os mortos (Rei Abgar V);
  22. Foi chamado de “Cristo” (Josefo);
  23. Praticou “magia”, conduzindo Israel a novos ensinamentos (Talmude);
  24. Afirmou ser Deus e que retornaria (Rabino Eliezer);
  25. Morreu na época da lua cheia da Páscoa (Talo, historicista samaritano que escreveu entre os anos de 50 e 55 d.C;
  26. Foi condenado por Pôncio Pilatos no governo de Tibério César (Tácito);
  27. Trevas e um terremoto aconteceram quando ele morreu (Talo);
  28. Seus discípulos estavam dispostos a morrer por sua crença (Plínio);
  29. Foi pendurado a véspera da Páscoa (Sinédrio da Babilônia);
  30. Era considerado o “Filho de Deus” (Rei Abgar V).

A terra e a gente de Jesus
Jesus viveu e atuou na Palestina, pequena faixa de terra com área de 20 mil quilômetros quadrados, dividida de alto a baixo por uma cadeia de montanhas. A cidade de Jerusalém contava com aproximadamente 50 mil habitantes. Por ocasião das grandes festas religiosas, chegava a receber 180 mil peregrinos. A economia centrava-se na agricultura, pecuária, pesca e artesanato. O poder efetivo sobre a região estava nas mãos dos romanos, que respeitavam a autonomia interna das regiões dominadas. O centro do poder político interno localizava-se no Templo de Jerusalém. Assessorado por 71 membros do Sinédrio (tribunal criminal, político e religioso), o sumo sacerdote exercia grande influência sobre os judeus, mesmo os que viviam fora da Palestina. Para o Templo e as sinagogas convergia a vida dos judeus. E foi nesta realidade que Jesus apareceu na História dessa região.

A cidade de Nazaré
Um vilarejo de trabalhadores rurais numa encosta de serra com, no máximo, 400 habitantes. Segundo os arqueólogos, essa era a cidade de Nazaré no tempo de Jesus. De tão pequena, a vila praticamente não é citada nos documentos da época. “As escavações arqueológicas na cidade não encontraram nenhuma construção importante que datasse do tempo de Jesus”, diz o historiador John Dominic Crossan. “Em compensação, foram encontradas pequenas prensas de azeitonas para a fabricação de azeite, prensas de uvas para vinho, cisternas de água, porões para armazenar grãos e outros indícios de uma vida agrária de subsistência.”

A residência em que Jesus cresceu devia ter chão de terra batida, teto de estrados de madeira cobertos com palha e muros de pedras empilhadas com barro, lama ou até uma mistura de esterco e palha para fazer o isolamento.

A Cruz e a História
“Como esse é um campo cheio de fé e paixões, a busca do Jesus histórico sempre foi um desafio”, diz André Chevitarese, um dos maiores especialistas sobre o tema no país. “Enquanto um religioso conservador ressalta a dimensão espiritual da figura de Jesus, um teólogo da libertação vai buscar nele sua atuação como um revolucionário político.”

Jesus foi um revolucionário, podemos até dizer. Ele lutava contra as injustiças e viu as misérias e os sofrimentos da população da época.

Também conviveu com os fortes preconceitos em relação às mulheres, samaritanos e pelos leprosos. Deparou-se com a forte repressão romana sobre os judeus e com os embates de grupos revoltosos.

Questionou a corrupção e tentou rever alguns costumes judaicos. Foi nesse contexto histórico que Jesus viveu, sendo ele um fator de mudança. Ele falava com as pessoas, tinha atitudes nobres e era um exímio questionador. Não pregou o uso da violência, mas fazia com que os sacerdotes e as demais autoridades da região fossem questionados por suas atitudes e por seu mau exemplo.

A história de vida de Jesus termina com sua morte. A partir daí veremos entrar a ideia do Jesus teológico, no que diz respeito a sua ressurreição, os seus milagres e ascensão.

Mas, a ressurreição é uma questão de fé e não de História. Assim, a História não tem o comprometimento de atuar nesse sentido, todavia, ela comprova a existência do Jesus de Nazaré, morto na cruz por seus ideais de mudança, os quais incomodaram por demais as autoridades judaicas. Foi crucificado, assim como qualquer outro criminoso, entretanto seu crime foi denunciar injustiças e anunciar suas ideias.

E Yeshua, o judeu pobre que morreu durante a Páscoa em Jerusalém, foi cada vez mais reconhecido e divulgado por seus seguidores e até hoje sua história de vida é exemplo para muitos, mesmo para aqueles que não o seguem. Mas para nós, seguidores seus, “o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 14).


FONTES:

– A Bíblia de Jerusalém. (1998). São Paulo: Ed. Paulinas

– Alcorão: fonte digital do Instituto Brasileiro de Estudos Islâmicos http://www.ibeipr.com.br – página visitada em 20 de dezembro de 2018.

– Flávio Josefo: uma testemunha no tempo dos apóstolos; (tradução I. F. Leal Ferreira). – São Paulo: Paulus,1986.

– CHEVITARESE, André L., ARGÔLO, Paula F. & RIBEIRO, Raphaela S. (orgs.) Sociedade e Religião na Antigüidade Oriental. Rio de Janeiro: Fábrica de Livros / SENAI, 112-29.

– CHEVITARESE, André L., CORNELLI, Gabriele & SELVATICI, Monica. (orgs.) Jesus de Nazaré: Uma Outra História. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006.

– CROSSAN, Jonh D. O Jesus Histórico: a vida de um camponês judeu no Mediterrâneo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994.

– BANZOLI, Lucas, DIJON, Emmanuel As Provas da Existência de Deus. Edição dos autores: 2015

 

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