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A polêmica aprovação da Ozonioterapia

No dia 4 de agosto o presidente da República sancionou a lei que autoriza a prática da Ozonioterapia no Brasil. Esse projeto de autoria do ex-senador Valdir Raupp tinha sido aprovado previamente na Câmara de Deputados e no Senado.

O presidente sancionou a lei indo em contra dos pareceres do Ministério da Saúde, Anvisa, Conselho Federal de Medicina, Academia Nacional de Medicina e diversas sociedades de especialidades médicas entre as que se destaca a Sociedade Brasileira de Pneumologia.

Como podemos perceber, toda vez que a política se intromete num assunto técnico, especialmente quando relacionado à saúde, o grande prejudicado é sempre a população.

Há poucos anos atrás a então presidenta Dilma sancionou a aprovação da fosfoetanolamina para o tratamento do câncer, um composto químico comprovadamente ineficaz, esse projeto também tinha sido aprovado pela Câmara e Senado, para nossa sorte o STF determinou que o projeto era inconstitucional e ficou sem vigência. Não tenho dúvidas que esta ação salvou muitas vidas.

Recentemente durante a pandemia de Covid-19 presenciamos a interferência política para determinar que o chamado kit Covid era eficaz tanto para prevenção quanto para o tratamento da Covid-19. Não se levou em consideração que todos os estudos clínicos randomizados bem desenhados mostravam que esses medicamentos eram completamente ineficazes nessa doença.

Muitas pessoas que pensavam estar protegidas por esses medicamentos tiveram formas graves da doença ou faleceram.

Quando pensávamos que definitivamente estávamos trilhando o caminho correto de valorizar e respeitar o conhecimento científico, fomos pegos de surpresa pela autorização de uma prática que não tem evidências científicas sobre sua eficácia.

A ozonioterapia consiste na aplicação por via retal, intravaginal, intramuscular ou localmente em algum tecido do corpo de uma mistura de ozônio com oxigênio.

A molécula de oxigênio é formada por 2 átomos de oxigênio enquanto a de ozônio é formada por 3 átomos. Enquanto a molécula de oxigênio é muito estável e em geral inócua aos tecidos, a de ozônio pode destruir não somente microrganismos e sim os próprios tecidos. Esse é o principal fundamento do seu uso odontológico em cáries e periodontites.

Para produzir o ozônio é necessário um equipamento, atualmente a Anvisa tem aprovado equipamentos para produção de ozônio apenas para uso em odontologia e procedimentos estéticos como limpeza de pele.

Não existe nenhum equipamento aprovado pela Anvisa para outros usos, mesmo assim é bem conhecido que durante a pandemia alguns municípios ofereceram a aplicação de ozônio por via retal para portadores de Covid-19.

Uma busca na internet permite achar uma série de profissionais, médicos ou não, oferecendo ozonioterapia para uma grande quantidade de doenças completamente diferentes como câncer, artrite, hérnia de disco, esclerose múltipla e sequelas de derrame.

Uma das últimas aplicações oferecidas é a “reversão vacinal” das vacinas contra Covid-19, mais uma prática absurda e totalmente mercantilista.

Há relatos de pacientes que abandonam o tratamento correto para sua doença com a esperança de que as aplicações de ozônio consigam deter o avanço do câncer para citar um exemplo .

Na verdade, todas as terapias pseudocientíficas encontram um campo fértil de atuação aproveitando o desespero dos pacientes. A validação da ozonioterapia é um desserviço à sociedade brasileira. Se não tem eficácia, não pode ser rotulada sequer como “terapia complementar”.

O Conselho Federal de Medicina não autoriza a prática da ozonioterapia na prática clínica, sendo permitido seu uso experimental em estudos clínicos controlados. A agência americana de controle de medicamentos (FDA) também é categórica ao afirmar que até hoje não existe evidência científica sobre a utilidade do uso do ozônio como tratamento medicamentoso.

Infelizmente já dispomos no SUS de uma série de terapias complementares que não tem nenhum suporte em medicina baseada em evidências, os recursos financeiros gastos com essas práticas poderiam ser melhor aproveitados.

A Anvisa ratificou seu posicionamento de que não tem nenhum equipamento produtor de ozônio licenciado para uso médico, o que em certa forma dificulta a oferta do procedimento.

Ao igual ao acontecido com a fosfoetanolamina, esperamos que seja a justiça que determine o banimento da ozonioterapia para outros usos que não seja o uso em odontologia e estética. Várias entidades médicas anunciaram que vão solicitar o parecer do STF sobre este assunto.

Como dizia Carl Sagan:” o primeiro pecado da humanidade foi a fé, a primeira virtude foi a dúvida”. É o exercício da dúvida e o questionamento permanente que tem feito o progresso da ciência ao longo da sua trajetória.