Nas últimas décadas a ciência médica tem conseguido avanços assombrosos. Alguns tipos de leucemias e linfomas (tumores malignos de células do sangue) que antigamente condenavam seu portador à morte, hoje podem ser curados ou tratados com a ingestão de comprimidos como se fosse apenas uma doença crônica totalmente controlável.

Cirurgias para troca de válvulas cardíacas que antigamente precisavam a abertura da parede torácica e tinham riscos grandes de complicações, hoje em dia podem ser realizadas através de cateteres que entram por uma pequena incisão na virilha, a recuperação é rápida e surpreendente.

Casos escolhidos de Doença de Parkinson em estágio avançado podem ser tratados com um dispositivo de estimulação cerebral profunda que pode ser regulado externamente para o controle dos sintomas do paciente. Assim poderíamos citar centenas de avanços que ajudam a diminuir o sofrimento e prolongar a vida de milhões de pacientes.

Ao mesmo tempo, não podemos esquecer que até pouco tempo atrás ainda realizávamos práticas que consideramos atualmente como bizarras e inadequadas. Podemos citar os grandes hospitais psiquiátricos que acabavam se tornando depósitos de doentes, pessoas que eram internadas sem nenhuma esperança de melhora ou de algum dia poder retornar ao convívio familiar.

Ainda durante minha época de estudante fiz estágio numa colônia de pacientes portadores de Mal de Hansen (popular Lepra), tratava-se de um complexo constituído por um pequeno hospital e uma centena de pequenas casas onde moravam os pacientes e suas famílias, essa comunidade ficava isolada mesmo sabendo que os pacientes medicados não contagiavam sua doença.

Durante os séculos XIX e XX milhares de pacientes com tuberculose eram internados em sanatórios localizados em montanhas com a crença de que o ar frio e rarefeito teria a propriedade de curar a doença. Quem leu a maravilhosa obra A Montanha Mágica de Thomas Mann tem uma noção real do que se tratava.

Durante os séculos XVII, XVIII, XIX e parte do século XX um dos tratamentos para quase todas as doenças era a sangria, o ato de tirar sangue das veias do paciente. A forma menos traumática era a de usar sanguessugas para a retirada do sangue.

Em 1822, Londres importou de Bordeaux e Lisboa mais de 7 milhões de sanguessugas, ao longo do tempo as importações diminuíram porém em 1940 ainda importavam 2000 desses animais que se alimentam de sangue. Não nos enganemos tanto a famigerada autohemotransfusão e a ventosaterapia são formas de sangria, as duas retiram sangue do leito vascular.

Até 1930 um dos tratamentos para pneumonia era a ventosaterapia, se pensava que era capaz de controlar a congestão pulmonar. Foi somente com o aparecimento da penicilina que a grande mortandade que as pneumonias provocavam conseguiu ser controlada.

A origem da medicina se perde na escuridão dos tempos remotos dos quais temos quase nenhuma informação. Mas devemos ter presente que durante os quase mil anos de idade média a medicina viveu um período obscuro fundamentado no empirismo e no charlatanismo e somente a partir do século XVIII teve uma evolução significativa com o descobrimento da circulação sanguínea por William Harvey e da primeira vacina por Edward Jenner.

Os avanços dos que dispomos atualmente e os que virão não teriam sido possíveis sem a aplicação da metodologia científica para a produção do conhecimento médico e o aproveitamento do avanço das outras áreas do conhecimento no avanço tecnológico de todos os procedimentos médicos. Sem os avanços da química e da farmacologia não teríamos a maioria dos medicamentos atualmente utilizados. Sem o avanço da física, matemática, computação muitos métodos diagnósticos e terapêuticos tampouco existiriam.

Lembro que ainda da década dos 90 para realizar uma arteriografia cerebral era necessário fazer uma punção direta na artéria carótida no pescoço com uma agulha de grosso calibre, um procedimento muito traumático e não isento de complicações, poucos anos depois foi desenvolvida a metodologia do cateterismo através da artéria femoral, uma técnica muito mais segura e eficaz.

Sendo assim chama a atenção como nos tempos atuais há uma grande procura por terapias que não tem nenhuma evidência científica de eficácia. Todos os médicos recebemos com frequência pacientes que perderam tempo e dinheiro tentando tratamentos totalmente empíricos e sem eficácia alguma como aromaterapia, autohemotransfusão, sessões de medicina quântica! , ozonioterapia, ventosaterapia, etc.

A recente pandemia parece ter estimulado as pessoas a ter um interesse maior pela medicina e a metodologia científica. Vivemos uma época onde é muito fácil que informações inverídicas cheguem ao nosso conhecimento, ao mesmo tempo, atualmente é muito mais fácil checar e comprovar a veracidade de uma informação. Quando se trata da nossa saúde ter a certeza de uma informação correta é uma necessidade e até uma obrigação.

Em 1348, perto do fim da idade média, período das trevas, existiu a bem conhecida epidemia de peste bubônica, a medicina era totalmente empírica. A epidemia devastou o continente europeu, a epidemia se alastrou por décadas e matou ao redor de 40 milhões de pessoas, quase a metade da população da Europa.

A medicina e nossa saúde não tem espaço para achismos e crenças. Continuar apoiando e praticando o empirismo sem dar o devido valor ao desenvolvimento da ciência e a medicina baseada em evidências vai nos deixar muito vulneráveis perante uma nova crise de saúde pública em forma de epidemia.

Não podemos esquecer que a recente pandemia nos pegou de “calças curtas”, não tínhamos máscaras, equipamentos de proteção individual, respiradores, oxigênio, anestésicos, relaxantes musculares. Tampouco tínhamos tecnologia para fabricar testes e até agora não dispomos de uma vacina brasileira contra Covid.

A ciência se fortalece com o questionamento constante enquanto as pseudociências vivem de seus falsos paradigmas inquestionáveis. A pessoa que nega a ciência é presa fácil de mentirosos e charlatões.