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Doe-se, mas nem tanto

Você já teve aquela nítida e desprazerosa sensação ao perceber que está se dedicando demais ao outro e esquecendo-se de si mesmo?

Geralmente, indivíduos carentes caem nessas armadilhas em todos os tipos de relacionamentos. E, quando percebem, já estão em um quadro destrutivo, onde a balança do amor próprio se encontra desequilibrada.

São infindáveis doações:

Filhos e suas demandas infindáveis, marido, mulher, namorado (a) e até mesmo ex-mulher e/ou ex-marido, que continuam a sugar os indivíduos doadores – como também aqueles parentes aproveitadores. As exigências no trabalho estão sempre crescendo, inclusive, necessita ganhar muito dinheiro para sustentar suas fraquezas, no caso, todos os argumentos citados acima.

Nos dias de hoje, acho pertinente perguntar: será que é tão difícil ser legal e se doar sem dor às pessoas? Bom, talvez sua vida não seja como a minha, talvez você seja legal por natureza, se doe sem ver a quem e, claro, ache que o melhor da vida é ver o próximo amparado e feliz – por você, mas nem sempre com você e ao seu lado. Sim, afinal existe uma história quase obscura, que os chatos e os legais preferem não contar, sobre as incríveis pessoas que se doam demais.

Talvez seja preciso mudar de cidade, faculdade, escola, de emprego para entender que gente do bem só atrai coisa boa – e que se doar a essas pessoas é sempre uma boa ideia. Há pessoas que hoje tem medo de doar-se novamente, por já ter feito o mesmo e ter recebido apenas desprezo em troca. Há pessoas que, pelo mesmo motivo, tiram proveito do quão bom amigo é possível ser.

A amizade é uma parte indispensável, uma amizade daquelas que todo mundo pode contar a hora que for – mesmo de madrugada, de ressaca e sem grana. E tanta preocupação não se resume só aos amigos de longa data: se você me conheceu hoje e o santo bateu, nem esquente, logo será amparado se o namoro acabar, se o emprego chegar ao fim… É gostoso de ter gente por perto tanto quanto meus momentos a só. Mas aí vive um problema: ser legal com tanta gente faz com que toda essa gente seja necessariamente legal com você?

Foram tantas as frustrações que só depois de muita análise é possível alcançar um denominador comum. É difícil não se apegar à lei da reciprocidade. Ela serve pra relacionamentos amorosos, pra amigos de anos e pra colegas de trabalho. Serve pra família, pro chefe, pro porteiro e até pra dona do restaurante que, todo dia, você cumprimenta sorrindo antes de pagar. No entanto, mesmo quando não se vê uma via de mão dupla a cada abraço apertado, encontro marcado e check-in realizado, há diversos momentos em que o certo é não deixar de ser quem se é. E insistir em ser assim.

Eu demorei pra descobrir que possuo amigos dos mais diferentes tipos. Há os que não me procuram de forma alguma, mas, a cada vez que mando um alô, a conversa rende horas e se estende a papos deliciosos. Outros são do tipo que precisam de tempo: não adianta chamar pro happy hour de toda quinta, o melhor encontro é aquele trimestral, quando sem querer a gente se esbarra no shopping. Ainda há os que moram pertinho, mas a gente só vê quando os caminhos se cruzam pelas esquinas da vida, e não se pode esquecer dos amigos de todo dia, dos que moram longe e dos que, mesmo depois de anos sem se ver, você morre de saudade e só deseja o que é bom.

No fundo, amigo é quem a gente pode ver todo dia ou de vez em nunca, mas que cada despedida pareça ter sido poucas horas atrás e que cada sorriso, desconcertado, de canto ou desenfreado, seja com absoluta sinceridade. Talvez se doar a estas pessoas nunca seja demais, porque o bem que elas nos proporcionam independe de reciprocidade, de horário ou data marcada.

Foi preciso passar por cima de tudo que eu achava certo pra perceber o quão relativa pode ser uma certeza. Por isso, desvendar o segredo dessas pessoas que se doam demais talvez não seja tão difícil. Difícil é ser como elas, felizes por natureza e por entenderem, de um jeito tão singular, que reciprocidade não é intensidade, que amizade não é cobrança e que carinho é bom sem medidas. E que cada pessoa que estaciona em nossa vida é uma oportunidade de deixar uma marca só nossa, às vezes indelével, noutras invisível, de alguém que, sem querer, nunca se cansou de se doar demais.

 


Cristiane de Souza, 17 anos