Unifebe deve receber doação de cadáveres até o fim do ano; veja como funcionará
Centro Universitário de Brusque prepara regulamento que possibilita doação voluntária da comunidade
O Centro Universitário de Brusque (Unifebe) prepara regulamento interno para possibilitar doações espontâneas e voluntárias de cadáveres, a serem usados para estudos no Laboratório de Anatomia. Trata-se de oferecer a opção para quem deseja doar o corpo pós-morte para estudo e pesquisa.
De acordo com a assessora pedagógica do curso de medicina, doutora Julia Wakiuchi, o prazo previsto para a finalização deste regulamento é novembro deste ano, antes disso ele precisa ser completo e aprovado por conselhos internos da universidade.
O professor de anatomia do curso de medicina da Unifebe, doutor Rafael Saviolo Moreira, explica que o processo vai contar com um cadastro em um banco de dados. A pessoa interessada em doar poderá registrar a intenção junto à universidade.
“No momento em que essa pessoa vier a óbito, os familiares vão ficar sabendo e a gente é avisado. Se não tiver nenhum contraponto de nenhum familiar, fazemos todo o trâmite e trazemos o corpo para cá. Fazemos todo o processo de manter o corpo”, conta.
Para Moreira, a doação espontânea de corpos seria mais comum se as pessoas soubessem dessa possibilidade.
“As pessoas que querem, vão ter a opção aqui. Em outras universidades a prática é comum, e aqui também vai se tornar quando desmistificarmos o assunto. Os alunos precisam disso”, complementa.
Atualmente, o Laboratório de Anatomia da Unifebe conta com três cadáveres para estudo, que vieram após um convênio com a Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Estudantes dos cursos de Medicina, Educação Física, Psicologia e Direito, na disciplina de direito legal, utilizam o espaço.
Doação pelo IML
A universidade também tem convênio com a Secretaria de Estado da Segurança Pública, por meio do Instituto Geral de Perícias (IGP), do qual possibilita receber corpos que não são procurados pela família junto ao Instituto Médico Legal (IML).
“O cadáver que não é reclamado pela família, após passar um tempo no IGP, acaba entrando para possibilidade de doação para a Unifebe”, explica.
Segundo Julia, a universidade precisa fazer dez publicações públicas para receber o cadáver, para dar a chance da família encontrá-lo.
No início do ano, um cadáver chegou a entrar no processo de doação, mas na quarta publicação a família reclamou o corpo e ele nem chegou a ir para a Unifebe.
Metodologia diferenciada
A primeira turma do curso de Medicina da Unifebe é do primeiro semestre deste ano. Hoje, são 80 alunos matriculados, 40 deles entraram no início do primeiro semestre, e outros 40 no segundo.
A metodologia seguida é o Problem-based Learning (PBL), ou Aprendizagem Baseada em Problemas, que consiste em o aluno receber um caso na segunda-feira e tem até sexta-feira para apresentar uma solução.
“É um curso de integração, não é uma coisa dividida. Aqui o aluno já entra direto podendo ir na Unidade Básica de Saúde, e daquele caso que foi apresentado ele vê todas as ciências básicas e aplicadas juntas”, explica Moreira.
O professor conta que, a cada dia da semana, é estudado cada complexidade dos casos, o que integra muitos assuntos, mas relacionados ao mesmo problema.
Moreira também explica que, na metodologia PBL, não tem a necessidade do uso de corpos reais no estudo. Contudo, a Unifebe acrescentou a possibilidade, pois acreditam ser importante para a formação do médico.
Laboratórios de estudos
Na base da anatomia, a Unifebe possui dois laboratórios: o inicial de Anatomia, propriamente, e o de Morfofisiologia.
No Laboratório de Morfofisiologia, o estudante encontra diversas peças em acrílico do corpo humano e uma tela multifuncional touch. Nela, o software 3D simula o corpo humano e cada detalhe, desde sistema nervoso até complexidades dos órgãos interno.
