Existe uma doença chamada Neuropatia Óptica de Leber que provoca cegueira em jovens e adultos. É uma doença genética e hereditária devido a uma alteração no DNA mitocondrial num gene chamado de RPE65.
As mitocôndrias são estruturas das células que servem principalmente para produzir energia. O gene RPE65 produz uma enzima necessária para transformar a luminosidade em impulsos elétricos.
Com as mitocôndrias defeituosas, as células da retina morrem levando à atrofia do nervo óptico. É uma doença muito rara, se estima que acomete uma de cada 50 mil pessoas. Famosos como Stevie Wonder, Andrea Bocelli e José Feliciano devem sua cegueira a esta doença.
Desde 2017 existe uma terapia genética para a Doença de Leber, ela é usada quando o paciente ainda tem muitas células retinianas sadias e comprovadamente tem uma alteração num gene específico chamado de RPE65.
A terapia genética é uma forma de tratamento que utiliza a transferência de genes para as células de um paciente cujo DNA tem algum defeito que provoca uma doença. Dessa forma podem ser substituídos genes com mutações ou inativar genes defeituosos.
A transferência deste material genético pode ser realizada com o uso de vírus inativados como um vetor para entrar nas células aproveitando essa característica que os vírus tem de interagir com o DNA do hospedeiro.
O medicamento Luxturna para o tratamento da Doença de Leber foi aprovado pelo FDA norteamericano em 2017 e pela Anvisa em agosto de 2020. Tem um custo aproximado de um milhão de dólares, foi o primeiro medicamento com essa tecnologia à disposição no mercado.
É verdade que há muitas décadas já se aplicam terapias genéticas individualizadas, se considera que a primeira terapia genética foi realizada em 1990 numa menina de quatro anos de idade com uma deficiência imunológica severa.
Os pesquisadores retiraram glóbulos brancos defeituosos e os modificaram no laboratório introduzindo os genes que faltavam. Após reintroduzir esses glóbulos brancos modificados houve uma melhora dos parâmetros clínicos e laboratoriais da paciente, embora com efeito temporário.
Estudos posteriores constataram que esta metodologia pode ter tambem efeitos colaterais inesperados e graves. Por causa disso as pesquisas sobre esse tipo de tratamento precisam ser muito rigorosas e criteriosas. Em 2002 o ensaio clínico Anglo-French SCID que tratava crianças com Deficiência Imunológica severa foi suspenso porque 20% delas desenvolveram leucemia.
Cabe anotar aqui que sem tratamento essas crianças não conseguem sobreviver até a vida adulta.
Existem atualmente mais de 40 terapias genéticas aprovadas por agências regulatórias do mundo, no Brasil há apenas cinco terapias deste tipo aprovadas pela Anvisa. O primeiro foi o mencionado Luxturna, ainda em 2020 teve a aprovação do Zolgensma para o tratamento da Amiotrofia Muscular Espinhal, posteriormente o Kymriah para tratar um tipo de Leucemia Linfoblástica, o Yescarta contra o Linfoma de células B e o Carvikti contra Mieloma múltiplo.
Atualmente existem mais de mil terapias genéticas em pesquisa ao redor do mundo. A maioria desses estudos procura tratamentos para diversos tipos de câncer, mas há também pesquisas para tratar doenças infecciosas, doenças raras, doenças neurodegenerativas incluido Parkinson e Alzheimer, doenças metabólicas, hematológicas e cardiovasculares.
Há pelo menos 135 estudos em fase clínica 3 e mais de 60 estudos em fase clínica 4. Para que cada medicamento desses chegue no mercado há um longo caminho, mais de 10 anos de pesquisa a um custo médio de 5 bilhões de dólares. Esse é um dos motivos do alto custo dessas terapias que muitas vezes não podem ser utilizadas sequer em países do primeiro mundo.
Em 2021 a farmacéutica Bluebird Bio retirou do mercado europeu o Zynteglo, geneterapia de dose única para uma doença de sangue chamada de Talassemia. Os governos europeus alegaram que não conseguiriam cobrir os custos dessa nova terapia.
O surgimento deste tipo de terapia parece ter um futuro promissor, porém há pelo menos duas questões importantes para resolver. A primeira está relacionada aos altos custos praticamente insustentáveis mesmo para os planos de saúde privados. A segunda questão é relacionada à eficácia e segurança no longo prazo, todo tratamento novo ainda tem que passar pelo crivo do tempo.
Aqueles medicamentos que estão no mercado há mais de cinco anos parecem estar superando estas dúvidas.
Na era moderna a humanidade sempre avançou no meio de um grande paradoxo, enquanto há um exército de pesquisadores e cientistas procurando avanços para melhorar a vida das pessoas, há também exércitos que por variados motivos se enfrentam para acabar com a vida de seus antagonistas.
Uma triste incoerência que acompanha nos últimos séculos os humanos.