Os amantes da literatura conhecem bem a frase “Mi Mojito en la Bodeguita y mi Daiquiri en La Floridita”, atribuída ao famoso escritor norte-americano Ernest Hemingway (Nobel de Literatura em 1954),
Ernest morava na Havana, Cuba, durante a temporada de pesca ao Marlim, fanático pescador que era, entre inúmeros outros hobbies. Mojito e Daiquiri são dois coquetéis que evidentemente levam bebida alcoólica na sua composição, neste caso o muito apreciado rum cubano. Conta a história que o consumo destas bebidas era diário, quase um ritual obrigatório.
Hemingway, que era portador de diabetes, poderia agradecer ao Dr. Frederick Banting e seu assistente Charles Best o fato de poder abusar destes caprichos altamente calóricos – a dupla Banting-Best descobriu da Insulina em julho de 1921.
O descobrimento da Insulina mudou radicalmente a vida de milhões de diabéticos, melhorando muito sua qualidade de vida e aumentando em vários anos suas expectativas de vida, não há dúvidas que é um dos grandes descobrimentos da medicina em todos os tempos. A insulina transformou a diabetes de uma doença fatal para uma doença crônica.
Devemos lembrar que embora Banting e Best foram os primeiros em extraer a insulina como princípio ativo do pâncreas e na sequência demonstrar seus efeitos terapêuticos em cachorros e humanos nos anos de 1921 e 1922, muitos outros pesquisadores pavimentaram o caminho previamente com avanços significativos sobre o funcionamento do pâncreas e sobre a mesma diabetes.
Banting recebeu o Nobel de Medicina de 1923 por esta descoberta compartilhando o mesmo com McLeod que era o cientista chefe do laboratório, a academia sueca cometeu uma grande injustiça ao esquecer Best, este erro foi reconhecido 50 anos depois pela própria academia. Frederick Banting foi generoso e justo ao compartilhar o prêmio em dinheiro com seu ajudante e amigo Charles Best.
O jovem Leonard Thompson, de 14 anos, foi o primeiro paciente a receber a insulina recentemente descoberta, estava internado no Hospital de Toronto em estado grave, apresentava glicemias superiores a 500 mg/dl mesmo com uma dieta diária de apenas 450 calorias, em poucas semanas melhorou significativamente, foi a primeira vez que a cadeia metabólica letal da diabetes foi interrompida, uma conquista impressionante da ciência e da medicina.
Tem havido centenas de inovações desde então, entre elas podemos citar o descobrimento da Insulina de longa duração (NPH) por Hans Hagedorn em 1946, a primeira insulina sintética em 1982, antes disso a insulina era extraída do pâncreas de porco ou gado, o que causava reações alérgicas em até 10% dos pacientes.
Em 1985 surge a caneta de insulina que é uma forma mais prática, precisa e quase sem dor de aplicar a insulina, posteriormente aparecem insulinas de ação ultralenta e outras de ação ultrarrápida, que ajudam muito num melhor controle glicêmico e metabólico do paciente diabético, em 2014 surge a insulina inalável que tem uma absorção muito rápida, num futuro próximo esperamos pela insulina de ação semanal e o chamado pâncreas artificial (bomba que ajusta automaticamente a dose de insulina, já existem versões bem avançadas).
A Sociedade Brasileira de Diabetes estima que existam mais de 13 milhões de diabéticos no Brasil (6,9% da população), 10% deles são de diabéticos tipo 1, que são totalmente dependentes do uso de insulina. O SUS tem feito um trabalho admirável para fornecer tanto a insulina como outros medicamentos hipoglicemiantes para quem precisa. A caneta de insulina foi aprovada pelo Conitec em 2017.
Na semana que passou foi reportado que o Ministério da Saúde vai descartar 820 mil canetas de insulina porque caducou a data de validade, estamos falando de 10 milhões de reais jogados fora, poderia tratar todos os diabéticos tipo 1 de Brusque por vários anos. Não podemos aceitar este tipo de desperdício quando o orçamento da saúde é limitado e os custos com a saúde pública aumentam significativamente todos os anos.
Na próxima década teremos novas inovações tecnológicas, novos medicamentos e melhorias significativas no tratamento dos pacientes diabéticos, é assim que a ciência médica progride, sempre em processos de acertos e erros, sempre testando hipóteses e novas ideias.
Muitas vezes os esforços são em vão como parodiando a obra mestre de Hemingway “O Velho e O Mar” na qual o velho pescador Santiago depois de lutar por dias com um marlim gigante, consegue rebocar ele com sua canoa para a praia onde constata com infinita tristeza que os tubarões deixaram apenas o esqueleto. Todo grande descobrimento implica em 99% de esforço e 1 % de inspiração.