Divididos pela política: diferenças de posicionamento geram conflitos em famílias de Brusque nestas eleições
Psicólogo afirma que são comuns os desentendimentos familiares em momentos de escolha
Bárbara Sales
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Luiz Antonello
luiz@omunicipio.com.br
As desavenças políticas nunca estiveram tão evidentes quanto nas eleições de 2022. A polarização entre direita e esquerda acirrou os ânimos e dividiu o país, resultando na disputa presidencial mais acirrada desde a redemocratização, em 1989.
A diferença de votos entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) foi de pouco mais de 2,1 milhões. Lula, eleito para o terceiro mandato, fez 60.345.999 votos, ou seja, 50,90%. Já Bolsonaro conquistou 58.206.354 votos, o que representa 49,10% dos votos válidos.
Mas esta polarização não se limitou apenas às urnas. Muitas pessoas levam as divergências políticas para o campo pessoal e brigas e desentendimentos familiares por diferenças políticas se tornaram comuns. O Município ouviu pessoas que tiveram as relações abaladas pelas eleições. Todas elas só aceitaram falar na condição de anonimato. Por isso, os nomes foram trocados e a imagem preservada.
É o caso de João (nome fictício), 33 anos, morador do bairro Limoeiro. Após o resultado do primeiro turno das eleições, ele e o cunhado, com posições políticas diferentes, discutiram e, desde então, não se falam mais.
“Não estamos nos falando. Ele tem o posicionamento dele, eu respeitei o lado dele, mas o mesmo não acontece. Moramos praticamente no mesmo terreno, a gente se cruza, mas não se fala. Fica nessa coisa chata”, relata.
João afirma que o mesmo aconteceu após as eleições de 2018, mas com seu irmão. Os dois também tinham opiniões divergentes e isso afetou a relação familiar.
“Ficamos de 2018 até o ano passado sem nos falar por causa de política. Do ano passado pra cá voltamos a nos falar, mas foi muito difícil. Não é como antes. Hoje, eu vejo as publicações dele e ele vê as minhas, não falamos nada sobre isso um com o outro”, comenta.
Ele destaca que, por enquanto, não pensa em procurar o cunhado para conversar e buscar o entendimento, prefere deixar o tempo agir, assim como foi com o irmão. “Agora penso que é meio complicado. Pode achar que é deboche, ironia”, diz.
Outra situação de desavença é relatada por Carlos (nome fictício), 26, morador do Centro. Ele conta que tem uma relação atribulada com o pai. “Ao longo dos anos, ele parou de respeitar quem pensa diferente dele. Parece que a política se tornou mais importante do que a própria família. A todo encontro, ele movimenta as conversas para esse tema e, ao ser contrariado, fica violento”, desabafa.
“Eu acho que a questão política ficou insustentável por conta dos extremos. É muito difícil, pois os meus valores são diferentes do meu pai e o mínimo que eu esperava era respeito. Mas não tem espaço para respeito e diplomacia quando a coisa fica extrema, é impossível conversar sem sofrer um ataque. O que eu posso fazer, para o meu bem-estar mental, é me afastar”, lamenta.
Discussões por mensagens
Para Ana (nome fictício), 39, moradora do Dom Joaquim, as desavenças aconteceram no WhatsApp. Ela explica que o grupo de família sempre foi pacífico e respeitoso, e seguiu tranquilo, sem discussões sobre política, até o fim do primeiro turno das eleições. “Quando começou o segundo turno teve a primeira piadinha”, conta.
Ana detalha que ela e o marido, integrantes do grupo que reúne as duas famílias, são os únicos eleitores de Lula, já os outros integrantes são eleitores de Jair Bolsonaro.
“A piadinha dava uma indireta de quem vota no Lula é burro. Ali não falei nada, mandei uma figurinha do candidato, mas me aguentei, me segurei. Nunca postei nada ofendendo a ninguém, nunca falei de política ali”, relata.
Em outro momento, uma nova mensagem no grupo associou eleitores de Lula a ladrões. “Dizia para cuidarem. Se convidar esses eleitores para algo era para esconder as coisas. Aí ferveu o sangue, pois não chamaram o Lula de ladrão, mas sim a gente. Aí fui irônica, disse para eles terem cuidado com gente no Natal, para não levar bolsa ou celular. As piadas não eram para mais ninguém, eram pra gente. Daí para frente as piadas se intensificaram”, continua.
Apesar das ofensas durante a campanha, a ruptura familiar aconteceu após o fim da apuração dos votos. “Somos parentes, são padrinhos dos meus filhos, se estavam fazendo isso comigo, imagina com quem não é familiar”, conta.
No caso de Carla (nome fictício), 33, moradora do Águas Claras, as desavenças também aconteceram pelo WhatsApp. Ela, o marido e a cunhada cortaram contato com os sogros. “Parte da família acredita que sofremos, eu e meu esposo, de uma lavagem cerebral por discordarmos”, explica.
Carla relata que diversas vezes existiu tentativa de diálogo entre eles. Nestes momentos, ela afirma que buscou apresentar seus pontos de vista e ouvir.
“Porém, o diálogo nunca foi opção, a resposta sempre vem com xingamentos que são desde que não temos caráter a sermos pessoas burras. Os termos são os mais baixos possíveis. Grupos de WhatsApp são terra sem lei, não há o menor respeito, as palavras digitadas ali são sempre com o objetivo de ofender”, continua.
