Se vão mais de 40 anos quando acompanhado de dois colegas chegamos antes do horário para nossa primeira prática no hospital psiquiátrico. Fomos recebidos por uma mulher jovem trajada com avental branco. Durante meia hora mostrou as instalações e nenhum de nós percebeu que a dita enfermeira era na verdade uma paciente portadora de esquizofrenia.
Ainda tínhamos tudo a aprender sobre esse universo da mente e seus transtornos. Era uma época em que os recursos para o diagnóstico e tratamento de pessoas acometidas por transtornos mentais eram escassos. Até hoje não sabemos as causas, embora existam muitas pistas.
Podemos citar que existem mais de uma centena de genes associados à esquizofrenia. O mais fortemente ligado é o gene C4 também associado ao sistema imune. Ele codifica proteínas que servem para destruir vírus, bactérias e células mortas. Em 2016 um estudo mostrou como esse gene atuante no sistema imune pode também ser determinante no aparecimento da esquizofrenia. Nossos neurônios se comunicam através das sinapses e durante o desenvolvimento essas sinapses precisam ser podadas e reorganizadas.
Descobriu-se que a proteína C4 é recrutada para fazer esse trabalho. Nas pessoas com o gene defeituoso existe uma poda neuronal excessiva. Essa seria uma das explicações para o surgimento da doença, embora não seja a única. Um artigo publicado no mês passado na Nature Communications ajuda a entender um pouco sobre as bases biológicas desta doença.
A pesquisa foi liderada pelo Dr. Jianfeng Feng e foi um trabalho com a colaboração de multiplos hospitais da America do Norte, Europa e do leste da Ásia. Até agora os diferentes tipos de esquizofrenia são classificados em base a seu quadro clínico, numa classificação chamada de sindrômica. Existiriam ao menos 6 tipos de esquizofrenia. O estudo analisou as imagens de ressonância cerebral de 4222 esquizofrênicos e os comparou com 7038 controles sadios. Constatou-se que existiam dois tipos diferentes de alterações.
Num grupo havia uma perda neuronal principalmente em áreas corticais da região frontal superior do cérebro e, no outro, as alterações principais estavam a nível do hipotálamo, tálamo, amígdalas e tronco cerebral. O quadro clínico entre eles era também diferente. No grupo um havia um aumento progressivo da apatia, desinteresse e tendência ao isolamento além do aparecimento de sintomas depressivos e ansiosos.
O grupo dois tinha um quadro clínico mais estável tanto para letargia e apatia quanto para alucinações e delírios. As alterações anatômicas nos dois grupos são mínimas e para serem detectadas precocemente precisam de análise computacional específica. A importância de definir tipos de esquizofrenia com um substrato biológico diferente radica em que dessa forma podemos encontrar tratamentos diferenciados para cada subtipo.
Lembremos que ao redor de 30% dos pacientes tem escassa ou nenhuma resposta aos tratamentos convencionais. Há uma tendência a acreditar que a genialidade anda junta com a loucura, são inúmeros os casos de cientistas e artistas acometidos por esquizofrenia. A história do gênio da matemática John Forbes Nash é bem conhecida por ter sido levada às telas do cinema e ter sua biografia escrita por Sylvia Nasar. John, ganhador do Nobel de Economia em 1994, começou a apresentar seus primeiros sintomas de loucura logo após seu casamento com a física salvadorenha Alicia López-Lardé de Harrison no ano de 1957. Alicia abdicou da sua carreira académica para poder dar suporte e cuidar da doença mental de John.
Quase sempre a doença mental compromete não somente a vida do seu portador quanto a vida dos seus familiares próximos. Essa associação entre genialidade e loucura não tem comprovação científica nem algum gene defeituoso identificado até o momento. Talvez seja um bom negócio nascer com um intelecto mediano, pode ser que isso diminua nossas chances de precisar de atendimento psiquiátrico.