A história da medicina, a partir de Galeno (129-217 D.C.) é fértil em tratamentos e terapias que hoje em dia poderíamos chamar de esdrúxulos. No início do século XX se usou uma técnica chamada de “malarioterapia” para o tratamento da sífilis do sistema nervoso, que consistia em injetar sangue contaminado pelo parasita da malária em doentes com sífilis.
Até o século XIX era prática comum tratar todo tipo de febre com sangrias (retirada de 500 ml ou mais de sangue). Somente com o advento do método científico é que a medicina abdica dos tratamentos empíricos e começa a ter avanços significativos na identificação e combate a todo tipo de doenças. Antes disso, infringiu inúmeras vezes aquele juramento hipocrático de “nunca causar dano ou mal ao doente”, evidentemente sem dolo.
No cotidiano da prática médica é frequente que o paciente, ao fim da consulta, faça aquele último pedido: doutor, poderia me receitar algo para melhorar minha imunidade? O pedido já não causa surpresa no médico, porque de certa forma está acostumado a ouvi-lo e o profissional, em vez de dar a explicação justa e devida a esta indagação, prefere então prescrever um polivitamínico ou uma vitamina qualquer, zinco, selênio, etc.
A questão aparentemente está resolvida para ambas as partes. Será?
Nosso sistema imunológico é um mecanismo complexo sobre o qual muito conhecemos e muito falta por explorar. Possuímos dois tipos de imunidade, uma chamada de inata e outra de adaptativa. A imunidade inata é nossa primeira linha de defesa perante quaisquer microrganismos, independentemente de ter tido contato prévio com o mesmo.
Já a imunidade adaptativa se forma após um primeiro contato com o agente infeccioso ou tóxico e é também o tipo de imunidade que se forma após a vacinação contra um germe específico.
Estas células de defesa, entre as quais temos os chamados macrófagos, neutrófilos, linfócitos (B e T) e outras são produzidas tanto na medula óssea quanto no sistema linfóide, os macrófagos e neutrófilos são primariamente os encarregados de “fagocitar” (ingerir) os microrganismos invasores, os linfócitos são os grandes produtores de anticorpos (ver figura abaixo).
Os anticorpos têm a característica de serem muito específicos e, ao longo da vida, vamos os desenvolvendo contra tudo o que nosso sistema imunológico considera nocivo ou estranho ao nosso organismo. Um organismo normal para estar protegido pode chegar a ter ao redor de 100 milhões de anticorpos diferentes.
Foi o prêmio Nobel de medicina de 1977, Susumu Tonegawa, quem descobriu o mecanismo pelo qual os linfócitos B chegam a produzir esse número impressionante de anticorpos diferentes. Calcula-se que nosso sistema sanguíneo possui ao redor de 3 bilhões de linfócitos B, isso significaria apenas 30 linfócitos para produzir cada um dos 100 milhões de anticorpos.
Isso seria insuficiente para deter a invasão de um microrganismo, mas o sistema imunológico perante uma ameaça faz com que essas 30 células por um processo de “seleção clonal” possam se multiplicar até atingir 20 mil células, o que já é suficiente para poder produzir a quantidade necessária de anticorpos para deter um agente invasor.
Esta estratégia de defesa maravilhosa, aperfeiçoada ao longo de milhões de anos na maioria dos mamíferos, é apenas um dos mecanismos de defesa do nosso corpo contra microrganismos.
Não existe nenhum medicamento que possa melhorar nosso sistema imunológico, se acaso houvesse, lembremos também que uma hiperativação do sistema imunológico pode ser considerada o fator causal das chamadas doenças autoimunes, doenças nas quais um ou vários órgãos do nosso corpo são atacados pelo próprio sistema imune.
Para manter nosso sistema imunológico ativo e eficiente as recomendações são aquelas que são necessárias para nossa saúde como um todo: alimentação saudável e equilibrada sem excessos calóricos, atividade física regular, ter uma qualidade e quantidade de sono adequados, evitar uso de cigarro e álcool, tomar um pouco de sol diariamente, evitar o estresse ou pelo menos estresse prolongado, se manter hidratado ao longo do dia e ter momentos de lazer e descanso frequentes.
Aquela vitamina que melhoraria a imunidade é apenas um reflexo de nossos anseios de ter uma “pílula mágica”, é também produto do marketing farmacêutico, no máximo poderia ter um efeito placebo.
Dois minutinhos de conversa sobre esse assunto no fim da consulta serão muito mais eficazes para esclarecer a quem está preocupado com melhorar sua imunidade.