Família dividida
No caso de Ana, ela ficou tão chateada com a situação que arquivou o grupo da família e silenciou as mensagens. Após as eleições, as piadas pararam. Contudo, pessoalmente, não se encontrou com mais nenhum familiar do grupo, para evitar mais desgastes.
“A que ponto a gente chega para destruir uma amizade familiar ou colocar os vínculos de lado por conta de política? Ir lá no grupo da minha família desrespeitar o meu parente com piadinhas. Isso tudo por conta de uma eleição, que daqui quatro anos tudo pode mudar”, pondera.
Agora, Ana e o marido consideram voltar a ter contato com a família e pretendem se reunir com eles no Natal. Entretanto, a presença ainda está sendo decidida. “Quebrou o vínculo, pois para nós é uma ofensa muito grande. Na nossa educação, não chamaria ninguém de ladrão, burro ou bandido num grupo de família”, defende.
“Se discutem política, falando sobre os motivos para votar em tal candidato, não tem problema. A pessoa não parte para a baixaria, só apresenta os motivos e é assim que se discute política. Não é atacando ou ofendendo”, complementa.
Apesar do fim das eleições, para Carla e os familiares afastados a possibilidade de reatar contato é pequena. “Dentro do que acredito, não existe vínculo com pessoas que não respeitam a diversidade e a pluralidade, seja irmão ou pai e mãe. Então mesmo sendo família o ideal foi manter a sanidade mental e se distanciar”, defende.
“Vejo que são diferenças culturais e morais que afloraram pela eleição, mas elas já existiam. A eleição foi apenas um divisor disso, lamentável por chegar ao ponto de xingamentos e agressões gratuitas devido à forma do outro pensar. Mas quando chega a esse ponto de agressividade é porque não existe mais condições de manter vínculos”, completa.
Desentendimentos comuns
O psicólogo Jones Dias explica que é muito comum os desentendimentos familiares quando envolvem momentos de escolha. Entretanto, em época de eleições, eles se tornam ainda mais frequentes.
“O ser humano, por natureza, é diferente um do outro. Cada um tem suas crenças e ideologias que podem ser influenciados por sua criação ou pelas experiências que vivenciam no decorrer da vida. A política, assim como outras atividades em que há competitividade, influenciam diretamente as emoções das pessoas, podendo gerar euforia, raiva, medo, preocupação, entre outras, no qual acaba desencadeando muitas vezes comportamentos impulsivos como o julgamento da escolha do outro, gerando conflitos”, explica.
Em setembro, uma pesquisa Datafolha apontou que mais da metade dos eleitores brasileiros tem evitado compartilhar opiniões políticas nas redes sociais.
A pesquisa, encomendada pela TV Globo e pela Folha de S. Paulo, aponta que 53% dos eleitores que têm redes sociais mudaram o comportamento on-line nos últimos meses por causa de divergências políticas. Entre eleitores de Lula, o índice chega a 57%, enquanto entre os eleitores de Jair Bolsonaro, 46% dizem ter mudado a forma como se comportam.
Conforme a pesquisa, três motivos fizeram com que os eleitores mudassem a forma de se comportar nas redes sociais: o entrevistado deixou de comentar ou compartilhar alguma coisa sobre política em grupos de WhatsApp para evitar discussões com amigos ou familiares; deixou de publicar ou compartilhar alguma coisa sobre política nas suas redes sociais para evitar discussões com amigos ou familiares; saiu de algum grupo de WhatsApp para evitar discussões políticas com amigos ou familiares.
O levantamento mostrou também que 44% deixaram de falar sobre política no WhatsApp, enquanto 15% saíram de grupos para não brigar com amigos e familiares.
Entretanto, os que quiserem continuar o debate político com pessoas próximas devem entender como fazer isso sem que o fim seja violento ou ofensivo. Para Jones, ao tratar de política, é necessário que cada um reflita sobre seu comportamento perante o outro.
“Agir de uma maneira intolerante e julgadora pode prejudicar a relação com amigos e familiares. Sempre haverá opiniões divergentes e nem sempre vamos concordar com a visão alheia, mas é necessário respeitá-la e aceitar para evitar desentendimentos e manter as relações saudáveis”, salienta.
A volta do contato
O psicólogo observa que não é fácil retomar o contato após desentendimentos, principalmente quando as questões ainda estão afloradas. De acordo com ele, a melhor alternativa é deixar o orgulho de lado e fazer contato com a pessoa com a qual cortou relações.
“Não espere pelo outro o que você pode fazer. Relembre como era a relação antes do conflito. Isso pode motivar e ajudar a retomar contato com a pessoa”, diz.
Jones destaca, ainda, que em momentos como o que vivemos, de extrema polarização e intolerância, saber gerenciar as emoções é essencial.
“É importante aprender a lidar com suas próprias emoções, seja ela a raiva, frustração ou medo. É necessário refletir para que se comporte de maneira consciente e não simplesmente influenciado pela emoção. Pare, respire e não se comporte de maneira impulsiva criticando as escolhas do outro. Tenha consciência que cada um tem suas diferenças e culturas. É necessário compreender as divergências e praticar empatia para fortalecer suas relações”, finaliza.
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