Neste espaço, segundo Moreira, é possível encontrar o padrão, ou seja, o corpo humano como ele deveria ser, sem problemas de saúde ou deformidades.
O Laboratório inicial de Anatomia entra como complemento. Neste local, o estudante encontra os corpos de verdade, com suas complexidades e particularidades.
De acordo com Moreira, a anatomia é uma prática antiga, mas essencial para a formação do aluno. Enquanto no Laboratório de Morfofisiologia o estudante busca conhecer o corpo humano ideal, no de anatomia ele encontrará a realidade.
Laboratório de Anatomia da Furb conta com 40 cadáveres para pesquisa
Na região, um exemplo de local onde o processo de doação de cadáveres dos Institutos Médicos Legais (IML) e comunidade externa funcionam é o Laboratório de Anatomia da Universidade Regional de Blumenau (Furb).
Lá, estudantes de cerca de oito cursos de graduação realizam pesquisas com uso de cadáveres, que hoje são cerca de 40.
Para utilizá-los, os cadáveres passam por um processo de conservação: são meses de imersão dos corpos com solução fixadora, limpeza nas piscinas com o formol, preparação dos cadáveres na chegada e, é claro, todo cuidado com o manuseio dos corpos.
Atualmente, 20 estão mergulhados na solução – esperando o fim desse procedimento para, aí sim, estarem à disposição dos acadêmicos – enquanto os outros 20 já estão devidamente dissecados. Realizam estudos com os corpos todos os alunos do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Furb, além de cursos de outras áreas que também têm anatomia no currículo, como Dança.
Origem dos cadáveres
Segundo o técnico de laboratório Júlio Cesar Gruebel, na Furb a maior parte dos cadáveres são do convênio firmado com a Secretaria de Segurança Pública, de pessoas que não tiveram os corpos reclamados após irem para o IML. Na grande maioria dos casos, são corpos de indigentes e andarilhos.
No entanto, também há, em menor quantidade, as doações espontâneas e voluntárias em vida. “São pessoas que procuram, conscientemente, a forma legal de realizar esta contribuição. Elas podem realizar a parte da documentação na Furb, mediante a presença de uma testemunha”, explica.
Gruebel alerta para a importância, neste caso, de comunicar familiares ou conhecidos para que o desejo seja cumprido após a morte.
Embora o número de cadáveres esteja adequado para as pesquisas, conforme explica o técnico, novos corpos são sempre bem-vindos no laboratório. Em média, chegam ao local dois novos cadáveres por ano.
Processo de conservação
Após receber o cadáver do IML, a equipe do Laboratório de Anatomia faz a chamada formalização fora do mergulho da cuba. Os profissionais acessam a artéria femoral localizada na região da coxa para infiltrar uma bombona de formol. O produto químico corre pelos vasos sanguíneos para realizar uma conservação interna do corpo. Feito este procedimento, é necessário aguardar de quatro a cinco dias para a solução fazer efeito.
Passado este período de espera, aí sim o cadáver é mergulhado na solução fixadora. “Durante este ano de imersão, a gente chega a remover o cadáver para realizar a limpeza das cubas. Mas é interessante tomar o cuidado pra não fazer a dissecação antes do tempo”.
Segundo Gruebel, em bom estado de conservação os cadáveres em seu formato integral chegam a durar de cinco a dez anos. “Com os membros, esta é a duração máxima. A gente tenta aproveitar o máximo possível. Depende do desgaste do tecido. Depois é removido os órgãos das cavidades, cabeça e pescoço, e aí são mais alguns anos de duração”.
Perfil dos corpos
Na Furb, são cerca de 40 corpos, sendo que há desde fetos – grande parte de abortos espontâneos, em um convênio realizado – até idosos. Porém, há um perfil mais comum entre os objetos de estudo. A grande maioria são cadáveres de homens de meia-idade, com baixa presença de corpos femininos para estudo.
Colaborou Cristóvão Vieira