Do desespero ao trauma: psicólogos falam sobre os efeitos de uma enchente na saúde mental de moradores afetados
Profissionais de Brusque apontam sintomas e orientam o que fazer em casos de sofrimento mental
A chuva engrossa, os alertas da Defesa Civil começam a preocupar e o rio Itajaí-Mirim, em Brusque, sai da calha. Um cenário de enchente pode trazer muitas sensações aos moradores de uma cidade, mas, para quem vive em uma área de risco, os efeitos na saúde mental são ainda piores.
O psicólogo Jones Dias explica que a expectativa de enchente normalmente gera estímulos à ansiedade, principalmente diante da possibilidade de prejuízos materiais. Sem contar, também, sentimento de insegurança quanto ao futuro.
“Ser afetado pela enchente pode significar a perda de referências socioafetivas. Ter que abandonar a moradia para salvar a própria vida pode gerar sofrimento intenso, tendo em vista o apego que existe na moradia. Muitas pessoas lutam a vida inteira para conquistar sua casa e, de repente, perdem tudo. Nesses casos o individuo vivencia um período de luto, mesmo não tendo ocorrido a perda de algum ente querido, mas por perder algo importante para si, que é a casa”, explica.
Segundo o psicólogo Jones Trajano Ceci Emann, desastres naturais aumentam a probabilidade das pessoas desenvolverem transtornos mentais. Isso vem em decorrência da ansiedade e do estresse excessivo, tanto frente a uma expectativa do que pode acontecer quanto a própria inundação em si.
“Muitos brusquenses já estavam criando a expectativa de possível enchente, baseada em experiências passadas ou pelas condições climáticas, como, por exemplo, o aumento do nível do rio devido às fortes chuvas. Isso é desesperador, pois a pessoa sabe que não tem controle sobre tais eventos naturais”, explica.
“Deparar-se com a imprevisibilidade pode gerar medos intensos e sentimento de impotência diante da situação, gerando sofrimento psíquico. É muito importante sempre se atentar as informações corretas provenientes de órgãos oficiais, como a Defesa Civil, evitando fake news”, orienta Dias.
A ansiedade fica ainda pior e dá lugar ao desespero quando as águas do rio atingem as residências. Segundo Emann, a situação pode aumentar o risco das pessoas desenvolverem estresse pós-traumáticos, transtornos de pânico, crises de ansiedades e depressão.
“As perdas mexem com a estrutura emocional, familiar e financeira das pessoas que levaram a vida toda para construir suas casas e um patrimônio, que é destruído por uma onda de enxurrada e inundação momentânea. Por essa razão que muitas caem no desespero e adoecem mentalmente”, completa.
Após o baixar das águas
Dias ressalta que o momento de pós-enchente, em algumas pessoas, pode se estender por muito tempo, deixando sequelas. Ele exemplifica: transtornos de adaptação, distúrbios do sono ou insônia, pesadelos recorrentes, memórias repetidas sobre o evento, dificuldade de concentração, irritabilidade e raiva, ansiedade, pânico, humor deprimido, perda de apetite, e até em casos mais severos com tentativa de suicídio.
O psicólogo destaca algumas reações comuns na fase de pós-enchente, são elas: reações fisiológicas (náuseas, tremores, dores musculares, dores de cabeça, sudorese); reações cognitivas (confusão/desorientação; pesadelos; dificuldade de concentração; reações emocionais (tristeza; crise de raiva; irritabilidade; medo; desespero; culpa); reações físicas (fadiga, desconforto gastrointestinal, alteração de apetite, agravamento de condições crônicas); e transtornos de ansiedade.
Trauma
Para Emann, após um desastre natural, o desenvolvimento de um trauma dependerá do tipo de perda e do evento ocorrido, aliado ao histórico psicológico e a estrutura de vida.
“Se esse indivíduo tem mecanismos estruturantes para lidar com as perdas e fracassos, possivelmente conseguirá se reestruturar através da resiliência sem traumas. Mas se a pessoa, teve uma vida sofrida, vivendo privações e certas dificuldades, portador de algum tipo de transtorno ou doença mental, são condições favoráveis para se instalar traumas com manifestações de sintomas como exemplo, as crises de ansiedades e as fobias”, diz.
Ele reflete que a falta de controle das emoções e dos pensamentos demonstram que a pessoa está tendo dificuldade de gerenciar a própria cognição.
“Quando anda explosiva por qualquer coisa, com crise de ansiedade, estressada, já não consegue controlar mais o medo e a raiva. Tudo isso são sinais de que, possivelmente, esteja adoecida ou em processo de adoecimento”, explica.
Entretanto, Dias diz ser necessário compreender que, nem todas as pessoas afetadas por tal evento estarão traumatizadas. Porém, cada indivíduo necessitará de um cuidado singular visando uma maior estabilidade e reestruturação psíquica.
“Se necessário, a pessoa afetada deve buscar atendimento especializado. O acompanhamento psicológico auxilia o indivíduo ter uma resposta mais positiva diante da adversidade, diminuindo os riscos de estresse pós-traumático e prevenindo o desenvolvimento de transtornos psicológicos e psicossociais a longo prazo, enfatizando assim uma lógica preventiva”, complementa o psicólogo.
Piora de quadros mentais
Além de causar danos materiais e mentais, uma enchente pode afetar aqueles que já passam por um tratamento de saúde mental. Conforme Emann, os sintomas mais graves normalmente surgem no pós-tragédia, quando se dão conta realmente do que aconteceu.
“As pessoas não agem de igual modo, principalmente quem tem histórico prévio de algum tipo de psicopatologia. As enchentes podem agravar ainda mais sua situação, no ressurgimento e intensificação de alguns sintomas”, comenta.
Ele destaca que a estrutura psicológica, social, familiar e financeira, no propósito de recompor um novo projeto de vida, impactam nos efeitos pós-desastre. “Esse conjunto de variáveis determinará os tipos de pensamentos e comportamentos que podem levar a um agravamento das condições de saúde mental caso tenha histórico prévio de diagnóstico no contexto das enchentes”, complementa.
Buscar ajuda
Buscar apoio psicológico após uma enchente ou outros tipos de intempéries climáticas pode ser essencial. “Todo o recomeço é difícil. Só quem passou por uma situação de enchente sabe exatamente a dor da perda. Não deve permanecer o orgulho nessa situação, mas a disposição de aceitar ajuda dos familiares e amigos”, diz Emann.
“Não é saudável tentar resolver os problemas sozinho diante de uma situação de calamidade pública. Então, conversar e receber apoio emocional de quem a pessoa ama não tem preço”, finaliza.
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