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Discurso em Libras da primeira-dama divide opiniões de intérpretes de Brusque

Ato pode trazer mais visibilidade para a comunidade surda, mas falta incentivo e acessibilidade por parte do governo e entidades

No Brasil, há cerca de 9,7 milhões de pessoas surdas ou com deficiência auditiva, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para substituir a comunicação por meio de sons, a comunidade surda utiliza a Língua Brasileira de Sinais (Libras), língua com léxico e gramática próprios e que faz uso de movimentos e gestos. Como não são todas as pessoas que conhecem a Libras, a profissão de intérprete ou tradutor é necessária para intermediar as interações.

Rosana Jacinto é tradutora de Libras há 15 anos, e conhece a língua há 17. “Quando eu comecei só tinha curso técnico, com apoio da igreja católica, para ser intérprete nas missas. Depois de dois anos de curso, me formei intérprete”, conta ela, que começou a atuar com Libras em Joinville.

A maior e mais antiga das demandas, segundo Rosana, é de intérpretes nas escolas. Porém, há cerca de cinco anos, ela avalia que o espaço se abriu também nas indústrias de Brusque: “Com a cota, as empresas contratam mais surdos, e com isso cresce a demanda tanto na adaptação de vídeos institucionais quanto para eventos, para a inclusão dos trabalhadores”.

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Valor do serviço de intérprete ainda é alto, o que interfere na procura e contratação | Arquivo Pessoal

Segundo Rosana, Brusque evoluiu muito na inclusão de surdos nos últimos anos, mas ainda falta incentivo por parte do governo municipal. “É unânime entre os tradutores. Muitos surdos nos procuram e pedem para acompanhar em consultas médicas, na polícia, prefeitura, bancos.” Devido à falta de profissionais que façam atendimento em Libras no setor público, as pessoas com deficiência auditiva permanecem muito dependentes de familiares ou pessoas em quem confiam para acompanhá-los nessas situações.

O presidente da Associação de Surdos de Brusque (ASBRU), Rafael Mafra, são necessários mais intérpretes de Libras em locais como consultórios médicos, farmácias e lojas. “Não dá para se comunicar facilmente. As pessoas querem e se interessam pela língua de sinais, mas faltam vagas”, comenta.

Tradutora de Libras há 16 anos, Natália Lucas Dutra Bortoluzzi é tutora do curso de Letras-Libras da Uniasselvi em Brusque e presta serviço de intérprete para algumas empresas. Ela tem uma cunhada surda e costuma acompanhá-la nesses momentos, quando precisa ir ao banco, prefeitura ou outros lugares onde não há tradutores. “Não tem intérprete em lugar nenhum, e o surdo que não tem alguém que ajude não se comunica. Precisa usar outros meios, e nem sempre a comunicação funciona”, diz Natália.

Mais visibilidade?
Na cerimônia de posse do presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama Michelle Bolsonaro discursou em Libras no parlatório do Palácio do Planalto, e dirigiu-se à comunidade surda: “Vocês serão valorizados e terão seus direitos respeitados. Tenho esse chamado no meu coração e desejo contribuir na promoção do ser humano”, disse.

A luta dos intérpretes de língua de sinais, conforme Rosana, vem de antes de Libras se tornar uma língua oficial, em 2002. “A luta é pela acessibilidade”, pontua. Para ela, o discurso em Libras da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, mostra que os surdos são, também, cidadãos “que tem voz e vez”.

“A gente bate muito de frente com muitos setores públicos, empresas, famílias que não querem fazer a adaptação e inclusão. Eu já ‘briguei’ com muita gente para reivindicar isso”, diz. Segundo ela, há grupos de funcionários surdos em empresas de Brusque que se impõe, exigem melhorias e são atendidos: “Voz eles têm, só não tinham espaço, que agora foi aberto. Acredito que a Libras terá uma visibilidade maior, até por ações de marketing de empresas que vão trazer a acessibilidade com esse intuito”.

Michelle Bolsonaro discursou em Libras no parlatório do Palácio do Planalto | Reprodução

O campo de trabalho, de acordo com a tradutora, é grande, mas o custo ainda é alto: como não há muitos intérpretes, o valor do serviço ainda pode ser caro, o que reduz a procura e contratação.

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Para Natália, o discurso em Libras foi fogo de palha: “Pode ser que melhore, mas não vejo muita esperança”. Ela comenta que, desde a oficialização da Libras como língua oficial, em 2002, muitas empresas grandes de Brusque passaram a investir na acessibilidade, fornecendo cursos para os funcionários, porém, não é assim em todos os lugares: “Muitos não investem. Na troca da gestão municipal nós já perdemos o patrocínio para a nossa associação [(ASBRU)], o que nós temos agora é com os eventos que fazemos”.

A Libras
O sistema brasileiro é derivado das línguas de sinais da Europa e da América, e diferentes países possuem diferentes versões. A Libras foi reconhecida oficialmente como língua brasileira em 2002, pela Lei nº 10.436, com a aprovação do projeto da então senadora Benedita da Silva (PT-RJ) e sanção pelo presidente da época, Fernando Henrique Cardoso.

Em 2005, o presidente Lula assinou o decreto que regulamenta o uso da língua no serviço público e que determina regras para o atendimento de deficientes auditivos na educação, saúde e outros serviços federais. A lei que regulamenta a profissão de tradutor e intérprete de Libras foi sancionada apenas em 2010, a partir de um projeto apresentado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS).